"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
E depois, quando este circo acabar, podemos falar de toda a contratação colectiva assente no baixo salário base compensado por horas a 50 e 75%, horas retiradas ao descanso pagas, descansos efectivos e complementares [dias de folga] pagos, refeições deslocadas, fora da base e à factura, diuturnidades e ajudas de custo, que foi negociada por sindicatos afectos à CGTP, no tempo em que os sindicatos tinham poder negocial e a Intersindical assinava contratos verticais, e da verticalidade sindical que, do princípio "a união faz a força", meteu no mesmo saco coisas diversas e diferentes, uma das razões para o nascimento dos novos sindicatos sectoriais e não alinhados?
Talvez depois haja muita coisa que fique mais nítida.
Do tempo dos comunistas, da CGTP, dos sindicatos correias de transmissão do PCP, irresponsáveis e apostados em destruir as empresas e a economia do país, para os comunistas, a CGTP, os sindicatos correias de transmissão do PCP, responsáveis e cheios de "sentido de Estado", alguém com quem se pode negociar de boa-fé apesar de não serem conhecidos “por fazer fretes a Governos ou empregadores”. À agremiação de sindicatos de bancários e serviços, que dá pelo nome de UGT e que há 40 anos negoceia concertações sociais e assina de cruz códigos do trabalho elaborados pelas associações patronais, resta-lhe pôr-se em bicos dos pés e dizer meia-dúzia de lugares-comuns.
«[...] é altura de reverter algumas das medidas que desequilibraram as relações entre trabalhadores e empresas, para que "a desregulação do estado de excepção não se transforme na nova norma". "É imperioso reverter as medidas com incidência na negociação colectiva tomadas no período da troika"
[...] sindicatos e aos patrões [devem empenhar-se] em credibilizar a negociação colectiva, dando provas da sua representatividade, para evitar que organizações a que chama "ultraminoritárias" negoceiem contratos que depois podem ser estendidos a todo um sector»
Primeiro João Proença e a UGT, a meias como o ministro do CDS Pedro Mota Soares, liquidam a legislação laboral por via da revisão do código do trabalho, depois a UGT de Carlos Silva, agora já liberto da tutela do caído em desgraça Ricardo Salgado, vem fazer prova de vida [e se calhar lembrar aos patrões "quem é amigo, quem é?" para a cadeira no Conselho Económico e Social] e defender o aumento da contratação colectiva. Ninguém se riu. Nem o cameraman porque senão a imagem aparecia tremida.
O reverso é que o canibal Carlos Silva, diligente no seu papel de mordomo das empresas e corporações, ao acusar a CGTP de autofagia e de acenar com o papão do PCP aos gritos de "vem aí o comunismo!" esquece-se do óbvio e o óbvio é que o cidadão comum olha para os papéis desempenhados pela CGTP e pela UGT na revisão do Código do Trabalho e da contratação colectiva, olha para João Proença nas suas novas funções, olha para a perda de rendimentos, regalias e direitos, olha para o PS de António José Seguro a votar favoravelmente a "reforma" do IRC e, malgrado o Estaline oculto por detrás do símbolo da CDU no boletim de voto, faz a opção. Melhor propaganda para o PCP não podia haver. E Viva a UGT!
Uma demonstração muito bem demonstrada e uma prova muito bem provada, com o impacto muito bem impactado e a dinamização muito bem dinamizada, como aquando do novo Código do Trabalho e da concertação social assinada pelo então secretário-geral João Proença:
«O sector privado em Portugal já fez ajustamento salarial. E se já fez o ajustamento, se está a começar a absorver o desemprego e está a manter a competitividade das exportações, é preciso sublinhar: nós não acreditamos num modelo de desenvolvimento baseado em salários baixos».
«Parceiros sociais começam a discutir as novas propostas de alteração ao Código do Trabalho na próxima terça-feira. Em cima da mesa está a possibilidade de reduzir ou retirar benefícios aos trabalhadores, quando os contratos colectivos caducam.
Prémios de assiduidade, subsídios de turno, pagamento acrescido do trabalho nocturno ou de isenção de horário de trabalho. Estes são alguns dos benefícios que poderão desaparecer ou sofrer uma redução quando os contratos colectivos caducarem, o que implicará uma redução da retribuição dos trabalhadores. A medida está prevista numa proposta de alteração ao Código do Trabalho ontem enviada aos parceiros sociais e que começa a ser discutida na próxima terça-feira.
Liberalizar os despedimentos de forma a, literalmente, correr para fora das empresas com os trabalhadores efectivos e respectivos direitos e regalias consagrados na contratação colectiva, substituí-los por trabalhadores precários recrutados no exército de desempregados, desesperados e dispostos a tudo por um emprego, e com a pressão de saber que em listas de espera há muitos mais dispostos a ocupar o lugar. Não tem segredo nenhum, aprende-se no secundário a Economia, no bê-à-bá do Capitalismo.
Mas o povo também não tem muito por onde se queixar. Quando a contrato são os melhores profissionais do mundo e no dia a seguir à passagem a trabalhador efectivo começa o renga-renga até à reforma.
(February 1942, Medium-format nitrate negative by Ann Rosener, Office of War Information)
Hoje o Avante! fala de «Repressão anti-sindical», mas é na Colômbia, Turquia e Argentina. E duma «Greve nas alfândegas», mas é em Portugal. De Venezuela népias. Talvez saia na próxima semana.