"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Entraram em modo Chega Calimero, o irmão gémeo, ah e tal "Continuam a vandalizar o cartaz da Iniciativa Liberal na Alameda, em Lisboa.", somos uns perseguidos pelo incómodo que causamos, quando o que aqui está é uma intervenção cidadã anónima didáctica a desmontar o pensamento ilusionista liberal do "viver acima das possibilidades", que tão prontamente aplaudiram quando o Dijsselbloem numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung afirmou "Como social-democrata, atribuo uma importância extraordinária à solidariedade. Mas também deve haver obrigações: não se pode gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedir ajuda". Um cartaz melhorado, é o que é.
Com cartaz, foleiro e de mau gosto, que já circula nas manifs desde Março e que na mais mediática e escrutinada de todas desceu a Avenida no 25 de Abril sem ter levantado ondulação quanto mais ondas, a questão é outra: Bush filho e Obama, com um intervalo de 5 anos, foram caricaturados como macacos [é googlar que ainda se encontram por aí], com um o pessoal riu-se bué, com outro foi considerado racismo. António Costa tirou a carta da manga e atingiu o objectivo pretendido, conseguiu isolar o STOP, o sindicato mais mediático e mais inorgânico, menos confiável aos olhos do poder, o que tem feito mais barulho e mais estrago. Podia ter ido pela stora que aos 53 anos acha que os profs atingiram a idade da reforma, fartos de trabalhar, tadinhos, não como os motoristas, empregados de mesa, pedreiros, bancários, médicos, ou outros, de vida descansada e costas direitas, que podem muito bem trabalhar até aos 66 anos, 6 meses e 23 dias. Mas as coisas são o que são.
Depois da derrota nas legislativas que deram maioria absoluta ao PS e no dia em que o PSD soube que tinha perdido para o PS um deputado, dos dois em disputa pelo círculo da Europa, após a impugnação das eleições pelo partido de Rui Rio, os jotas laranjas inauguram um cartaz alusivo à sucessão de António Costa. Preocupações ou, como dizem os 'amaricanos', "karma's a bitch".
Quando preto, que trabalha sempre no lixo, aparece no cartaz da candidatura presidencial de Marisa Matias, ganha visibilidade dentro da farda por acaso, por descuido ou de propósito?
No dia em que "o comunismo foi dominado e o 25 de Abril finalmente cumprido", segundo a narrativa da direita radical, por tropas que previamente juraram fidelidade à cadeia de comando e ao Presidente da República, general Costa Gomes, suspeito de simpatias pelo PCP. E no dia em que a direita radical conseguir explicar isto sem rococós e realidades alternativas vai ser um grande dia.
Depois de uma aliança com o Chaga para a governação nos Açores, o cartaz da juventude do Chagada JSD para assinalar o 25 de Novembro. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
"Comunismo nunca mais!" uma frase que não posso gritar. Lamento. Nunca vivi sob um regime comunista, não sei o que isso é. Do marcelismo fascista lembro-me, era puto mas lembro-me. Lembro-me de familiares presos e torturados por reivindicarem coisas tão banais como a liberdade de expressão e de associação, lembro-me dos meus pais a ouvirem rádios estrangeiras à socapa, com o som muito baixinho dentro da própria casa. Lembro-me dos homens de plantão 24 sobre 24 horas na porta da rua, semanas seguidas, só porque o pai acompanhou o Vitória de Setúbal na Taça UEFA com o Spartak de Moscovo, "lá está ele", dizia a mãe depois de espreitar por detrás do cortinado. Tinha estado com os russos era comunista merecedor de vigilância, a lógica da PIDE. Lembro-me das cargas da GNR a cavalo no 1.º de Maio na "Ladeira das Fontainhas", a rua das conserveiras em Setúbal. Lembro-me dos tiros disparados contra as varinas vestidas de preto e de tamancos, em dias de greve pelo aumento de 2 tostões, "hoje não vais brincar para a rua", dizia a mãe. Lembro-me da fome e da miséria no Bairro Santos Nicolau do ir ao mar antes da moda do peixe assado no carvão ao preço dos olhos da cara, e lembro-me de ser o único a usar sapatos na turma de filhos de pescadores e de varinas das fábricas, na "escola do Sousa" ao lado do agora Rei do Choco Frito, à época uma taberna de chão de areia, calcetada a caricas de gasosa AUA para traçar tintos goelas abaixo, nas bocas de cigarros Três Vintes, Quentuques [de Kentucky] e Definitivos. Descalço o ano todo quando o Inverno ainda não tinha morrido às mãos das alterações climáticas. Os mais afortunados usavam chinelos de enfiar no dedo, se fosse hoje era bué chic, usavam Havaianas. Lembro-me dos funerais no cemitério da Nossa Senhora da Piedade dos soldados mortos na Guerra Colonial, com as salvas de G3 pelo pelotão formado no meio da rua, trânsito cortado, e as varinas que andavam sempre de luto, o luto eterno porque morria sempre algum familiar e o luto nunca acabava, a chorarem atrás do caixão que ninguém abria. Lembro-me das bolas de futebol caídas no quintal da PIDE, frente onde é hoje a sede do PSD ao Bairro Salgado, do tempo de jogar à bola na rua, tocarmos à campainha "olhe, se faz favor, a bola caiu no quintal" e do PIDE regressar de sorriso de orelha a orelha com a bola rasgada à navalhada na mão "toma lá". O tempo dos filhos da puta. Lembro-me do dia das matrículas, e das carradas de folhas que era preciso entregar, a mãe preencher as minhas e ainda mais algumas de colegas meus que depois eram assinadas "com o dedo" pelas respectivas mães. Lembro-me dos meus amigos que, terminada a 4.ª Classe, foram para o mar com o pai ou ser servente numa qualquer profissão, que sempre era melhor futuro que andar ao sabor das marés. Lembro-me dos rapazes para um lado e raparigas para outro na escola, e lembro-me do padre de Moral e Religião, avesso a Jaroslav Hasek, que distribuía carolada pela turma como se não houvesse amanhã, e que andou depois a distribuir propaganda do CDS. E não me esquecendo disto mas não conseguindo lembrar-me de outras memórias mais dolorosas, por mais que me esforce, é um mecanismo de defesa do cérebro, dizem, reparo que de cada vez que os suadosistas querem desvalorizar a importância do 25 de Abril aparece sempre uma palhaçada qualquer a evocar o 25 de Novembro. Portanto, 25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais!
Antes do 25 de Abril de 1974 o Benfica jogava de encarnado porque vermelhos eram os comunistas. O cartaz da jota do CDS enferma do mesmo principio bafiento-salazarento, o 25 de Abril da Juventude Popular é cor de burro quando foge.
"Quem não tem nada para fazer faz colheres", vox pop. E quem não tem nada com que se preocupar dá largas ao seu espírito tolerante e cultura democrática e faz petições para limitar a liberdade de expressão de cada um no Estado laico, ao mesmo tempo que, na informalidade do Twitter e do Facebook, vai lamentando o fim das fogueiras da Inquisição e da separação entre o Estado e a Igreja sob a forma de um "eles haviam de fazer isso era no Irão ou na Arábia Saudita". Allahu Akbar.