"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Até aos anos 80 do século passado era assim a paisagem nas colinas e montes que rodeiam a cidade de Setúbal [na imagem retirada do livro Fartas de Viver na Lama- 25 de Abril. O Castelo Velho e outros bairros], barracas feitas com as caixas dos carros Austin Morris que eram montados na fábrica de Setúbal, operários especializados, com salário e descontos para a Segurança Social, a produzirem carros para a exportação mas sem rendimento que permitisse a compra ou o aluguer de uma habitação condigna. A mulher, quando não ficava em casa, andava na casa de outros "a dias" ou na indústria conserveira quando o apito da fábrica tocava à chegada dos barcos. Os putos cresciam lá em cima, uns com os outros, ao Deus-dará, os índios.
47 anos depois dos 48 anos antes o estudo A Pobreza em Portugal – Trajectos e Quotidianos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz-nos que em Portugal pelo menos 11% dos trabalhadores são pobres, apesar de terem trabalho e salário certo ao fim do mês. Mais de um terço dos pobres em Portugal são trabalhadores, a maioria dos quais com vínculos estáveis e salários certos ao fim do mês.
E isto tem um nome. E já cansa repetir. E cansa a ladaínha do "portugueses de bem", do "vai para a tua terra", do "povo honesto" que serve para desviar o foco, meter o miserável a olhar para baixo, contra o ainda mais miserável, aquele que na canção do Gabriel, O Pensador, tem como objectivo na vida "morar numa favela".
Ou como a incompetência do FMI está a matar o capitalismo:
«Não só se confirma que a desigualdade está ao "mais alto nível em décadas" e que uma maior desigualdade tem como consequência um abrandamento do crescimento da economia [...].
[...] mais desigualdade faz as economias crescer menos. "Se a parte do rendimento dos 20% mais ricos aumenta, então o crescimento do PIB diminui no médio prazo", [...] "um aumento da parte do rendimento detida pelos 20% mais pobres está a associado a um crescimento do PIB mais elevado".
Como a desigualdade faz mal ao crescimento, faz sentido perceber o que a está a provocar, para tentar inverter a tendência.
Um dos mais importantes é o aumento do prémio que é oferecido aos que têm mais qualificações. Com o desenvolvimento tecnológico, a parte da população que tem qualificações que lhes permitem tirar mais vantagens desse desenvolvimento viu os seus rendimentos subirem muito mais do que os que não têm essas qualificações.
[...] “a suavização da regulação nos mercados de trabalho está associada com uma desigualdade no mercado e um peso do rendimento dos 10% mais ricos mais elevada”, [...] “a flexibilidade do mercado de trabalho beneficia os ricos e reduz o preço de negociação dos trabalhadores de mais baixos rendimentos”.
«As pessoas defendem que a diferença de salários entre CEO e trabalhadores não qualificados deveria significar que os primeiros ganhariam cinco vezes mais do que os segundos, mas a realidade a que se assiste nas grandes empresas é a de que, em média, os CEO ganham 53 vezes mais.
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Pedro Soares dos Santos ganhou 108 vezes mais do que a média dos restantes trabalhadores da Jerónimo Martins em 2013. Paulo Azevedo mais 92 vezes na Sonae. Estes foram os dois gestores em que a diferença foi maior, um facto explicado pelos seus grupos terem um peso muito significativo do comércio a retalho onde, em média, se praticam salários mais baixos.
Ora deixa cá ver quem é que quem governava entre 2007 e 2011...
"Na apresentação do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a consolidação da reforma estrutural em Portugal, encomendado pelo Governo e entregue ontem, terça-feira, Pedro Passos Coelho elogiou o trabalho dos últimos anos, sublinhando a diminuição da desigualdade dos rendimentos e da taxa de pobreza relativa. Contudo, as conclusões baseiam-se em números centrados no período entre 2007 e 2011, apresentados no relatório."