"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O Correio da Manha faz primeira página com uma alegada sondagem que dá 46,2% a Carlos Moedas contra 27,1% de Alexandra Leitão numa corrida à câmara de Lisboa, e na autarquia do Porto 29% a Manuel Pizarro, numa disputa com Pedro Duarte, que se fica pelos 26%. Lá dentro, Carlos Rodrigues, "director-geral editorial" e alegado jornalista, explica a alegada sondagem - o universo nacional a opinar sobre uma determinada câmara municipal onde só votam os residentes, tipo uma sondagem europeia sobre quem deveria ser o próximo inquilino na Casa Branca em Washington.
A primeira função já foi cumprida - os que lêem as gordas ao balcão do café, a segunda, que é a replicação em todos os telejornais desta "sondagem fidedigna", está em curso. Percebem agora porque é que Correio da Manha não leva til?
Cuba, Venezuela, heróis cool, Che Guevara, blah-blah-blah, os valores liberais na pessoa de um rei do séc. XIX transpostos e assumidos por pessoas no séc. XXI, directamente sem "evolução das espécies".
O excelentíssimo presidente da câmara municipal da antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto é genuinamente pateta ou é só mais uma vítima da silly season e do sol a mais na moleirinha?
- a da eleição dos juízes dos tribunais pelo voto popular depois de animada campanha patrocinada pelos caciques e barões diversos dos partidos?
- a da instituição de um tribunal a jeito por cada futura região administrativa a criar, caso o povo se decida por votar "Sim" em novo referendo à regionalização?
Resumo da entrevista de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, à SIC Notícias:
- O Porto vai sair da Associação Nacional de Municípios porque a Associação Nacional de Municípios, por unanimidade de votos dos seus membros, tomou posição à que, enquanto presidente da Câmara do Porto, considero contrária aos interesses da cidade, merecedora do estatuto de Estado-nação.
- O Tribunal de Contas, com o devido respeito, age como "força de bloqueio", com o devido respeito, porque, como dizem os 'amaricanos', no seu papel de "checks and balances" consagrado na Constituição da República Portuguesa, toma posições que eu, enquanto caudillo eleito, com o devido respeito, considero contrárias aos interesses da cidade do Porto, merecedora do estatuto de Estado-nação.
E remata com "o Poder político é a expressão do povo em democracia" depois de ter passado toda uma entrevista a criticar as decisões do poder político democrático. Com o devido respeito.
A seguir o PS, e o PS Porto que é uma espécie de PS-nação dentro do PS nacional, vai aparecer com falinhas mansas depois de ter andado anos a chocar o "ovo da serpente".
O dia em que uma parte do eleitorado descobriu que os independentes e impolutos, regeneradores da vida política e da cidadania, não só enfermam dos mesmos vícios do establishment político-partidário, velho de tantos anos quantos os anos da democracia, como também daqueles truques e 'malabarismos' contra os quais os cidadãos se organizaram em formações políticas para concorrem em eleições a cargos de administração e defesa da cousa pública.
Paulo Portas que, na noite do rescaldo das autárquicas 2013, apareceu em bicos dos pés nas televisões a reclamar vitória na Câmara do Porto, vai agora aplaudir o "seu presidente" portuense nas "taxas e taxinhas" que Pires 'Soldado Disciplinado' de Lima, de uma forma 'bastante peculiar' [para não ser deselegante], criticou em António Costa na Câmara de Lisboa?
«O alvo dessas alegadas tentativas de “condicionar” teria sido Luís Valente de Oliveira, de acordo a descrição à SÁBADO de duas fontes próximas de Rui Moreira. Alguém muito próximo de Cavaco Silva terá tentado convencê-lo a não apoiar o independente Rui Moreira. Mas Valente de Oliveira, que é o presidente da Assembleia Municipal de Porto, não se deixou "afectar", pelo menos tendo em conta o discurso público do novo presidente da Câmara do Porto. O ex-ministro cavaquista (foi 10 anos ministro de Cavaco e integrou o Governo de Durão Barroso) acabou por ser o mandatário da candidatura independente.
Rui Moreira estava convencido que o Presidente da República desejava a vitória de Luís Filipe Menezes, candidato oficial do PSD, por achar um risco para o sistema partidário o sucesso de um independente numa cidade tão importante. Não terá sido indiferente, também, o facto de ter sido o Palácio de Belém a advertir a Assembleia da República para a gralha na lei de limitação de mandatos: onde se lia presidente "da" câmara, devia ler-se presidente "de" câmara, o que poderia originar uma interpretação da lei mais favorável a Luís Filipe Menezes, que atingira o limite de mandatos em Gaia. Daí ter incluído o recado no discurso.
O Pê Cê Pê da oposição, perdão, do Porto, que não só aplaude a descida dos impostos como até acha que se devia ir "mais além"; o Pê Cê Pê no poder, perdão, de Setúbal, que aplica os impostos à taxa máxima [e até acha que se devia ir "mais além"?], indiferente ao desemprego, às falências, ao empobrecimento e à miséria nas famílias, numa das regiões do país mais castigada pela crise.
O Pê Cê Pê quer ser levado a sério?
[Imagem Scott King 'Brian', 2008, Porcelain Bust, Rooster Feathers, Rhinestone Collar, Paint]
Há Menezes, um candidato "fora da lei" e campeão nacional do endividamento autárquico, o que por si só é um sério teste à inteligência e sanidade mental dos cidadãos do Porto, e Moreira, que nos intervalos das outras coisas [desde o futebol ao aeroporto de Alcochete], é presidente da Associação Comercial do Porto. É por isso que a gente gosta muuuuuito da democracia, as pessoas podem fazer com o seu voto o que muito bem entenderem.