"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
No dia 27 de Novembro, 19 dias depois, Siza Vieira, o ministro da Economia do Governo do líder do PS, António Costa, vai à câmara alta não eleita do Parlamento, a Concertação Social, dar aos patrões o referencial de 2, 7% de aumento salarial para o ano de 2020, abaixo do que já está a ser negociado em algumas empresas, e quando para atingir a meta proposta por António Costa ao país a fingir que falava para aos militantes os salários só recuperaram para valores pré-crise com subida de 4%.
Quando nos 80's estive a dar recruta em Santa Margarida [por curiosidade e só por curiosidade nos 80's invocados] usávamos uma técnica para ensinar o lado esquerdo/ direito aos que nas aulas de Ordem Unida perante o grito de "esquerda volver!" ou "direita volver!" seguiam a marchar ou a marcar passo para o lado oposto ao ordenado: era uma pedra na mão em questão até aprenderem o "azimute".
Como todos os Governos anteriores a este, António Costa descartou-se e passou o ónus do aumento do Salário Mínimo Nacional para a Concertação Social, uma espécie de "câmara alta" do Parlamento, não eleita, inventada por Mário Soares nos 80's com o intuito de esvaziar o poder negocial aos sindicatos, ler "CGTP", depois de ter inventado a meias com Sá Carneiro um sindicato, a UGT, para assinar de cruz tudo o que convinha aos patrões. Os patrões que fazem o barulho da praxe só para não se dizer que aceitam calados e assinam a contragosto os aumentos do salário mínimo negociados como grandes vitórias da UGT e sempre em troca de uma retirada qualquer de um direito ou de uma garantia, de uma mexida no Código do Trabalho em prol da rigidez patronal, uma facada qualquer na contratação colectiva, em nome dos amanhãs que cantam no crescimento económico e da riqueza nacional. Desde então tem sido sempre a descer para o lado do trabalho na exacta proporção em que a riqueza aumenta para o lado do capital. Agora, de repente e sem que nada o fizesse prever, os patrões vêm de esmola esticada propor para 2019 um aumento do Salário Mínimo Nacional acima do previsto e do proposto pelo Governo, na garantia da manutenção das "alterações que desejamos produzir ao nível da melhoria dos factores de produção", e só estas aspas são todo um programa. E se o PS, como António Costa disse há bem pouco tempo, "está onde sempre esteve", a coisa vai ser decidida em sede de Concertação Social com mais uma grande vitória negocial da UGT e com os resultados na linha do que têm sido desde que Torres Couto apareceu, a preto-e-branco na televisão do Estado, de cálice de vinho do Porto erguido a brindar com Cavaco Silva.
Isto nem de propósito na semana em que Banksi pintou mais um mural em França [na imagem].
Pode-se perguntar para que existe o Parlamento se só servir para rectificar os acordos conseguidos na Concertação Social. Inventa-se uma central sindical, não importa a sua representatividade nem a sua implantação no mundo do trabalho, só para dar um ar de legitimidade às decisões das centrais patronais e viva o corporativismo de Salazar e que se lixe a democracia.
Era uma questão de forma a assinatura do conteúdo. Assim como é um questão de forma a forma como o CDS de Assunção Cristas faz oposição sem conteúdo, sempre com o momento televisivo no horizonte.
À falta de melhor para se fazer oposição transforma-se a Concertação Social numa espécie de Câmara Alta, não eleita, do Parlamento, com recurso ao argumento "aumentos salariais têm de ser suportados pela economia" mesmo que estafado pela realidade do aumento do emprego e das exportações logo a seguir ao aumento do salário mínimo, que não o podia ser nem por nada, e à recuperação do preço da hora extra para valores de antes de 2011, a reposição dos feriados, factores perturbadores da produtividade, e ainda que, enquanto poder, a Concertação Social não tenha sido outra coisa que não falsificada, com o Governo, guardião dos patrões, a levar o facto consumado a assinar de cruz depois de previamente cozinhado nos bastidores a troco sabe-se lá do quê.
[Passos Coelho à beira do precipício onde se colocou, na imagem]
Líder de um sindicato sem implantação no terreno, o moço de fretes dos patrões, devidamente autorizado pelo Dono Disto Tudo, com a bênção do sorriso trocista do patrão dos patrões - António Saraiva, assina de cruz o que os líderes dos partidos do Governo da direita radical lhe puseram à frente para assinar.
Como se o problema fosse a Concertação Social ela própria e não a UGT, reduzida à inutilidade pela sua insignificância, condenada ao desaparecimento pela ausência do móbil para a qual foi criada: assinar de cruz tudo o que convém às associações patronais.
Um mérito há no entanto que há que dar a Carlos Silva, o de ter percebido isso primeiro que ninguém e daí o seu constante esbracejar e espernear, quase desde o primeiro dia em que ocupou o cargo.
Vamos lá a ver se nos entendemos: se a ideia de colar os feriados ao fim-de-semana é para ser discutida na "câmara alta" do Parlamento – a Concertação Social, significa que o Governo antes de tomar uma decisão quer ter em conta a opinião do sector privado e que a proposta é para para ser levada à mesa dos empresários e accionistas patrões, já que os trabalhadores colaboradores nunca são tidos nem achados na dita concertação, onde a UGT funciona como um apêndice do patronato e serve apenas para dar um selo de credibilidade às decisões. Portanto não faz o mínimo sentido levar uma proposta deste teor à mesa dos empresários e accionistas patrões do sector onde os trabalhadores colaboradores não recebem no início de cada ano um calendário com a distribuição dos feriados e respectivas possibilidades de "ponte", que não concedem "pontes" a ninguém nem que haja um novo milagre do Sol em Fátima, onde todas as "pontes" são negociadas com meses de antecedência, quando não mesmo na altura da marcação das férias e onde o dia de férias é usado, gasto para o efeito. Não se percebe o que é que o Governo pretende com esta proposta da treta... Parece mais do mesmo, truques de ilusionismo usados em quatro anos de Governo da direita radical.
Por via da inusitada "geringonça" de esquerda no Parlamento, a UGT reduzida àquilo que sempre foi – nada e sem implantação no terreno do trabalho, com excepção de alguns sindicatos de bancários e seguros; esvaziada da função para a qual foi criada – dizer que sim às confederações patronais e assinar de cruz tudo o que lhe ponham na frente, luta desesperadamente pela sobrevivência e tenta fazer da Concertação Social uma espécie de Câmara Alta do Parlamento, bóia de salvação do sindicalismo fantoche. Desesperados. Responsavelmente desesperados. Desesperados com "sentido de Estado".