"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando Diogo da Silveira, presidente da Celpa e CEO da Navigator, sai do silêncio [sic] para vir proclamar que "a ideologia tem contaminado o debate sobre a floresta" não se está a referir à ideologia que, sem qualquer debate, disse às pessoas que o eucalipto era o "petróleo verde" e que era possível enriquecer rapidamente e com um mínimo de trabalho desde que as espécies nativas fossem substituídas por esse maná nascido do chão por cima de toda a folha, caduca ou permanente, e sem qualquer preocupação ambiental, climática, ou sustentabilidade ecológica, e com a cumplicidade do poder político-autárquico nas alterações e atropelos ás Reservas Agrícola e Ecológica Nacional, ou está?
Post-scriptum: Todos nos recordamos dos académicos e dos estudos científicos que não só nos garantiam que o tabaco não matava como alguns até afiançavam que era bom para a saúde.
O problema do eucalipto é o minifúndio, principalmente, e por razões históricas, aprendia-se dantes na escola, a norte do rio Mondego. E depois meteram na cabeça das pessoas que podiam ficar ricas à conta do "petróleo verde", era só plantar, esperar que crescesse, chamar o lenhador e meter o dinheiro ao bolso. E agora temos um problema. Um problema de florestas cerradas em guarda de honra a estradas nacionais e municipais. Tão cerradas que nem os comandos lá conseguem entrar. Tão cerradas que eram bem capazes de servir como cenário a uma remake de Apocalipse Now. Portanto, e mais uma vez e outra vez e as vezes que forem necessárias, Pedro Passos Coelho é desonesto, não é defeito é feitio, quando diz que a floresta de eucalipto é a que arde menos e aquela onde o fogo se apaga com maior facilidade, a menos que ideia seja entregar todo o território nacional às celuloses, processo interrompido com a saída de Assunção Cristas do ministério da Agricultura e de Pires de Lima do ministério da Economia.
Entre o diabolizar o FMI, o Diabo que vem e o demónio no eucalipto, lá vai ele cantando e rindo.
[Na imagem um troço da EM 621 entre Vale de Cambra e o alto da Serra da Freita]
Porque é que andamos há décadas a massificar a floresta de eucalipto - o "ouro verde" como alguém um dia teve o desplante de a baptizar, destruindo a Reserva Ecológica Nacional, reduzindo a Reserva Agrícola Nacional - património natural e ambiental comum, fomentando a desertificação e os desequilíbrios ecológicos em nome do crescimento económico e da criação de riqueza? Para quem e para quantos?
Porque é que andamos há décadas a apostar e promover a indústria das celuloses - que se alimenta da massificação do eucalipto, em nome da criação de emprego - quantos, alguém já se dedicou a esta contabilidade? Em nome da criação de riqueza - Para quem e para quantos, alguém já efectuou este balanço? Em nome do crescimento económico - compensa ao Estado o investimento do dinheiro dos impostos dos contribuintes na indústria dos incêndios para garantir recheadas as contas bancárias dos accionistas e patrões das celuloses e dos industriais do eucalipto? Compensa em vidas humanas perdidas e famílias destruídas?
A liberalização do eucalipto levada a cabo pelo CDS, pelas mãos de Assunção Cristas em parceira com Pires de Lima, não foi suficiente [7 posts para recapitular, aqui]. Nunca seria suficiente porque a voragem depredadora dos recursos naturais comuns não tem limites. E limites tem o território nacional, que já não é do Minho a Timor. Limites tem o território nacional mesmo valendo tudo, por cima de toda a folha, persistente ou caduca. Mas é mais forte do que ele e lá teve de mandar umas bocas para se armar ao pingarelho. Não foi para Moçambique porque nos territórios ultramarinos encontra a dimensão territorial que lhe falta na Metrópole. Não. Não foi para Moçambique porque, malgrado a desvalorização do factor trabalho levada a cabo pelo Governo que não tem um modelo de baixos salários para o país, nos territórios ultramarinos a mão-de-obre continua a ser muito mais barata e por consequência a mais-valia muito maior. Não foi para Moçambique porque, malgrado a revisão do Código do Trabalho, levada a cabo pelo Governo PSD/ CDS com o aval da UGT, as leis laborais nos territórios ultramarinos são praticamente inexistentes assim como inexistente é o movimento sindical. Não foi para Moçambique porque "existe uma grande apetência por celulose na Índia e noutros mercados asiáticos", mesmo ali ao lado, diminuindo com isto os custos com os transportes. Não. Foi para Moçambique porque foi empurrado para fora de Portugal pelas preocupações ambientalistas e de ordenamento do território. Deixou de investir em Portugal se bem que nunca ninguém tenha feito o deve e o haver das promessas de investimento, do investimento efectivamente concretizado, dos postos de trabalho, directos ou indirectos, criados, comparativamente com as mais-valias arrecadadas, isenções fiscais incluídas.
Palavras para quê? É um industrial português e só usa parlapiet manhoso.
Assunção Cristas liberalizou o eucalipto, por cima de toda a folha, caduca e persistente. Pires de Lima trouxe a mais-valia para as celuloses, que da criação de emprego ninguém deu por ele. O país está a arder, mais do que é costume. Diz que é da seca extrema. Obrigado CDS.
De uma coisa ninguém pode acusar o CDS, que é a de não ter um modelo de "desenvolvimento" económico para o país. Ou quando Pires 'soldado disciplinado' de Lima, pelo S. Martinho de 2013, anunciou no Parlamento investimentos na ordem dos 150 milhões de euros, 120 milhões pela Portucel e 26 milhões pela AMS Goma Camps, pensavam que os castanheiros iam ficar en su sitio, a dar castanhas para acompanhar a água-pé, e que os eucaliptos vinham por mar, importados em porões de navios, ou que, pelo contrário, se iria liberalizar a plantação do eucalipto e assistir à eucaliptização do país, do Minho ao Algarve?
O ambiente, a biodiversidade e o ordenamento do território têm de ficar para depois que a prioridade é fomentar a desertificação do terrirtório e desertificação humana e aumentar a mais-valia aos accionistas é tirar o país da crise e criar emprego. Os incêndios ficam por conta do Orçamento do Estado que por sua vez fica por conta do bolso do contribuinte.
Adenda: Há dados relativos ao emprego criado pelo investimento de 150 milhões de euros por parte das empresas de celulose? Há dados sobre qual a percentagem da riqueza criada por esse investimento de 150 milhões de euros que foi aplicada novamente na economia e sobre qual a percentagem que foi distribuída pelos accionistas?
As chamas vão continuar a consumir hectares de floresta; o combate às chamas vai continuar a sair do bolso dos contribuintes, para gáudio dis combatentes privados e luto dos combatentes públicos; o combate à desertificação do território, num futuro próximo, também vai sair do bolso do suspeito do costume – o contribuinte; as vidas humanas e a miséria do dia seguinte ficam a cargo dos mesmos de sempre – os que já pagam o combate às chamas e vão pagar a guerra contra a desertificação do território; a biodiversidade fica por conta dos contribuintes das gerações futuras [onde é que eu já ouvi isto?]; as televisões vão ganhar shares de audiência, assim que mudarmos para a hora de Verão, com directos do local do crime e bate-papos da treta com especialistas da tanga; o lucro, esse, já se sabe para quem fica, porque o crime compensa e está consagrado em papel de Lei e tudo. É toda uma indústria à roda do património natural, comum a milhões para benefício de algumas dezenas.