|| Se acreditarmos com muita força as coisas passam realmente a ter acontecido como desejamos?
E depois fazem do Seagull o que ele nunca foi.
O Seagull era a discoteca dos betos, por opção da gerência e pela situação geográfica, onde só se ia de carro ou de mota, nos anos do desemprego e das bandeiras negras na cidade de Setúbal. Não é difícil adivinhar quem tinha carro e mota para ir ao Seagull.
No Seagull tocava pop-rock beto-manhoso, desde o mais comercial dos Human League, passando pelo pelos Cheap Trick até ao Paradise by the Dashboard Light de Bat Out Of Hell do Meat Lof com um “live the kids alone” dos Pink Floyd pelo meio, com toda a gente a cantar em coro no meio da pista de dança.
No Seagull fumavam-se uns charros à socapa, que beto não é santo, e apanhavam-se umas bebedeiras de caixão à cova e volta e meia morriam uns e umas nas curvas da Figueirinha.
No Seagull faziam-se uns engates com aquelas betinhas mais prá frentex, filhas herdeiras das “boas famílias” das elites fabricadas e enriquecidas nos anos 40 na cidade à roda das industrias conserveiras, da Sapec e outras trafulhices, e que como eram boas filhas de “boas famílias” eram ratadas pelas costas à má-língua pelos outros betos, também eles filhos de “boas famílias”, porque as “boas famílias” eram quase todas da mesma família e convinha ser cavalheiro e manter as aparências.
No Seagull o porteiro tratava mal quem não era da família e de “boa família” e depois lá dentro a família também contava e não era liquido que só pelo facto de se ter entrado o tratamento fosse melhor no acesso ao líquido.
Ao Seagull ia-se como se ia para a escola, calça de ganga, polo e sapatinho “vela” sem peúga, mas convinha ser calça Wrangler e polo Lacoste, e na falta do sapatinho “vela” sem peúga uns All Star lavados estava muito bem, se bem que bem bem era John Smith branco. Tudo muito beto “in”.
Ao Seagull iam os betos e ilhas adjacentes, à Cubata ia o povo mainstream e os freaks do underground iam ao Chora que tinha a melhor música do distrito e arredores, mas onde ninguém ia por causa dos “drogados”, das raparigas “mal comportadas” e dos cabelos compridos.
O Seagull era uma discoteca absolutamente banal que fez história pela situação geográfica. Ponto final.
Não me venham cá com produções baratas de Hollywood que eu frequentei o Seagull. Até demasiadas vezes para o meu gosto. E já gastei mais caracteres com esta treta do que o que estava programado.
(Imagem Enoch Powell addressing Don McPhee, 1974, Belfast)