"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando na Alemanha abordamos as políticas de combate à chamada crise europeia falamos sempre da história de sucesso de Portugal. Estamos muito confiantes e não há nenhum problema.
Portanto tem razão Maria Luís Albuquerque quando, sentada ao lado de Wolfgang Schauble para grego ver, diz que fosse ela ministra das Finanças e nada disto acontecia, com as metas sempre ajustadas de modo a que a realidade encaixasse na teoria. Na realidade são bombardeamentos preventivos, com o alvo aferido para não sair do caminho definido pelos representantes das Goldman Sachs na União Europeia, não com tanta intensidade como na Grécia porque, afinal de contas, o Partido Socialista é o campeão da Europa e da integração europeia e não uns syrizos-trotskistas quaisquer, ainda que os trotskistas estejam hoje exactamente no mesmo sítio onde estavam os partidos ditos do socialismo democrático na Europa dos anos 50/ 60 do século XX, tal foi a viragem à direita e a perda de identidade.
Um dos princípios do Estado de direito democrático é do da irretroactividade das leis, já o da punição preventiva, e por antecipação ao que o futuro nos reserva, parece ficar ao critério de quem lhe apetecer e ao sabor das circunstâncias, que até podem riscar, de uma assentada, a máxima da direita radical-liberal que é o aumento dos impostos sobre as empresas ser inimigo da captação de investimento, contrário ao desenvolvimento económico e à criação de riqueza [não interessa para o bolso de quem].
Se isto faz algum sentido, se não andam todos à nora...
Os meus amigos ingleses, por acaso e só por acaso ingleses porque filhos de portugueses casados com netos de espanhóis, uns, ingleses, outros, porque netos de italianos, italianos de barba rija, que vir de Monte Cassino em 1945, a pé por uma Europa destruída pela II Guerra Mundial, até Newcastle, mesmo lá no norte, onde nunca há verão e o frio parte os ossos, não é propriamente fazer o Interrail ou ir de low cost visitar a muralha do Adriano, esses meus amigos ingleses votam pelo Brexit, não com medo das hordas de emigrantes que iriam assolar a costa da ilha, não por simpatia pelo Farage, antes pelo contrário, não pela chulice ao Estado social bife e ao NHS, não pelos subsídios para nada fazer e as reformas para a vida, mas por causa da 'dictatorship' de União Europeia e pelos não eleitos de Bruxelas, 'before it's too late'.
Duas semanas depois do Brexit ficamos a saber que 54% dos eleitores holandeses desejam um referendo sobre a permanência do país na UE e que 48% votariam para sair, exactamente no mesmo dia em que o Ecofin confirma as sanções para Portugal e Espanha pelo fracasso na implementação das políticas definidas pela tal 'dictatorship' de Bruxelas. E já é demasiado tarde..
Em vésperas da reunião do Ecofin, ciente das dificuldade em cumprir as metas impostas e consciente das privações impostas aos irlandeses pela política de austeridade, o ministro das Finanças irlandês marca uma posição forte e "estica a corda", de modo a conseguir melhores condições para o seu país, a extensão dos prazos para o reembolso dos empréstimos, numa negociação "à cigano", onde se começa por pedir o impossível para no final conseguir o de justiça.
E o que faz Vítor Gaspar, o ministro das Finanças português? Não, não se coloca ao lado do seu homólogo irlandês, numa posição concertada, na sabedoria popular de que a união faz a força. Não. Deixa o parceiro desamparado, vem dizer que é inconcebível, que se trata apenas de uma posição negocial, que Michael Noonan está a fazer bluff, dando a entender que os portugueses aguentam bem mais austeridade e miséria.