"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando o imbecil ordena uma carga policial para limpar um protesto pacífico a decorrer na rua que depois atravessou para posar no átrio da igreja de Bíblia na mão, ele que mais que já várias vezes deixou escapar que gostaria de fazer mais que dois mandatos na Casa Branca, já consideraram a hipótese de com este acto querer passar a ideia de que é presidente por direito divino, à imagem das monarquias europeias até à Revolução Francesa?
Uma pessoa adoece e é despedida, como é despedida perde o seguro de saúde, como não tem seguro de saúde não é tratada e morre. Alguém me explica a bondade, ou como diz o Alberto João, “a caridade cristã”, de tudo isto?
Acontecia até ontem no país que jura sobre por tudo e por nada sobre a Bíblia e que ostenta nas notas de dólar o lema “In God We Trust”.
(Na imagem “Le plus petit livre du monde”, autor desconhecido)
Segundo percebi, manifestações contra os cartoons de Maomé são inadmissíveis porque a liberdade de expressão e a separação entre o Estado e a Igreja são bens preciosos e grande conquista da graaaaande civilização Ocidental, mas José Saramago dizer o que lhe vai na alma, é um inadmissível ataque sem pés nem cabeça à Santa Madre Igreja da parte dum velho com os pés pra cova e ainda por cima incorrigível comunista.
Aplicar a sharia é sinónimo de primitivismo e obscurantismo e fundamentalismo e um claro desrespeito pelo Estado de Direito e pelos Direitos Humanos, mas condenar alguém à morte por consulta efectuada na Bíblia ninguém ouvir falar. Quê? Onde? Eu?!
Mesmo sem ter lido o livro – o que espero vir a fazer – e estando 100% de acordo com o que aqui se diz e escreve, como soi dizer-se: “Saramago sabe muito mas anda a pé”. O livro teria de ser rigorosamente Caim, o criminoso. Nunca Abel, o inocente.
Escreve Karl Marx no capítulo “Teoria da Mais Valia” do Capital:
«O criminoso produz crimes. Se olharmos mais de perto as relações que existem entre este ramo de produção e a sociedade no seu conjunto, ultrapassaremos muitos preconceitos. O criminoso não cria apenas crimes: é ele que cria o direito penal. (…) Mais: o criminoso cria todo o aparelho policial e judiciário – polícias, juízes, carrascos, jurados, etc. – e estas diferentes profissões, que constituem igual número de categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem diferentes faculdades do espírito humano e criam ao mesmo tempo novas necessidades e novos meios de as satisfazer.
O criminoso cria uma sensação que participa da moral e do trágico e ao fazê-lo oferece um «serviço», mobilizando os sentimentos morais e estéticos do público. Não cria apenas tratados de direito penal: cria igualmente arte, literatura, ou seja, tragédias, sendo disto testemunhas não só La Flaute de Müllner e Les Brigands de Schiller; mas também Édipo e Ricardo II. O criminoso quebra a monotonia e a segurança quotidiana da vida burguesa, pondo-a assim ao abrigo da estagnação e suscitando a interminável tensão e agitação sem a qual o estímulo da própria concorrência enfraqueceria. Estimula assim as forças produtivas (…).
Descobrindo incessantemente novos meios de se dirigir contra a propriedade, o crime faz nascer incessantemente novos meios para a defender, de modo que o criminoso dá à mecanização um impulso tão produtivo como aquele que resulta das greves. Para lá do domínio do crime privado, teria o mercado mundial nascido se não houvesse crimes nacionais? E as próprias nações? (…).»
No ano da Graça de Deus de 1999 um homem foi condenado à morte no estado do Texas, USA, depois dos jurados terem consultado a Bíblia para decidir o veredicto.
Isto acontece no século XXI e na maior potência do mundo, naquela América “profunda” que voluntaria os seus filhos para combater o fundamentalismo islâmico no Afeganistão. Fundamentalismo quê?
Este argumento é deveras interessante porque vem reformular todo o debate. Podemos então avançar para a poligamia e para o incesto? Também vem na Bíblia. Na mesma “secção” da «criação do ser humano» - o Antigo Testamento, o livro que a igreja católica sistematicamente desvaloriza - nas missas, nas homilias, nos casamentos e baptizados, nas catequeses - em relação ao Novo Testamento.
Se foi uma questão de conveniência, foi muito pouco conveniente...
Por graças a Deus ser agnóstico, não partilho destas apreensões. Eu que já li a Bíblia. Eu que por ser coleccionador do Livro, Bíblias é o que não falta cá em casa; das mais variadas confissões, datas e edições. Muito mais barato que comprar o Expresso: um euro, vá lá dois, na Feira da Ladra.
“O meu problema”; “o problema” dum agnóstico é, o de ler a Bíblia como quem lê a História de Portugal do José Mattoso. Vale o que vale do ponto de vista histórico. E, agnósticamente (não sei se existe o termo) falando, é menos grave do que ter, por exemplo, Os Lusíadas, A Casa Grande de Romarigães, a Mensagem – e por aqui me fico – em casa e não os ler (aqueles que os têm). É um problema de hábitos de leitura. E para quem não os tem é “uma seca!”.
Do ponto de vista do Divino, e já que outra das preocupações é «ensinar as pessoas a rezar a partir das Sagradas Escrituras. As Sagradas Escrituras não como interesse intelectual, mas com as pessoas a aprenderem a rezar a partir da palavra de Deus"», e em época de ecumenismo e encontro de religiões, porque não recorrer ao exemplo do Islão? Uma versão católica-apostólica-romana Rádio Fátima on-line e on the air; porque não?