"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Morreu o homem que advogava a mão-de-obra barata como forma de criar emprego, e que filosofava só ser possível pagar salários alemães em Portugal quando os portugueses fizessem três ou quatro vezes mais por hora, como fazem os trabalhadores alemães na Alemanha, para onde emigram os portugueses que recusam o modelo de baixos salários e precariedade por ele defendido, para ganharem três ou quatro vezes mais por hora, pagos por empregadores alemães que os preferem como os melhores trabalhadores do mundo e com isto demonstrando por A + B que o problema é a classe patronal portuguesa e não os índices de produtividade de quem empregam. Viveu e morreu com isto.
O ritual cumpriu-se este fim-de-semana os dois dias em que as contas bancárias de Alexandre Soares dos Santos e de Belmiro de Azevedo ficaram mais recheadas graças ao bom coração e aos espírito solidário do português anónimo sem que haja da parte do 2.º e 3.º homem mais rico de Portugal, respectivamente, qualquer contribuição para a causa. Lucro, lucro, lucro, a caridadezinha cumpriu a sua função, os escuteiros desempoeiraram as fardas e venderam calendários para 2016 e algumas consciências vão agora dormir descansadas. Até à próxima campanha.
O que o "camarada" Belmiro não explicou foi porque é que os trabalhadores portugueses, os melhores do mundo, segundo os empresários e patrões bifes e boches, e segundo também o Governo, quando quer puxar dos galões para se armar ao pingarelho, os mesmos que prestam pouco, ou mesmo para nada, cá, produzem lá, na Alemanha e na Inglaterra, "de facto", "uma coisa igual, parecida", ou até melhor, que "um trabalhador alemão ou inglês, seja o que for", a trabalhar menos horas por dia, com mais dias de férias, com mais regalias, dadas pelas empresas, com apoios e protecção social, para os próprios e para as famílias, da parte do Estado, e com um salário incomparavelmente mais elevado.
Tem razão o "camarada" Belmiro, é "através da educação das pessoas", e, em Manuel Machadês, "um vintém é vintém e um cretino é um cretino":
Este foi aquele fim-de-semana em que, graças ao humanismo e à solidariedade dos portugueses, o n.º 2 e o n.º 3 no top 25 da lei da selva ficaram um pouco mais gordos para o ataque ao n.º 1.
Num mundo perfeito, ambas as margens do Sado seriam um enorme resort administrado por um engenheiro e o seu clã, livre de desdentados, e habitado por “gente bonita” wearing Gant & Lacoste by day, e Hermés & Saint Laurent by night, servidos por figuras pálidas e andrógenas pagas a recibos verdes.
(Na imagem do fotógrafo setubalense Américo Ribeiro, “Tendas feitas com velas de bateiras, remos e varas na Caldeira de Tróia, década de 1950”, no local onde o senhor engenheiro planeia construir mais um condomínio privado e por onde passam os catamarãs e ferries que não fazem mal nenhum aos roazes corvineiros)
Tendo como referencial o salário médio de um empregado, perdão, de um colaborador da Sonae, descontando no final do mês a prestação da casa, conta da água da luz e do gás, mais TV cabo e telefone e/ ou telemóvel; partindo do princípio que é um casal sem filhos e que a maior parte dos dias da semana vão almoçar a casa dos pais ou almoçam um rissol e uma bica, de pé e virados para a parede com espelho, no snack-bar ao fim da rua, o que é que sobra para “consumo”?