"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Andamos desde Abril de 1945 a elaborar teses e teorias filosóficas sobre como foi possível na Alemanha pós República de Weimar um bando de energúmenos, com um neurónio cada, ter capturado o Estado alemão e levado a nação e a Europa para a barbárie e destruição. Lei de Godwin à parte, porque ao que se assiste é que a cada discussão em beco sem saída a direita sair a invocar o comunismo, a China, a Coreia, o Vietname, Cuba, a Venezuela, e o caralho e ainda não ter aparecido um Godwin qualquer a elaborar uma lei justificativa para aplicar aqui, como é que esta farsa é possível, 80 anos depois da queda de Berlim e 47 a contar do 25 de Abril de 1974?
Muito mais interessante que o barulho fomentado, por quem não viu a pela Fórmula 1 no Algarve nem as romarias a Fátima, sobre se o PCP deve ou não realizar o seu congresso, e amplificado por uma comunicação social que olimpicamente ignorou os jantares de Verão do Chaga com 800 e muitas pessoas, todas muito aconchegadinhas, é a discussão que não há, e estas coisas passam pelos pingos da chuva com uma total indiferença e até uma aceitável normalidade, sobre a redução do número de delegados ao congresso dos comunistas. Qual o critério para a redução? Porque é que vai este e não vai aquele? É por número de militante com direito a xis votos como nos clubes de futebol? Há militantes mais militantes que os militantes? Há organizações mais organizações dentro da organização? Quem decidiu e quem escolheu quem? O que é que pensam os delegados que viram a sua presença cancelada enquanto ao camarada do lado a ida era confirmada? Tanto faz a presença de 600 como a de 1200? Qual o papel de um delegado no congresso do PCP, aprovar por unanimidade e aclamação e no final cantar três hinos - Avante Camarada, Internacional e Portuguesa, a balançar o corpo compassadamente da direita para a esquerda?
Importante para a qualidade da democracia é ter o líder do maior partido da oposição, que ostenta "social-democrata" no nome, a tresler uma Lei, coadjuvado por um militante ex-juiz do Tribunal Constitucional, e um partido que realiza congressos com delegados por atacado para a coreografia nas televisões, e nas bancadas em tempos de normalidade.
[Na imagem "A general view of the 27th Congress of the Communist Party of the Soviet Union (March 1986)". RIA/ Novosti]
Logo após António Costa ter anunciado as novas medidas contra a Covid 19, Bernardo Ferrão, alegado sub-director da SIC Notícias, aparece na televisão do militante n.º 1 a acusar o primeiro-ministro de se escudar na Lei, es - cu - dar - na - Lei. Ainda o Ferrão estava deslumbrado com a profundidade da sua análise já Rui Rio estava a dar à unha no Twitter, a tresler a Lei, de forma a que fosse proibido, por Lei, o Congresso dos comunistas a realizar no mesmo dia em que o seu colega do Chaga reúne o Conselho Nacional em concelho de risco muito elevado.
"Seguros de saúde para todos. Esta é uma das ideias e medidas concretas defendidas pelo Aliança que, pela voz do líder Pedro Santana Lopes, fechou este domingo o congresso fundador do partido, em Évora."
"Santana Lopes sublinha que "todos devem ter o seu seguro de saúde" porque "é insustentável que só os ricos possam escolher entre o serviço público e o serviço privado"."
Onde termina o famoso "debate ideológico" de que tanto têm falado os mais distraídos [ou os que nasceram ontem] nestas últimas semanas que antecederam o congresso do PS, com troca de argumentos em órgãos de comunicação social e tudo, mas que na verdade dura desde o dia 25 de Abril de 1974.
A páginas tantas, um senhor, que trata toda a gente por tu no partido do doutor como tratamento institucionalizado, em sua defesa e como estatuto, invocada a sua qualidade de neto de um deputado da União Nacional, da ditadura fascista das chapeladas nas eleições e das oposições encarceradas e torturadas pela polícia polítca, perantre o aplauso de restantes congressistas na sala. Um partido do "centro-direita", dizem eles.
A páginas tantas, no calor do discurso da sem-vergonhice da recuperação e revitalização do interior, chegámos a temer ouvir Assunção 'a santinha' Cristas dizer "e, como prova da boa fé desta ideia e para dar o exemplo, vou mudar-me, com a família, para o interior, para um daqueles sítios sem tribunal, sem escola, sem posto de saúde e sem hospital, que mandei encerrar quando era mimistra do Governo da direita radical".
[Na imagem o ícone dos betos da Juventude Centrista nos 80s em tudo o que era t-shirt]
Depois de três anos a acusar António Costa de desrespeito pela tradição ao aceitar ser primeiro-ministro com base no exercício democrático no Parlamento, Pedro Passos Coelho, que durante quatro anos governou, ignorando e menosprezando a oposição, suportado por uma maioria parlamentar, acusa António Costa de "falta de respeito pelo exercício democrático" no Parlamento por governar assente numa maioria parlamentar e ignorando a oposição minoritária. Confusos?
"Reposição de salários, pensões" e de apoios sociais vários, "reposição do horário de trabalho na Função Pública" e dos "feriados roubados", "reversão das privatizações", uma "solução governativa que não é a nossa", "este não é um Governo de esquerda" mas um Governo do PS apoiado pelo PCP, "não é quanto pior melhor mas quanto melhor melhor" e evitar que a direita regresse ao poder.
A auto-crítica, pública, o reconhecimento, público, sobre a participação do PCP em todo o processo que levou a que a direita radical chegasse ao poder e governasse com a Troika, o erro histórico que foi o PCP ao lado do PSD e do CDS na Assembleia da República no derrube do Governo minoritário do PS, o assumir as culpas, isso ficou por fazer, talvez daqui por mais sete ou oito congressos, quem sabe.
Anda este mundo e metade do outro em mui grande rebuliço porque o PCP no XX Congresso evocou e enalteceu Fidel Castro – O Grande Ditador, isto depois do PCP ao longo dos anos em sucessivos editoriais no Avante! mostrar grandes saudades pelo Muro de Berlim e pela URSS, depois do PCP numas teses estapafúrdias ao XVIII Congresso fazer a apologia da monarquia comunista da Coreia da Norte, depois do PCP ter reservado na Festa do Avante! um pavilhão para uma organização terrorista dedicada ao narcotráfico – as FARC, depois de Jerónimo de Sousa e o PCP se terem deslocado a Angola para visitar o MPLA – partido irmão e o democrata José Eduardo dos Santos, que os dólares e o petróleo fazem conversões milagrosas na direita radical, depois do PCP ter virado chinês após a morte de Álvaro Cunhal, chinês da China, essa grande democracia económica de grandes investidores e nacionalizadores de empresas públicas portuguesas para o Estado chinês.
Ora vamos lá ao que interessa, porque é que o PCP, esse partido anti-democrata e totalitarista, depois de todas as tropelias e maldades que antecederam a evocação de o Grande Ditador Fidel Castro no Congresso continua a subir nas sondagens, continua a subir nos votos expressos em urna e em número de deputados em eleições para a Assembleia da República, continua a ser uma força política com um peso enorme ao nível das autarquias – Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, continua a ter uma invejável implantação nas fábricas, nas empresas, nos sindicatos, continua a ter uma presença não despicienda no movimento associativo e colectividades?
Porque as pessoas são burras e incultas não serve de resposta porque essa já foi usada para explicar o fenómeno Trump nos States, e as pessoas, comentadeiros, avençados nas televisões, rádios e jornais, que apontam todos os defeitos ao PCP estalinista e anti-democrático, excluem-se sempre das conclusões e das explicações para o fenómeno PCP, êxito no terreno e no dia-a-dia das pessoas.
Quantas vezes já o viram, quais os líderes de partidos políticos se dão ao luxo de molhar o dedo na boca para virar a página do discurso, em directo para as televisões na era do "tudo estudado ao milímetro"?
Os partidos são formados por pessoas, e dentro dos partidos há pessoas mais pessoas que as pessoas, e depois, de xis em xis tempo, há os congressos onde as pessoas, que são mais pessoas que as pessoas, vão repetir o que andaram a dizer nas tribunas que os jornais, as rádios e as televisões lhes disponibilizaram nos 365 dias do ano que antecederam o congresso, na maior parte das vezes tribunas pagas, e bem pagas, a pretexto de comentário político. E é por estas que no dias das eleições 50% dos eleitores preferem ir até à praia mesmo quando está dia de chuva.