"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Enquanto as taxas de juro massacraram pessoas e famílias foi sem dó nem piedade, sempre a subir, "ai aguenta, aguenta", a partir do momento em que começou a ameaçar bancos com má gestão de risco foi accionado o travão. Para quem se governa, por quem se é governado ou, como na canção, "the system only dreams in total darkness".
Mindinho Mendes anunciou com ar grave e muita pompa e circunstância e grandes movimentos de mãos e fartura de gestos no tampo da mesa, e as televisões todas e os jornais todos repetiram todos a grande nova e o grande furo jornalístico que foi o acesso a uma carta do Banco Central Europeu, a outra face da moeda dos Estados não terem acesso directo ao crédito – o BCE empresta aos bancos que por sua vez emprestam aos Estados, e que é o BCE decretar que dinheiro dos contribuintes – ler "ir ao bolso ao contribuinte", "esbulhar salários e pensões", "esmifrar poupanças", só para recapitalizar bancos privados, bancos públicos não, never, nein, já-mé. E depois toda a gente de boca aberta comentou a grã descoberta de Mindinho Mendes e as televisões todas e as rádios todas fizeram todas no dia a seguir fóruns de debate mui participados.
Isto é a gozar, certo? Ou falta de assunto, certo? Ou aquela coisa da estação parva que chega com o calor?
Se o militante do Partido Socialista Vítor Constâncio fosse inteligente percebia que está a ser usado como granada de fumo para esconder Maria Luís Albuquerque, Passos Coelho, Paulo Portas e cinco anos de maioria PSD/ CDS, enquanto as tropas adversárias, numa manobra de diversão e de intoxicação da opinião pública, atacam o Governo do PS suportado pela esquerda no Parlamento. Mas isso era se o militante do Partido Socialista Vítor Constâncio fosse inteligente.
A independência do banco central, e do respectivo Governador, inimputável e isento de críticas – pressões inaceitáveis e inqualificáveis da 'esquerda totalitária', só se aplica a Carlos Costa, biombo da direita no Banco de Portugal, apesar das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES, renomeado pela direita para o Banco de Portugal, renomeação a pagar, com juros, pelos portugueses, durante os próximos muitos e bons anos. E a independência do Banco Central Europeu, e do seu Governador, também. Até ao dia em que o master fala e as voices escutam atentamente e dizem que sim e argumentam com o inevitável e insuspeito princípio do totalitarismo "manda quem pode" ler "manda quem paga" e a Alemanha é que paga pode.
No BCE a direita da 'escola alemã' não precisa de um biombo, precisa de um sniper.
Falemos então de austeridade e de despesismo e de viver acima das suas possibilidades e de cortar na despesa do Estado, social, antes de ser rebaptizado de “gorduras” e de não ter descontado o suficiente para a reforma que se recebe e de não se trabalhar bastante para a mais-valia, do patrão e accionistas, antes de ser rebaptizado de "crescimento económico. «Edifício custou 1,3 mil milhões de euros.».
Não sei o que é que Pedro Passos Coelho andou a fazer quando devia estar na escola e aprender porque é que começou a II Guerra Mundial, mas gostava de saber.
Para que conste, se ainda dúvidas restassem, a preocupação não é com a falta de Liberdade, com a ausência de Democracia, com a repressão, com as violações dos Direitos Humanos, com os mortos e feridos; não, a preocupação é com o «risco suplementar para a economia internacional».
Interessante o artigo de Francisco Sarsfield Cabral (FSC) no Público de hoje.
Desde Sarkozy a Paulo Portas, passando por Francisco Louçã todos são classificados como populistas por defenderem uma intervenção dos governos na politica monetária do Banco Central Europeu (BCE) de modo a proteger as famílias da violência da subida das taxas de juro. Na sua argumentação FSC vai ao ponto de evocar o Partido PopulistaNorte-Americano dos finais do sec. XIX criado para «promover a luta dos agricultores contra o crédito difícil e contra os bancos», e, Adolf Hitler, que antes de se tornar chanceler discursava em comícios onde prometia «acabar com a escravatura dos altos juros».
A culpa desta situação, segundo FSC, é do Governo – deste e dos anteriores –, que não souberam criar legislação que permitisse às famílias arrendar casa em vez de a comprar, «pela simples razão de que, com as rendas congeladas ou quase, há muito deixou de haver casas para alugar». O que FSC não explica – e eu pessoalmente adorava ouvir a sua explicação! – é, porque é que um qualquer cidadão há-de ter de pagar uma renda durante toda a vida por uma habitação que nunca será sua, se pode pagar durante 25 / 30 anos a mesma importância, por uma casa que no fim do empréstimo é a sua casa, e que, possivelmente, se converterá num bem imóvel a deixar como herança à descendência. A isto chama-se investimento, e FSC, melhor que ninguém o sabe (quando lhe interessa saber).
Mas o interessante no artigo de FSC está guardado para o último parágrafo, quando dá como exemplo o Governo espanhol que «já anunciou incentivos para estimular o aluguer de habitações»; à parte este anúncio ser uma repescagem eleitoralista do executivo de Zapatero,que já havia anunciado a mesma medida há um ano atrás, e que consiste em o Estado subsidiar as rendas de jovens até aos 30 anos de idade e com fracos rendimentos; na óptica de FSC o intervencionismo estatal / governamental nos mercados é aceitável, depende é dos moldes em como ele é feito. Se for para atenuar os problemas das famílias, estranguladas pelo aumento das taxas de juro, é populismo e é coisa para esquecer, porque a política monetária do BCE é independente e deve continuara sê-lo; se for para financiar com o dinheiro dos nossos impostos o mercado de arrendamento, para que meia-dúzia de proprietários lucrem com as rendas é aceitável e recomenda-se. Pelos vistos há bons intervencionismos e maus intervencionismos…
Muito me conta senhor Cabral! Realmente é uma chatice estas coisas das democracias, em que cada um é proprietário da sua humilde casinha; saudosos tempos em que meia-dúzia de senhorios punham e dispunham das habitações e viviam de papo para o ar à custa das rendas!