"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O decreto Lei n.º 1:941 de 11 de Abril de 1936 assinado por António Óscar de Fragoso Carmona e António de Oliveira Salazar ardeu nas fogueiras do Index Librorum Prohibitorum:
Se a Igreja Católica estivesse realmente preocupada com a família e com a procriação e com o fim dos tempos como consequência do fim da raça humana, há já muito que o celibato tinha sido irradiado e o direito do seus sacerdotes a constituírem família como pessoas normais – dentro do padrão de normalidade do Vaticano – reconhecido. Sempre eram mais uns quantos a contribuir oficialmente par o bolo. Oficialmente, porque ainda hoje há aqueles padres que têm lá em casa uma governanta e os filhos dela ou uma prima afastada e os filhos dela.
Proclamado por um qualquer “educador da classe operária” e entrava-me por um ouvido e saía pelo outro, dito por quem foi resta-me comentar em registo vox populi: “O que tu queres sei eu!”.
Por graças a Deus ser agnóstico, não partilho destas apreensões. Eu que já li a Bíblia. Eu que por ser coleccionador do Livro, Bíblias é o que não falta cá em casa; das mais variadas confissões, datas e edições. Muito mais barato que comprar o Expresso: um euro, vá lá dois, na Feira da Ladra.
“O meu problema”; “o problema” dum agnóstico é, o de ler a Bíblia como quem lê a História de Portugal do José Mattoso. Vale o que vale do ponto de vista histórico. E, agnósticamente (não sei se existe o termo) falando, é menos grave do que ter, por exemplo, Os Lusíadas, A Casa Grande de Romarigães, a Mensagem – e por aqui me fico – em casa e não os ler (aqueles que os têm). É um problema de hábitos de leitura. E para quem não os tem é “uma seca!”.
Do ponto de vista do Divino, e já que outra das preocupações é «ensinar as pessoas a rezar a partir das Sagradas Escrituras. As Sagradas Escrituras não como interesse intelectual, mas com as pessoas a aprenderem a rezar a partir da palavra de Deus"», e em época de ecumenismo e encontro de religiões, porque não recorrer ao exemplo do Islão? Uma versão católica-apostólica-romana Rádio Fátima on-line e on the air; porque não?
O meu primeiro professor na disciplina de Filosofia nos meus tempos de Liceu em Setúbal, disse-nos – à turma –, na primeira aula, que a Filosofia tinha nascido na Grécia antiga por uma razão “muito simples” (sic): as pessoas tinham atingido um nível de bem-estar económico tal, que se podiam dar ao luxo de pensar noutras coisas que não procurar com que “encher a barriga e a da sua família todos as manhãs assim que acordavam” (sic, novamente).
Não se porquê, lembrei-me do meu professor de Filosofia depois de ter tomado conhecimento das preocupações de D. José Policarpo. (Link)
O Público de hoje, citando D. José Policarpo na sua homilia pascal: “A banalização da morte na sociedade dificulta a fé na ressurreição de Cristo” e “Mata-se facilmente, põe-se, imprudentemente, a própria vida em perigo, a morte tornou-se um fenómeno clínico, a própria dor da morte se dilui em cerimónias fúnebres mais marcadas pelos hábitos culturais do que pela vivência da densidade da vida.”
Colocando-me na pele (salvo seja!) do cardeal-patriarca de Lisboa compreendo a sua mensagem de preocupação. É certeira na forma, mas falha no conteúdo. O que fez a Igreja Católica ao longo dos séculos senão apropriar-se dos hábitos culturais dos povos e das populações, adaptando-os à sua doutrina para melhor se enraizar e propagar a fé? Os exemplos estão todos aí à vista e são mais que muitos; desde os santos populares à proliferação de santos e santinhas locais que, mais não são que uma conversão dos antigos cultos pagãos. Onde dantes havia um Deus, há agora um Santo – desde a dor de dentes até às trovoadas.
“Mata-se facilmente, põe-se, imprudentemente, a própria vida em perigo (…)”. Sempre assim foi, e a Igreja tirou bastas vezes partido de assim ser. Nos primórdios com os seus mártires, e posteriormente, com os por si martirizados – Inquisições (no plural). Só que por via do desenvolvimento e da globalização – pela aldeia global, mata-se por exemplo, alguém no Iraque e passados minutos todo o mundo (literalmente) vê as imagens quase em directo, senão mesmo em directo.
A diferença é aí que reside. D. José Policarpo finge não viver neste mundo e neste tempo?
“Oxalá a Igreja seja o espaço onde se mantenha e, porventura, se salve um verdadeiro pensamento filosófico”.
D. José Policarpo, ontem em homilia na Sé de Lisboa.
Oxalá (se Alá quiser)?! Não era suposto ser “Deus queira”? Onde estão as manifestações de regozijo dos radicais islâmicos, sempre tão lestos a queimar faixas e bandeiras, quando o léxico é susceptível de interpretação contrária à sua doutrina?