"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A um mês das eleições começa a propagação de fake news à boa maneira de Trump e Bolsonaro, lançar a dúvida sobre o sistema eleitoral enquanto se enche a boca de democracia e se canta A Portuguesa com a mão direita sobre o coração. Surpreendendo absolutamente ninguém começou com um candidato a deputado pelo Chega.
"À justiça o que é da justiça, à política o que é da política", sendo que compete ao poder político, legitimado pelo voto popular, a construção, definição, e posteriores reformas, do sistema judiciário, por muito que desagrade à classe, que não vivemos no regime do Judge Dredd.
Na "mais velha democracia do mundo" um chefe de Estado não eleito lê o discurso escrito por um não eleito primeiro-ministro.
[Link na imagem: "Britain's King Charles III delivers a speech beside Queen Camilla during the State Opening of Parliament in the House of Lords Chamber, in London, November 7". Leon Neal/ Pool]
Os recentes casos a envolverem autarcas, ex-autarcas, secretários de Estado, ministros, políticos e empresários avulso, são a resposta, com um desenho, às duas perguntas que todos nós já colocámos uma vez na vida:
- Como é que aquele borra-botas, que não tem onde cair morto, todos os anos troca de topo de gama, vai passar férias ao fim do mundo, e janta em restaurantes que servem miniaturas ao preço do salário mínimo nacional?
- Como é que é possível tamanho atentado urbanístico e ambiental em zona histórica, em zona de reserva ecológica; quem é que autorizou a construção de semelhantes cagalhões arquitectónicos?
A vergonha e o pudor, daqueles que ainda o têm, pela previsível reacção da generalidade das pessoas que se pautam pela boa educação e formação, que não lhes permite assumir que, sim senhor, o ataque à casa da democracia em Brasília, pela horda de alucinados telecomandada à distância via WhatsApp e Telegram, foi uma coisa bonita de se ver, e que têm razão de sobra por se terem mal comportado daquela maneira, leva-os a equivaler quem luta por mais democracia e direitos com os outros, os que querem acabar com a democracia e classificam os direitos humanos como "esterco da vagabundagem". Esta manobra já tinha sido ensaiada por Trump, presidente, na defesa dos gangues Proud Boys e fanáticos MAGA nos confrontos com o movimento Black Lives Matter e nos ataques às comunidades LGBT, e pelos minions de Bolsonaro, "ah e tal, as pessoas têm razões para o descontentamento". As redes estão pejadas destes sonsos, mais militantes ou apoiantes do Iniciativa Liberal que do partido da taberna, e vão todos beber a doutrina nas páginas do diário da direita radical, o online Observador. Curiosamente alguns actuais colunistas das falsas equivalências, do "é tudo farinha do mesmo saco, estiveram nas elegias, brochuras e demais literatura pulp, com a capa de ensaio político e sociológico, sobre o fabuloso destino de Trump na América dominada pela esquerda woke e da ideologia de género.
Camaradas do maior bando de trolls no Twitter, logo a seguir aos ilusionistas liberais e aos adeptos do Foculporto - o PCP, a queixarem-se de atentado à democracia e liberdade de expressão, por contas temporariamente suspensas com a nova política de Elon Musk para a plataforma, eles, que todos os 26 de Dezembro lamentam o fim da URSS, essa pátria da democracia e da liberdade de expressão.
"o que se impunha era o aperfeiçoamento do socialismo". Acabar com a polícia política, libertar os presos políticos e de delito de opinião; legalizar os sindicatos e instituir o direito à greve e à manifestação; autorizar o direito de associação; instituir o multipartidarismo e promover uma democracia parlamentar constitucional; autorizar a livre circulação de pessoas e bens entre repúblicas e para o estrangeiro. Não se sabe, nunca esclarecem, fazem lembrar a direita quando vem com a lengalenga das reformas necessárias.
Não é nenhum burro e muito menos um matacão, é licenciado em Direito, com 19 valores, e doutorado em Direito Público, sabe antecipadamente que os projectos que insiste em submeter a discussão serão vetados por manifesta inconstitucionalidade, mas insiste e insiste e insiste e voltará a insistir. O paladino da verdade e da justiça, interprete do sentir do povo, contra a corrupção e a imoralidade. Intruja e charlatão que é joga com a genuína indignação da iliteracia jurídica dos pobres de espírito, aqueles que acreditam piamente naquilo que apregoa. É um jogo jogado em duas frentes, a sua, a do conteúdo para atingir a forma, a dos aios e escudeiros, apenas meia dúzia de degraus acima da turba na capacidade de raciocínio e interpretação, mascarados de intelectualidade no chorrilho de salamaleques de escrita,no ataque à forma para destruírem o conteúdo.
A ex-República Socialista Soviética do Cazaquistão [link na imagem] decidiu, por referendo, a reforma da Constituição. Retirar poder ao chefe de Estado, perda do cargo honorário de "pai da nação" pelo antigo presidente, pôr fim à era "super-presidencial" do ex-Presidente Nursultan Nazarbaiev e dos seus apoiantes políticos, no poder há mais de 30 anos, abrir caminho para a democratização, permitir a cada cidadão participar directamente nas decisões e no futuro do país, limitar a autoridade do Presidente, fortalecer a defesa dos direitos humanos, restabelecer o Tribunal Constitucional e abrir caminho para a abolição da pena de morte. Uma democracia de tipo ocidental, resumidamente.
Nas cenas dos próximos capítulos, o fascismo russo, por Vladimir Putin, vai fomentar uma república separatista qualquer, inventar um pretexto para intervir militarmente no país, e o partido político que em Portugal veste a roupa de defesa da constituição, da democracia representativa, e da recusa do culto da personalidade, vai afiançar que as violentas manifestações no Cazaquistão, que levaram à realização do referendo, foram orquestradas pelos 'amaricanos' e pela CIA, e que tudo isto se enquadra na "intensificação da escalada belicista dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia" e que é preciso respeitar a carta da ONU e a Acta Final de Helsínquia, aquela que consigna o direito dos estados escolherem as alianças que querem ou não integrar e o direito dos povos à auto-determinação e independência. Sonsice.
Orbán, o homem de mão de Putin dentro da União Europeia, crescido e engordado pelo Partido Popular Europeu, da direita dona da democracia. Anos a fio com o comunismo, Cuba e a Venezuela, o esquerdismo e o 25 de Novembro, o totalitarismo comunista, rebéubéu pardais ao ninho, enquanto engordavam Orbán. Agora estamos reféns do Putin, pelas posições do camarada húngaro, e os donos da democracia nem um pio.
Anos a fio com a independência da magistratura, a separação dos poderes, o primado do direito e o respeito pelos direitos humanos, enquanto na Hungria, mesmo debaixo dos doutos e democráticos narizes, Orbán limpava o rabo a isso tudo e ainda à independência da comunicação social, para agora se ensaiar dentro de portas uma "via GOP" na tomada por dentro do Constitucional, com a indicação, pelos pares da direita dona da democracia, de um fanático que defende a punição do mensageiro - a comunicação social, no caso de fugas ao segredo de justiça, e cita como fonte científica experiências levadas a cabo pelos nazis em campos de concentração, tudo isto explicável e desculpável ao abrigo do princípio da "liberdade de expressão".
A direita, dona da democracia, tem um problema com a democracia.
Um ex-deputado do partido que celebra Cuba, lamenta o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, não sabe se a dinastia norte-coreana é ou não uma democracia, e que no projecto de teses ao XVIII congresso escreve preto no branco "importante realidade do quadro internacional, nomeadamente pelo seu papel de resistência à 'nova ordem' imperialista, são os países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista - Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia". Viva então a República, 'camarada' António Filipe.