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DER TERRORIST

"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.

Contra o Fanatismo (V)

por josé simões, em 22.04.07

 “Eu era muito jovem quando vivi sob o mandato britânico. As primeiras palavras inglesas que aprendi a pronunciar em criança, antes de aprender inglês no colégio – as primeiras, para alem do yes ou do no –, foram British, go home!, que era o que nós, míudos judeus de Jerusalém, costumávamos gritar enquanto atirávamos pedras às patrulhas britânicas na nossa própria Intifada, que teve lugar entre 1945 e 1947. Impossível não desenvolver o sentido do relativismo, o sentido da perspectiva e uma certa triste ironia a propósito do modo como o ocupado se transforma em ocupante, o oprimido em opressor, como a vítima de ontem pode facilmente converter-se em verdugo, em virtude da facilidade com que mudam os papéis.

Antes de 1948, em Jerusalém Ocidental havia vários bairros árabes. Depois veio o assédio, o acosso, o bombardeamento da Jerusalém judaica por parte dos exércitos jordano e egípcio, a artilharia e os ataques aéreos. Quando tudo terminou, não havia árabes nem vizinhanças árabes. Pelo que me toca, apesar de ter opiniões sólidas sobre quem foi mais culpado por aquilo que aconteceu em 1948 (e julgo que os governos árabes têm a maior parte da responsabilidade), isso não vem ao caso. A tragédia é o acontecimento em si. Sejam os governos árabes os culpados, ou os sionistas, ou ambos, ou seja a culpa repartida, a verdade continua a ser que, em 1948, centenas de milhares de palestinianos perderam os seus lares. Sei que nesse mesmo ano, na mesma guerra, cerca de um milhão de judeus orientais dos países árabes também perderam as suas casas e muitos deles foram escorraçados a pontapé e acabaram em Israel nas mesmas casas que, anteriormente, tinham pertencido aos Palestinianos. Esse sobreviventes-refugiados judeus do Iraque, do Norte de África, do Egipto, da Síria, do Iémen, após três, quatro, cinco anos a viverem em campos de transição, acabaram por conseguir casa e trabalho, ao passo que os refugiados palestinianos, não. Assim, a questão continua em aberto e é dolorosa. Como narrador, como romancista não posso ignorar que esta não é uma história a preto e branco. Não é um conto de bons e de maus. Não é um filme do Faroeste selvagem nem o seu contrário. Embora na Europa, com alguma frequência, com mais frequência do que o contrário, tenha encontrado pessoas impacientes que pretendem saber, em cada historia, em cada conflito, quem são os bons e quem são os maus, a quem deveríamos apoiar e contra quem deveríamos protestar… Penso, com a minha experiência, que o choque entre Judeus Israelitas e Árabes Palestinianos não é uma história de bons e maus. É uma tragédia: um choque entre quem tem razão e quem tem razão.”

 

Excerto de “Contra o Fanatismo” do escritor israelita Amos Oz.

Contra o Fanatismo (IV)

por josé simões, em 21.04.07

 “Uma das coisas que torna especialmente duro o conflito palestiniano-israelita ou árabe-israelita é que se desenrola entre duas vítimas. Duas vítimas do mesmo opressor. A Europa – que colonizou o mundo árabe, o explorou, o humilhou, que pisou a sua cultura, o controlou e o usou como pátio de recreio imperialista – é a mesma Europa que descriminou os Judeus, os perseguiu, os acossou, e, finalmente, os assassinou em massa num crime genocida sem precedentes. Poderia pensar-se que duas vítimas desenvolvem de imediato entre si um sentimento de solidariedade – é assim, por exemplo, na poesia de Bertolt Brecht, onde as vítimas se irmanam imediatamente e marcham juntas para as barricadas, entoando as suas canções. Mas na vida real, os piores conflitos dão-se precisamente entre duas vítimas do mesmo opressor. Dois filhos do mesmo pai cruel não se amam necessariamente. Muitas vezes, cada um vê no outro a própria imagem do pai cruel.

É justamente este o caso do judeu e do árabe, não só do israelita e do palestiniano. Cada uma das partes olha e vê na outra a imagem dos seus opressores do passado. Frequentemente, os Judeus, especialmente os Judeus Israelitas, aparecem caracterizados como prolongamento da Europa branca do passado, sofisticada, tirana, colonizadora, cruel, sem coração. (Assim me demonstra grande parte da literatura árabe contemporânea que tenho lido. Não toda. E devo fazer uma ressalva: só consigo ler a traduzida, pois infelizmente não sei árabe.) São descritos como colonizadores que chegaram uma vez mais ao Médio Oriente, desta vez disfarçados de sionistas, para tiranizar, colonizar, explorar. Com muita frequência, os Árabes, inclusive alguns escritores árabes com sensibilidade, não conseguem ver-nos – a nós, Judeus Israelitas – como realmente somos: um punhado de refugiados e sobreviventes meio histéricos, perseguidos por pesadelos horríveis, traumatizados não só pela Europa como também pelo tratamento recebido nos países árabes e islâmicos. Metade da população de Israel é constituída por gente empurrada de países árabes e islâmicos. Israel é, de facto, um imenso campo de refugiados judeus. Metade dos Judeus são, na realidade, refugiados de países árabes. Mas os árabes não nos vêem assim; vêem-nos como uma extensão do colonialismo. Do mesmo modo, nós, Judeus Israelitas, não vemos os árabes, especialmente os Palestinianos, como aquilo que eles são: vítimas de séculos de opressão, exploração, colonialismo e humilhação. Não, vemo-los como organizadores de pogroms, como nazis de kaffiyehs enfiados na cabeça, que deixam crescer o bigode e andam queimados do sol, mas mantêm o velho jogo de cortar gargantas aos judeus. Em resumo, são os nossos opressores do passado, sempre e outra vez. Há uma grande ignorância a este respeito de ambos os lados: não ignorância dos propósitos e objectivos políticos, mas dos antecedentes, dos profundos traumas de ambas as vítimas.

Fui bastante crítico em relação ao movimento nacional palestino durante muitos anos. Algumas das razões são históricas, outras não. Sobretudo, fui muito crítico pela sua incapacidade de compreender como é genuína a ligação judaica à terra de Israel. É incapaz de perceber que o Israel moderno não é o produto de qualquer empresa colonialista, ou, pelo menos, é incapaz de dizê-lo ao seu povo. Devo dizer desde já que sou igualmente crítico em relação às gerações de israelitas sionistas, incapazes de conceber que há um povo palestiniano, um povo real, com direitos legítimos e reais. Assim, ambas as lideranças – sim, a passada e a actual – são culpadas de não compreender a tragédia, ou, pelo menos, de não a contar ao seu povo.”

 

Excerto de “Contra o Fanatismo” do escritor israelita Amos Oz.

Contra o Fanatismo (III)

por josé simões, em 20.04.07

“Os Palestinianos estão na Palestina porque essa é a pátria, a única pátria do povo Palestiniano. Do mesmo modo que a Holanda é a pátria dos Holandeses, ou a Suécia é a pátria dos Suecos. Os Judeus Israelitas estão em Israel porque não há outro país no mundo ao qual, como povo, como nação, possam chamar lar. Como indivíduos, sim, mas não como povo, não como nação. Os Palestinianos tentaram, de má vontade, viver noutros países árabes. Foram rejeitados, às vezes até humilhados e perseguidos, pela suposta “família árabe”. Assim, tomaram consciência da sua “palestinidade” da maneira mais dolorosa: não foram aceites pelos Libaneses nem pelos Sírios, nem pelos Egípcios, nem pelos Iraquianos. Tiveram de aprender da pior maneira que são Palestinianos e que a Palestina é o único país a que se podem agarrar. Curiosamente, os Judeus tiveram uma experiência histórica um tanto ou quanto similar. Foram chutados da Europa. Os meus pais foram expulsos da Europa há uns setenta anos. Exactamente como os Palestinianos foram expulsos, primeiro da Palestina e, depois, de quase todos os países árabes. Quando o meu pai era criança, na Polónia, as ruas da Europa estavam cobertas de inscrições, tais como JUDEUS, VÃO PARA A PALESTINA! E, às vezes, outras menos amáveis: MALDITOS JUDEUS, VÃO PARA A PALESTINA! Quando o meu pai regressou à Europa, cinquenta anos depois, os muros estavam cobertos de inscrições: JUDEUS; FORA DA PALESTINA!

 

Excerto de “Contra o Fanatismo” da autoria do escritor israelita Amos Oz.

Contra o Fanatismo (II)

por josé simões, em 19.04.07

 “A essência do fanatismo reside no desejo de obrigar os outros a mudar. Nessa tendência tão comum de melhorar o vizinho, de corrigir a esposa, de fazer o filho engenheiro ou de endireitar o irmão, em vez de deixá-los ser. O fanático é uma das mais generosas criaturas. O fanático é um grande altruísta. Está mais interessado nos outros do que em si próprio. Quer salvar a nossa alma, redimir-nos. Livrar-nos do pecado, do erro, do tabaco, da nossa fé ou da nossa carência de fé. Quer melhorar os nossos hábitos alimentares, ou curar-nos do alcoolismo e do hábito de votar. O fanático morre de amores pelo outro. Das duas uma: ou nos deita os braços ao pescoço porque nos ama de verdade, ou se atira à nossa garganta em caso de sermos irrecuperáveis. Em qualquer caso, topograficamente falando, deitar os braços ao pescoço ou atirar-se à garganta é quase o mesmo gesto. De uma maneira ou de outra, o fanático está mais interessado no outro do que em si mesmo, pela simples razão de que tem um mesmo bastante exíguo, ou mesmo nenhum mesmo. O senhor Bin Laden e os da sua laia não se limitam a odiar o Ocidente. Não é assim tão simples. Creio antes que querem salvar as nossas almas, querem libertar-nos dos nossos horríveis valores, do materialismo, do pluralismo, da democracia, da liberdade de opinião, da emancipação da mulher… Tudo isto, segundo os fundamentalistas islâmicos, é muito, mas mesmo muito prejudicial à saúde. Com toda a certeza, o objectivo imediato de Bin Laden não era Nova Iorque ou Madrid. O seu objectivo era converter os muçulmanos pragmáticos, moderados, em crentes «autênticos», no seu tipo de muçulmanos. O Islão, para Bin Laden, estava debilitado pelos «valores americanos», e, para defender o Islão, não basta ferir o Ocidente e feri-lo forte e feio. Não. No final, o Ocidente deve ser convertido. A paz só prevalecerá quando o mundo se tiver convertido, não já ao Islão, mas à forma mais rígida, feroz e fundamentalista do Islão. Será para nosso bem. No fundo, Bin Laden, ama-nos. O 11 de Setembro, no seu modo de pensar, foi um acto de amor. Fê-lo para nosso bem, quer mudar-nos, quer redimir-nos.”

 

Excerto de “Contra o Fanatismo” do escritor israelita Amos Oz.

Contra o Fanatismo

por josé simões, em 18.04.07

 “Um querido amigo e colega meu, o admirável romancista Sammy Michael, passou uma vez pela experiência, por que todos nós passamos de vez em quando, de andar de táxi durante um bom tempo com um condutor que lhe ia dando a típica palestra sobre como é importante para nós, Judeus, matar todos os Árabes. Sammy ouvia-o e, em vez de lhe gritar, «Que homem horrível que você é! É nazi ou fascista?» decidiu ir por outro caminho e perguntou-lhe: «E quem acha que deveria matar todos os Árabes?» O taxista disse: «O que quer dizer com isso? Nós! Os Judeus Israelitas! Temos de o fazer! Não há escolha. Veja só o que nos fazem todos os dias!» «Mas quem, especificamente, é que deveria fazer o trabalho? A polícia? Ou o Exército talvez? O corpo de bombeiros ou as equipas médicas? Quem deveria fazer o trabalho?» O taxista coçou a cabeça e disse: «Penso que devíamos dividi-lo em partes iguais entre cada um de nós, cada um de nós devia matar alguns.» E Sammy Michael, ainda no mesmo jogo, disse: «Pois bem, suponha que a si lhe tocava um determinado bloco residencial da sua cidade natal, Haifa, e que bate às portas ou toca às campainhas, e pergunta: ‘Desculpe, senhor, ou desculpe, senhora. Por acaso é árabe? ‘ E se a resposta for afirmativa, você dispara. Quando acaba o seu bloco, dispõe-se a regressar a casa, mas, ao fazê-lo,» continuou Sammy «ouve, algures no quarto andar do seu bloco, o choro de um bebé. Voltaria para matar o bebé? Sim ou não?» Houve um momento de silêncio e, então, o taxista disse a Sammy: «Sabe, o senhor é um homem muito cruel.» Esta é uma história muito significativa, porque há algo na natureza do fanático que, essencialmente, é muito sentimental e, ao mesmo tempo, carece de imaginação. E isto, às vezes, dá-me esperança – naturalmente, muito limitada – de que injectando alguma imaginação nas pessoas, talvez as ajudemos a reduzir o fanático que trazem dentro de si e a sentirem-se incomodados. Não é um remédio rápido, não é uma cura rápida, mas pode ajudar.”

 

Excerto de “Contra o Fanatismo” do escritor israelita Amos Oz.