"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Não sei se é a sério se é só mais uma “boca”. Mas eu costumo levar estas coisas muuuuuito a sério. E a Esquerda também devia começar a levar estas coisas muuuuuito a sério. Enquanto for Paulo Portas e a sua esperteza-saloia e mais o "seu" rendimento mínimo… Enquanto for Pinto Coelho e a sua pouca inteligência e mais os "seus" imigrantes… O pior é que de hoje para amanhã aparece-nos por aí um qualquer Haider e depois ficamos todos pelos fóruns a filosofar “como é que isto foi possível?”. Quando afinal fomos nós a fazer a merda.
“(…) há também o fenómeno construção civil. É necessário construir, nem que seja nos arrabaldes, nem que sejam bairros sociais. A tal promiscuidade financiamentos das campanhas eleitorais e dos partidos/ empresas. O fenómeno é interessante. A Câmara perde dinheiro com os terrenos e a construção de baixa qualidade na “habitação social”, e deixa de ganhar nas zonas nobres, com o bodo “aos pobres” no “património disponível”
“(…) o essencial: o enriquecimento ilegítimo de muita gente à custa das negociatas de terrenos na Câmara. Vai-se esquecendo as muitas luvas que muita gente graúda ali recebeu para dar edificabilidade a terrenos que não a tinham (…)”
Era por coisas destas que nós nos dávamos bem e, nos tempos de escola, fomos criando "cumplicidades".
(Na imagem Uma Casa nos Arredores de Lisboa, in Casas Poruguesas de Raul Lino)
Não tem conhecimentos no “círculo”; não sabe da existência do “património disponível”. E bem vistas as coisas, até é bom que não saiba para não lhe ver aumentada a angústia.
Na Quadratura do Circulo, qualquer que fosse o tema em cima da mesa, qualquer que fosse o visado, desde o simples varredor das ruas ao Papa, era sabido que Jorge Coelho-comentador começava a sua intervenção com “é uma pessoa que eu conheço e que tenho em grande estima e simpatia e que aproveito para daqui lhe mandar um abraço”. Com o affair “património disponível”, na imprensa e nos blogues, aqueles que condenam e criticam começam sempre com o “enfeite Jorge Coelho”: “conheço Baptista Bastos e Ana Sara Brito (…)”, como que a dizer “sou teu amigo, mas desta vez foste longe demais”. É o factor amiguismo e cumplicidade necessário ao processo criativo do artista.
Agora exigem que António Costa publique a lista com os beneficiários do “património disponível”. Só se for para se poder dizer “está aqui, preto no branco!”, porque para se saber quem é quem, basta fazer uma ronda aqui pela coluna da direita na secção blogues e ler o que foi escrito e, principalmente, o que não foi.
Mas atenção que a partir de hoje a legião dos críticos vai aumentar substancialmente. É que Fernanda Câncioescreveu sobre o “affair”. E condenou. Agora já podem falar. Agora já têm opinião.
Agora que se aproxima o centenário da implantação da República, é moralizador saber que já somosdois a brandir espadas contra o novo sangue azul.
Puta sabida, algo me diz que o contra-ataque deve estar a ser delineado. É que não é uma qualquer nobreza pé-descalço; é a nobreza de Lisboa (se bem que alguns sejam “importados”). É que tal qual há cem anos, Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.
«E toda a gente sabe como morar em Lisboa é essencial para se ter acesso à rede de amiguismo e cumplicidades, perdão, é essencial ao processo criativo»
Declaração de interesses: fui estudante de jornalismo, fui 10 anos roadie de bandas e artistas vários (entre os quais Vitorino), trabalhei 7 anos em Lisboa.
Vamos lá a ver se eu percebi, ou se houve aqui uma falha de comunicação:
Há a “habitação social” – lá para os arrabaldes da cidade; antes do sol nascente – e há o “património disponível” – uns quaisquer quatro mil fogos espalhados pela cidade. Por um qualquer princípio que desconheço ou que me escapa, há esta distinção.
Quatro mil fogos, contas por baixo, dá pelo menos habitação para quatro mil pessoas. Quantas pessoas é que foram escondidas em cada um desses guetos antes do sol nascente?
E há também o fenómeno construção civil. É necessário construir, nem que seja nos arrabaldes, nem que sejam bairros sociais. A tal promiscuidade financiamentos das campanhas eleitorais e dos partidos/ empresas. O fenómeno é interessante. A Câmara perde dinheiro com os terrenos e a construção de baixa qualidade na “habitação social”, e deixa de ganhar nas zonas nobres, com o bodo “aos pobres” no “património disponível”.
Como já não há condes nem marquesas, o espaço social foi ocupado pela nova nobreza arts & press, e, por esse princípio que desconheço ou que me escapa de atribuição de “património disponível”, estipulou-se que, por exemplo, a Rua do Salitre era o local indicado para morar uma vereadora, ou que a Rua Ferreira Borges é perfeita para um artista. Onde é que já se viu um preto das obras ou um cigano das feiras habitar um prédio em downtown? Dito de outra forma, o bairro do Padre Cruz ou o da Boavista ou Chelas são lá sítios para um homem da política das artes e da cultura?
Tomemos o exemplo de Vitorino. Compreende-se o critério. É do Alentejo, e como todos os dias úteis dá espectáculos em Lisboa, e no pouco tempo de sobra grava discos também na capital, para se evitar o vaivém diário, recebe uma habitação. Mora em Lisboa com renda controlada e tem casa de férias na terra natal. O outro tem em Constância. E toda a gente sabe como morar em Lisboa é essencial para se ter acesso à rede de amiguismo e cumplicidades, perdão, é essencial ao processo criativo.
Cada um tem a casa que merece. E alguns merecem morar antes do sol nascer.
«(…) eu tinha três filhos e não tinha meios. Escrevi à presidência a pedir uma casa.»O que eu acho de mais surpreendente nisto tudo é o argumento invocado: «eu tinha três filhos». E a Câmara atende em função do desempenho sexual do senhor. «Não tinha meios», mas comprou casa em Constância… Outro, com um filho, estava em processo de divórcio. Também levou casa. Casou outra vez e a casa passou para o filho porque o senhor não tem dinheiro para lhe comprar uma casa nova (!!!). E eu a falar sozinho: “E o meu pai tinha? E eu tenho para os meus filhos?” Novamente o argumento do desempenho sexual: “Se amanhã tiver de me separar outra vez, para onde vou?”
Comecei a escrever isto e ria-me a bandeiras despregadas. Agora, desculpem lá, mas vou até ali chorar! Isto é triste, mas mesmo muito triste…
(Como é que era mesmo o poema que o outro escreveu, qualquer coisa anti-Dantas? Se isto tudo acontece em Portugal, eu quero ser espanhol!)
Post-Scriptum: Hoje voto nos Atlânticos. Ide lá ler o Raposo e o Mascarenhas.