"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quem diria que quatro deputados eleitos pelo partido Livre causariam tanta comichão a pontos de uma tentativa de manipulação das eleições por dentro? Rapidamente a direita PaFiosa apareceu nas redes a fazer-se de sonsa, como se nunca tivesse ouvido falar em "crossover voting", a direita do partido dos sindicatos de votos para a eleição do líder, do pagamento de quotas por atacado, dos militantes com residência em casas que não existem, das dezenas de militantes a viverem na mesma casa.
Andamos todos para aqui, daqui a nada faz uma semana, na ressaca das directas no PSD a discutir quem ganhou e quem perdeu, mais os barões, as elites e as bases; barrosistas, santanistas, cavaquistas e outros istas, quem é que é o legítimo herdeiro de Sá Carneiro; como é que vai ser a nova oposição e o líder da bancada parlamentar. Andamos a fazer figura de parvos é o que é! Porque o real significado desta vitória, no fundo resume-se a que ganhou o Norte que vai de imediato levar a cabo uma acção punitiva e disciplinadora sobre Lisboa, a começar pelo Bairro Alto, como se pode ler aqui e aqui.
Na foto, Luís Filipe de Menezes acompanhado da esposa, no momento exacto em que transpunham a fronteira em Rio Maior, a caminho de Lisboa à cabeça da Décima Cruzada.
Post-Scriptum: Naquela secção das setinhas, “a subir” e “a descer”, que é uso fazer-se nos jornais quando há eleições, só já falta aparecer Pinto da Costa como um vencedor das directas no PSD…
Não deixa de ser interessante esta coisa do “mais português de Portugal”, como que a evocar um certo Portugal – que apesar da progressiva e irreversível integração europeia teima em desaparecer –, e a transportar-nos para os primeiros anos da consolidação de Salazar à frente do país; tempos da criação duma certa mitologia lusitana, cujo paradigma é a humilde casinha “lá” na aldeia, ícone da pureza, integridade rural, e da “alma pátria”, contraponto aos grandes centros urbanos e às cidades, mães de todos os desvios e de todos os perigos e depravações.
Este imaginário colectivo que Salazar muito bem soube identificar e perceber numa primeira fase – lembram-se das “aldeias mais portuguesas de Portugal”? -, foi numa segunda fase incentivado e patenteado, com o fomento a um determinado tipo de arquitectura e urbanismo, surgido nas capitais de distrito nas décadas de 50 e 60 do séculoXX, com a construção de bairros de habitação subsidiados pelo Estado via Caixa de Previdência, e que, mais não eram que uma tentativa de decalque da aldeia-mãe na cidade. Obedeciam sempre a um padrão comum a todos – construção com o centro da vida social e bairrista ao redor de uma praça com uma igreja, e proximidade de uma escola que, podia ou não ser comum a mais de um bairro; a inclusão de um pequeno quintal em cada habitação, e não raro, os blocos de edifícios / moradias serem habitados por trabalhadores da mesma fábrica ou corporação. Este tipo de arquitectura e intervenção urbana teve numa primeira fase e no que concerne à forma, Raul Lino a sua obra Casas Portuguesas como fonte de inspiração e imagem de marca. Posteriormente, sábia e inteligentemente aplicada por Paulino Montez no bairro da Encarnação em Lisboa, que viria a fazer escola pela via dos sucessivos clones que proliferaram de norte a sul do país, como o já extinto bairro deNossa Senhora da Conceição em Setúbal.
(A este propósito veja-se como o mito da ruralidade do Estado Novo ainda prevalece na cultura e na tradição portuguesa quando em épocas festivas se assiste a um autentico êxodo das grandes cidades em direcção ao interior; o célebre “ir à terra”.)
Mas não era a arquitectura do Estado Novo a razão deste post. Serviu apenas como introdução para mais um rescaldo às directas no PSD. Assim, no partido que apesar de não existir enquanto tal, foi o que melhor fez a transição da ditadura para a democracia, quer pela via dos seus fundadores, todos ligados à ala liberal no marcelismo, quer no modo em como absorveu sem convulsões todo o tipo de personagens mais ou menos ligadas ao Estado Novo, desde o cidadão anónimo até a uma miríade de pequenos e médios comerciantes e industriais, proprietários rurais e caciques que viriam mais tarde a estar na génese dos famosos barões do PPD; num partido híbrido e sem ideologia; num partido que faz ponto de honra em dizer que é o “mais português de Portugal”, era de esperar outra coisa que não a vitória de um Luís Filipe de Menezes numas eleições directas? Não terão sido antes as elites, malgrado o espectáculo mediático de cada congresso, quem sempre desvirtuou o partido e o afastou dessa sua ligação umbilical ao Portugal profundo?
- Os cardumes de famílias que passam as tardes de fim-de-semana enfiados nas lojas da cadeia Fábio Lucci em animada desarrumação dos expositores;
- Os magotes de gente que esgotam estádios para assistir a espectáculos do Toni Carreira;
- Os casais que passam os serões colados à televisão a ver as telenovelas da TVI, depois de terem roído as unhas até ao sabugo, presos ao telejornal da RTP1 com os intermináveis relatos de Sandra Felgueiras sobre o caso Madie;
- As bases do PSD que deram a vitória a Luís Filipe Menezes nas directas?
Defendo que nas presidenciais americanas deviam poder votar todos os cidadãos de todos os países do mundo; ao fim e ao cabo estamos a falar em eleger o homem que, para o bem ou para o mal, pode influir decisivamente no nosso dia-a-dia. Com o PSD defendo a mesma ideia só que à escala nacional: devíamos poder votar todos, os cidadãos eleitores nacionais, na escolha do líder do partido que mais cedo ou mais tarde vai governar o país.
Assim permitam-me que dê a minha humilde opinião de potencial cidadão-não militante-eleitor: não percebo esta atracção do PSD pelo abismo... Não sei até que ponto será correcto ou de bom-tom invocar Marx num post sobre o PSD e o seu líder, mas após as directas de ontem só me ocorre aquela frase que o barbudo escreveu sobre a repetição da história em dois géneros teatrais - a Tragédia e a Farsa. Não lhes bastou o consulado de Santana?!
Que me desculpem os meus amigos pêpêdês: fechem mas é a porta e deitem a chave ao rio!
Dizem hoje por aí – jornais e blogues – que ontem houve um debate na televisão entre os dois Luíses candidatos à liderança do PSD. Sinceramente, não dei por nada. Até porque também ontem, ia começar na televisão do Estado um novo programa de nome Sabe Mais Que Um Miúdo de 10 Anos? que consiste em pôr concorrentes adultos a testar a sua cultura geral a par de alunos de 10 anos; a realidade foi que quando fiz o zapping pelos canais, passei por lá, pelos Luíses, mas pensei que tinha a haver com o concurso, e como não sou muito dado a estas coisas de concursos na tv, saltei para o AXN e fiquei a ver o CSI Las Vegas…
Adenda: Porque é que insistem no “dois candidatos à liderança do PSD”?! Candidato há só um, o outro já é líder… O mais que pode ser é o “candidato e o recandidato”. (Acho que inventei uma palavra; quando escrevi “recandidato” o corrector do Word sublinhou-a a vermelho). Eu se fosse “recandidato” à liderança de o que quer que fosse, não debatia nada com ninguém. Quem quisesse ocupar o lugar que se fizesse à vida.