"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Assisti ontem no Barreiro a um concerto, pacífico, de Rodrigo Leão no mausoléu de Alfredo da Silva. em pleno coração do ex-complexo industrial e actual parque empresarial, no encerramento, não um dia, não um fim-de-semana, mas de uma semana, pacífica, de homenagem a Alfredo da Silva, o capitalista fundador da CUF e do Barreiro tal e qual o conhecemos hoje, grande impulsionador das lutas operárias na então vila e "pai" da implantação do Partido Comunista na região. "Um grande senhor" disse Rodrigo Leão a meio do concerto, pacificamente aplaudido por milhares na assistência. O Barreiro é vermelho.
Terra de tradição surfista, com praias paradisíacas, num cenário de arquitectura industrial em ruínas a envolver a memória dos bairros operários, decadentes e ao abandono, e do que foi e podia ter sido o caminho-de-ferro como via de comunicação rápida e limpa, antes de Cavaco Silva, primeiro-ministro, ter avisado que a prioridade era desindustrializar e apostar no alcatrão. A seguir pagam a um filho ou a um neto de Cousteau para mergulhar no antigo cais da Fisipe, "o ecosistema nos fundos lodosos dos metais pesados"?
Um hipermercado, símbolo máximo do capitalismo consumista, abre ao público a 25 de Novembro, no Barreiro ex-vila piloto da industrialização portuguesa, bastião da resistência operária, do sindicalismo reivindicativo e do Partido Comunista.
O poder das marcas e o capitalismo e o mundo gira e o capitalismo gira com ele e o caralho.
(Na imagem “Os 3 da Vida Airada”, o resto fica ao vosso critério)
Hoje é um dia histórico para o distrito de Setúbal e para as suas gentes; e em especial para os habitantes do concelho do Barreiro. Pela primeira vez em muitos e longos anos, uma obra pública que, por via da sua localização, não vai fomentar a especulação imobiliária nem o desordenamento do território. Num distrito que pelas suas opções eleitorais, foi durante décadas castigado politica e economicamente; num distrito que se habituou a sofrer em silêncio, e que, apesar disso, e do esquecimento a que foi votado pelo poder central e pelos sucessivos governos, nunca ergueu bandeiras regionalistas em torno de personagens mais ou menos populistas, ou em torno de outros, não menos “manhosos”, ligados ao clubismo doentio e aos futebóis.
Uma obra para servir as populações residentes e não para fomentar migrações de população como aconteceu com a ponte Vasco da Gama.
“A ponte é uma passagem prá outra margem”; cantavam os Jáfumega nos anos 80. Venha a ponte, que já ontem era tarde!