"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Depois dos professores na semana passada diz que vem aí uma oleada de greve e paralisações, roubando a expressão aos espanhóis. Função Pública, médicos e enfermeiros, guardas prisionais, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico e terapêutica, uma fartura. Por isso é legitimo perguntar para que foi aquele circo e foguetório no Palácio Foz com a assinatura da câmara corporativ... concertação social entre os sindicatos dos patrões e o sindicato que representa os patrões nas empresas, a UGT, se paz social nas ruas e nas empresas é coisa que não vai haver; se António Costa e o Presidente da República, eleito com o voto do PS de António Costa, acreditam mesmo em toda aquela palhaçada; se acreditam que os portugueses acreditam; se varrendo para debaixo do tapete a coisa deixava de existir; se acham que as pessoas fazem greve e vêm para a rua porque o PCP, por interposta pessoa a CGTP, lhes diz para parar e vir, já que o acordo está assinado e não há razões para isso?
"Patrões dizem que um horário de trabalho é inoportuno".
"Patrões dizem que 8 horas de horário de trabalho é inoportuno".
"Patrões dizem que um dia de descanso semanal é inoportuno".
"Patrões dizem que dois dias de descanso semanal é inoportuno".
"Patrões dizem que duas semanas de férias é inoportuno".
"Patrões dizem que 22 dias de férias é inoportuno".
"Patrões dizem que férias pagas é inoportuno".
"Patrões dizem que atribuição de um 13.º mês é inoportuno".
"Patrões dizem que pagamento de subsídio de refeição é inoportuno".
"Patrões dizem que 3 meses de licença de maternidade é inoportuno".
"Patrões dizem que 120 dias de licença parental é inoportuno".
"Patrões dizem que 150 dias de licença parental partilhada é inoportuno".
E podíamos começar a contagem das inoportunidades, por exemplo, na Revolução Industrial, para não recuar muito no tempo, porque no que toca a terminar "o futuro a Deus pertence", como diz o povo, se é que alguma vez vão terminar. E o que falta ali atrás, que a descrição não é exaustiva.
E o problema nem é os patrões dizerem na câmara corportativ... concertação social o que lhes vai na real gana, o problema é os papagaios que não sendo patrões repetem o que os patrões dizem.
António Costa, e aquele que só é ministro das Finanças por ter perdido a câmara de Lisboa pelo voto popular, invocarem no Parlamento, e em todas as ocasiões com câmara de televisão por perto que lhes pareçam propicias, o acordo alcançado na câmara corporativa concertação social com a UGT para legitimar o Orçamento do Estado, pensam que atiram areia para os olhos do pagode mas acabam a fazer figura de impostores, por terem a perfeita noção de que o acordo não vale absolutamente nada, por a UGT ter zero implantação no terreno, no mundo laboral, como se o invocado acordo livrasse o país da contestação e da onda de greves que aí vem, como se tivesse comprado a paz social na administração pública.
A Concertação Social é a maquilhagem da Câmara Corporativa pelas mãos de um partido, alegadamente socialista, para esvaziar o protesto e a contestação nas empresas. A câmara alta não eleita do Parlamento, e sem enquadramento constitucional. Nos idos do Estado Novo as direcções dos sindicatos eram nomeadas pelo poder político e a Câmara Corporativa funcionava, oleada e nos eixos. Com o advento da democracia e a impossibilidade de se nomearem direcções sindicais inventou-se uma central sindical - UGT, hoje pouco mais que os minúsculos sindicatos dos bancários, sem representatividade absolutamente nenhuma no mundo do trabalho, para assinar por baixo o que os sindicatos dos patrões decidem, e aí está o fascismo de volta, 10 anos depois de 74, data ta criação da Concertação Social.
O fascismo não é o Ventas do Chaga a dizer patetices nas televisões e no Parlamento, com os câmaras de eco eleitos a grunhirem "apoiado" e "muito bem" ou a gesticularem abundantemente para as outras bancadas parlamentares, o fascismo, como conceito, está mais presente nas nossas vidas do que a maioria possa pensar ou sequer admitir.
Na imagem Torres Couto e Cavaco Silva brindam com vinho do Porto ao acordo da Concertação Social. Começou aqui o "sindicalismo responsável", a bem do crescimento económico, da riqueza do país e da qualidade de vida dos trabalhadores, antes de terem inventado os colaboradores. Vejam onde chegámos e onde estamos.
Ouvir o presidente do sindicato dos patrões à saída da audiência com o primeiro-ministro acusar o Governo de alterar a legislação laboral no Parlamento para fugir à responsabilidade na Concertação Social, depois de décadas de sucessivos governos a usarem a Concertação Social para fugirem às responsabilidades na Assembleia da República, como se a Concertação Social fosse uma câmara alta parlamentar e não uma conversão do corporativismo à democracia, como forma de desresponsabilizar os governos perante parlamentos democraticamente eleitos.
No dia 27 de Novembro, 19 dias depois, Siza Vieira, o ministro da Economia do Governo do líder do PS, António Costa, vai à câmara alta não eleita do Parlamento, a Concertação Social, dar aos patrões o referencial de 2, 7% de aumento salarial para o ano de 2020, abaixo do que já está a ser negociado em algumas empresas, e quando para atingir a meta proposta por António Costa ao país a fingir que falava para aos militantes os salários só recuperaram para valores pré-crise com subida de 4%.
Quando nos 80's estive a dar recruta em Santa Margarida [por curiosidade e só por curiosidade nos 80's invocados] usávamos uma técnica para ensinar o lado esquerdo/ direito aos que nas aulas de Ordem Unida perante o grito de "esquerda volver!" ou "direita volver!" seguiam a marchar ou a marcar passo para o lado oposto ao ordenado: era uma pedra na mão em questão até aprenderem o "azimute".
Como todos os Governos anteriores a este, António Costa descartou-se e passou o ónus do aumento do Salário Mínimo Nacional para a Concertação Social, uma espécie de "câmara alta" do Parlamento, não eleita, inventada por Mário Soares nos 80's com o intuito de esvaziar o poder negocial aos sindicatos, ler "CGTP", depois de ter inventado a meias com Sá Carneiro um sindicato, a UGT, para assinar de cruz tudo o que convinha aos patrões. Os patrões que fazem o barulho da praxe só para não se dizer que aceitam calados e assinam a contragosto os aumentos do salário mínimo negociados como grandes vitórias da UGT e sempre em troca de uma retirada qualquer de um direito ou de uma garantia, de uma mexida no Código do Trabalho em prol da rigidez patronal, uma facada qualquer na contratação colectiva, em nome dos amanhãs que cantam no crescimento económico e da riqueza nacional. Desde então tem sido sempre a descer para o lado do trabalho na exacta proporção em que a riqueza aumenta para o lado do capital. Agora, de repente e sem que nada o fizesse prever, os patrões vêm de esmola esticada propor para 2019 um aumento do Salário Mínimo Nacional acima do previsto e do proposto pelo Governo, na garantia da manutenção das "alterações que desejamos produzir ao nível da melhoria dos factores de produção", e só estas aspas são todo um programa. E se o PS, como António Costa disse há bem pouco tempo, "está onde sempre esteve", a coisa vai ser decidida em sede de Concertação Social com mais uma grande vitória negocial da UGT e com os resultados na linha do que têm sido desde que Torres Couto apareceu, a preto-e-branco na televisão do Estado, de cálice de vinho do Porto erguido a brindar com Cavaco Silva.
Isto nem de propósito na semana em que Banksi pintou mais um mural em França [na imagem].
Pode-se perguntar para que existe o Parlamento se só servir para rectificar os acordos conseguidos na Concertação Social. Inventa-se uma central sindical, não importa a sua representatividade nem a sua implantação no mundo do trabalho, só para dar um ar de legitimidade às decisões das centrais patronais e viva o corporativismo de Salazar e que se lixe a democracia.
Era uma questão de forma a assinatura do conteúdo. Assim como é um questão de forma a forma como o CDS de Assunção Cristas faz oposição sem conteúdo, sempre com o momento televisivo no horizonte.
À falta de melhor para se fazer oposição transforma-se a Concertação Social numa espécie de Câmara Alta, não eleita, do Parlamento, com recurso ao argumento "aumentos salariais têm de ser suportados pela economia" mesmo que estafado pela realidade do aumento do emprego e das exportações logo a seguir ao aumento do salário mínimo, que não o podia ser nem por nada, e à recuperação do preço da hora extra para valores de antes de 2011, a reposição dos feriados, factores perturbadores da produtividade, e ainda que, enquanto poder, a Concertação Social não tenha sido outra coisa que não falsificada, com o Governo, guardião dos patrões, a levar o facto consumado a assinar de cruz depois de previamente cozinhado nos bastidores a troco sabe-se lá do quê.
[Passos Coelho à beira do precipício onde se colocou, na imagem]