"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Liguei para o 1696 – TMN apoio ao cliente – e fiquei 22 minutos e 32 segundos em linha de espera a ouvir uma música manhosa que não lembra nem ao Tony Carreira, entremeada a cada minuto por uma voz feminina que me oferecia 5 euros em chamadas se optasse pela factura electrónica, via e-mail, em detrimento da factura em papel, via CTT.
“Ajude-nos a preservar o ambiente; muito obrigado, e até já!”, mais ou menos, era esta a lengalenga.
É preciso ser cínico! “Ajude-nos a poupar nos custos”; era muito mais honesto, era a verdade, e até me esquecia da quase meia hora que estive à espera.
Teresa de Sousa a propósito da visita de Sócrates à Rússia, escreve hoje no Público:
“Sócrates, a quem a questão dos valores tinha sido colocada, foi contemporizador. Aproveitou para passar a mensagem de que as relações com a Rússia são uma coisa “muito séria”, tão séria que não pode ser “contaminada” apenas por alguns aspectos.”
Independentemente desta novidade na política externa portuguesa que é a de haverem estados e países com quem temos relações “muito sérias” (quais são aqueles com quem temos relações menos sérias, ou nada sérias?), importa ter em atenção o “contaminada” por alguns aspectos, a que Sócrates se referiu:
. Sob a capa da “Guerra ao Terrorismo” intervenção na Tchetchenia com absoluto desrespeito pelos direitos humanos.
. Corte do fornecimento de energia à Ucrânia como arma eleitoral e forma de pressão com o objectivo de colocar o seu antigo aliado na chefia do Governo. Pelas razões inversas na Bielorrúsia – apoio ao governo contra tudo o que seja pró-ocidental.
. Congelamento do Tratado de Limitação de Forças Convencionais na Europa, como forma de pressão sobre os países ex-satélites do Bloco de Leste.
. Embargo às exportações de carne da Polónia para a Rússia.
. Embargo de petróleo à Lituânia, que deixou de receber os fornecimentos para a sua maior refinaria.
. Conflito com a Estónia a propósito da remoção de uma estátua, que tem sofrido ciber ataques maciços e coordenados, o que já obrigou a NATO a socorrê-la com peritos informáticos.
Como se pode facilmente constatar, são apenas alguns aspectos. Pormenores de somenos. A estes pormenores podemos acrescentar o objectivo maior de Putin: dividir a União Europeia, e, provocar fracturas e fricções entre a UE dos Estados Unidos. Estes dois últimos – e maiores – objectivos de Putin são atingidos, ignorando e desprezando os estados “menores” da União – onde se incluem os ex-satélites do Báltico – e negociando estratégica e pontualmente acordos com outros, essencialmente na base da questão energética. Incluem-se neste ponto os acordos com a Alemanha de Schroeder com o gasoduto do Báltico, e o mais recente, com a Itália.
Que Sócrates vá à Rússia negociar parcerias e acordos importantes para Portugal não é censurável. Censurável é fazer vista grossa a esta estratégia de “teia de aranha” de Putin.
Ao contrário de Durão Barroso que na última cimeira de Samara não teve pejo em afirmar que os problemas da Polónia, Lituânia e Estónia, são problemas da União.