"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ver o senhor Silva da UGT, que assinou de cruz concertações sociais, sempre em prol da rigidez patronal, a mando do senhor Saraiva da CIP com o beneplácito e o amém da direita radical PSD/ CDS, invocar a "esquerda" e um "Governo de esquerda" e "um Governo PS" para surfar a onda reivindicativa dos professores.
O senhor Silva da UGT acha que o Estado deve dar incentivos às empresas, tipo uma taxa zero de IRC, como incentivo ao investimento e consequente criação de emprego de modo a fixar pessoas no interior. Os incentivos, que não implicavam perda de receita fiscal, e que foram precisamente retirados pelo Estado: escolas, postos de saúde, hospitais, tribunais, repartições públicas encerradas, que por sua vez levaram ao encerramento de bancos, estações dos correios, companhias de seguros, agentes notariais, o que faze com que só os velhos, que resistiram à atracção pelo litoral ou pela emigração, fiquem para morrer ao lado das árvores queimadas.
Ver o senhor Silva da UGT à frente de uma embaixada sindical, em bicos dos pés na porta da Autoeuropa um dia depois de conseguido o pré-acordo entre a administração e a Comissão de Trabalhadores, afirmar que tal se deveu por ter mexido uns cordelinhos através do congénere na Alemanha e não-sei-quem em Bruxelas, que propiciou o desbloquear do impasse em Portugal, já que o acordo alcançado em Wolfsburg "espoletou e facilitou, por réplica natural", o acordo dentro de portas e, pasme-se, "a possibilidade de acordo para todas as outras unidades na Europa", sem contudo esclarecer, nem nenhum jornalista de serviço se ter le,mbrado de lhe perguntar, se o IGMetal assinou pressionado pelo "sentido de Estado" e pela "responsabilidade" da central portuguesa, se a Comissão de Trabalhadores portuguesa assinou pressionada pelo sindicato alemão, se a administração em Palmela assinou com medo de mais greves convocadas pelo IGMetal na Alemanha.
As jornadas parlamentares do CDS, em Setúbal, com Assunção Cristas, a falar mal dos sindicatos, António Saraiva, da CIP, a falar mal dos sindicatos, o moço de fretes da CIP, perdão, o secretário-geral da UGT, a falar mal dos sindicatos. "Há sabujos de raça nos sindicatosagitadores profissionais na Autoeuropa". Muito bom!
A UGT, que assina de cruz códigos do trabalho a flexibilizar o despedimento e a diminuir o valor da compensação financeira pelo mesmo, é a UGT que está agora muito preocupada com a possibilidade "criminosa" da Altice poder despedir três mil trabalhadores, curiosamente só depois da CGTP ter saído para a rua pela mesma razão.
Crescido e educado em 39 anos de ilusão numa agremiação inventada para esvaziar as reivindicações sindicais e para legitimar as decisões dos sindicatos patronais, numa também inventada espécie de "câmara alta" do Parlamento que decide sempre em favor da rigidez patronal, em nome de um futuro risonho e dos amanhãs que cantam no crescimento da económica que vai gerar riqueza a rodos para distribuir por todos, uma cenoura na ponta de um pau, desde que há memória, "isto está muito mau", o menino da lágrima chocou de frente com a realidade e com o peso e relevância que não tem e que não se adquire só pelo facto de se sentar à mesa do senhor, dizer que sim e assinar de cruz.
Líder de um sindicato sem implantação no terreno, o moço de fretes dos patrões, devidamente autorizado pelo Dono Disto Tudo, com a bênção do sorriso trocista do patrão dos patrões - António Saraiva, assina de cruz o que os líderes dos partidos do Governo da direita radical lhe puseram à frente para assinar.
Como se o problema fosse a Concertação Social ela própria e não a UGT, reduzida à inutilidade pela sua insignificância, condenada ao desaparecimento pela ausência do móbil para a qual foi criada: assinar de cruz tudo o que convém às associações patronais.
Um mérito há no entanto que há que dar a Carlos Silva, o de ter percebido isso primeiro que ninguém e daí o seu constante esbracejar e espernear, quase desde o primeiro dia em que ocupou o cargo.
Na capital do Cavaquistão, se calhar em homenagem aos idos em que a UGT de Torres Couto erguia um cálice de Porto para celebrar com Cavaco Silva mais cortes em direitos em regalias, Carlos Silva reescreve a história dos últimos 5 anos com um delete ao consulado de João Proença. "Impostas" é o termo. A UGT nunca existiu.
Por via da inusitada "geringonça" de esquerda no Parlamento, a UGT reduzida àquilo que sempre foi – nada e sem implantação no terreno do trabalho, com excepção de alguns sindicatos de bancários e seguros; esvaziada da função para a qual foi criada – dizer que sim às confederações patronais e assinar de cruz tudo o que lhe ponham na frente, luta desesperadamente pela sobrevivência e tenta fazer da Concertação Social uma espécie de Câmara Alta do Parlamento, bóia de salvação do sindicalismo fantoche. Desesperados. Responsavelmente desesperados. Desesperados com "sentido de Estado".
O problema de Carlos Silva é exactamente o mesmo problema de Paulo Portas: ninguém precisa dele nem da agremiação que capitaneia para nada, então esbraceja e faz barulho e, quanto mais esbracejar e barulho fizer melhor, pensa ele.
Canetas e esferográficas há muitas [como se viu na tomada de posse do XXI Governo constitucional.
[Imagem de autor desconhecido]
Adenda: Não é por acaso que os ministros do CDS passaram estes últimos 4 anos a elogiar o "sentido de responsabilidade" da UGT e dos seus dirigentes.
Não sendo do conhecimento geral qual a quota de cedências que coube aos patrões, ou até se as houve, e que as do Governo ficaram em águas de bacalhau apesar da ameaça de entornar a água ao bacalhau por parte do homenzinho responsável que sucedeu ao homenzinho responsável e que antecedeu o homenzinho responsável.
Posto isto, e como continua alegremente na sua yellow brick road em direcção a Emerald City sem se desviar uma vírgula do caminho, conclui-se que ou é tolinho ou cada um é para o que nasce e há quem nasça para ser marioneta ou boneco de ventríloquo.
«Tenho alguma estranheza como é que o povo português levou pancada durante quatro anos e está disposto a manter a confiança num governo que cortou salários, pensões, reduziu a concertação social a um diálogo de surdos, bloqueou a negociação colectiva, mesmo que se diga que foi por imposição do FMI».