"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A metade esquerda do móvel é ocupada por fotos com pessoas várias ao lado do vulto Cavaco Silva, Aníbal. Desde Gungunhana ao Padre Américo, passando pelo Juan Manuel Fangio ou Nuno Álvares Pereira. A metade direita são as quintas-feiras e outros dias, e as facturas da água, da luz, mais os recibos da reforma da mulher. Na secretária uma placa antecedida pelo grau académico ainda assim não vá alguém enganar-se no trato.
Esta nulidade, Cavácuo, foi dez anos primeiro-ministro e mais dez Presidente da República e, não explicando tudo, ajuda a perceber.
Um gajo que teve mais-valias em acções não cotadas em bolsa, se esquece do sítio onde guardou a escritura da casa e que, enquanto governante, criou um inner circle que vai desde banqueiros corruptos a suspeitos de assassinato, junta-se em abaixo assinado contra aulas de Educação para a Cidadania a um gajo que fundou empresa única e especificamente para sacar dinheiro dos fundos comunistários, não se lembra do ordenado que recebia nem que era obrigatório descontar para a segurança social. Pelo meio recebem a assinatura solidária de um gajo que não declara ao fisco o dinheiro entrado em caixa [esmolas e donativos] nem paga IMI dos prédios de que é proprietário. Estas coisas não se inventam.
O professor Cavaco, triste, muito triste com o resultado eleitoral do PSD, avançou o nome da doutora Maria Luís Albuquerque para mobilizar os militantes e unir o partido. O doutor Montenegro respeita as palavras do professor Cavaco e assina por baixo, a doutora Maria é bem vinda. Ainda não é líder do partido e já tem um Centeno para cortar pensões e reformas, perdão, gordura do Estado.
Depois do sucesso que foi uma ex-ministra do Governo da Troika dutante quatro anos à frente do CDS, Cavaco Silva, que aguentou um executivo de iniciativa presidencial depois da demissão irrevogável de Paulo Portas e da desistência de Vítor Gaspar quando chocou de frente com a realidade, sem a ter a mínima noção da total indiferença com que é olhado dentro do partido que já foi seu e que só por simpatia ainda é escutado com um sorriso nos lábios e com um encolher de ombros assim que vira costas, vem apontar outra ex-ministra de Passos Coelho como factor de união e de mobilização do estilhaçado PSD. Melhor combustível não poderia haver para uma Geringonça 2.0.
Cavaco diz que nunca teve amizade com Ricardo Salgado. Nem com Duarte Lima. Nem com Oliveira Costa. Nem com Dias Loureiro. Nem com Álvaro Amaro. Nem com Miguel Macedo. Nem com Fernando Fantasia. Nem com Teófilo Carapeto Dias. Nem com Arlindo de Carvalho. Nem com _________________________ [preencher em caso de necessidade].
O sujeito que recebe duas pensões de reforma e que, enquanto Presidente da República, optou pela remuneração mais elevada desconsiderando o cargo que ocupava e a instituição Presidência da República para a qual foi eleito em eleições livres e democráticas, aparece a falar em sustentabilidade do sistema de pensões e em aumento da idade da reforma.
"O ex-Presidente da República Cavaco Silva classificou hoje a prática de nomeações partidárias para cargos dirigentes da administração pública, conhecida como jobs for the boys, como “indecorosa”."
Em 1989, ano do licenciamento, era Cavaco Silva primeiro-ministro, em 1994, ano do alerta dado pelo Parlamento, era também primeiro-ministro Cavaco Silva, logo foi "o Estado", se fosse um Governo PS, um primeiro-ministro do PS, era "o Governo" ou, melhor ainda, "o Governo socialista", assim é o Estado, aquela entidade etérea e abstracta que, para o caso, assenta que nem uma luva no Governo em funções, já com um "cadastro de culpabilidade" que vem desde os incêndios de Pedrógão aos de Monchique, passando pelos paióis de Tancos e outras ocorrências que até 2109, ano eleitoral, se vão descobrir.
Quando Cavaco um dia escrever "Quintas-feiras e outros dias em que não sou afectado pelo alzheirmer político selectivo" vai explicar como é que dos bancos ás pedreiras passando pelos fundos comunitários, desinvestimento na ferrovia, desmantelamento da agricultura e pescas, neste país nada escapou ao longo braço do "agente laranja".
A notícia do dia foi a aparição do pantomineiro do pin, sem pin, a dizer que também vai escrever um livro de memórias. Se calhar de seu nome "Sexta-feira" [e o resto da semana], em homenagem ao personagem criado por Daniel Defoe, sozinho numa ilha, contra o socialismo e o comunismo e o peso do Estado na economia.