"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Não há maior legitimidade em democracia do que a das populações decidirem, directamente ou por interposta pessoa - o poder autárquico eleito, o que é do seu interesse e bater o pé ao poder do Estado central, se for caso disso, e no caso da prepotência de um Estado que decide primeiro e pergunta depois ao invés de encontrar alternativas e negociar soluções. O que é que António Costa vai fazer a seguir, obrigar as populações a trabalhar na construção do aeroporto e depois deportá-las para [re]povoar as Beiras ou o interior de Trás-os-Montes?
Entre 2014 e 2018, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro (detida em 50% pelo deputado do PSD) obteve 10 contratos por ajuste direto das câmaras municipais de Espinho e Vagos, ambas lideradas pelo PSD, perfazendo um valor total de 400 mil euros.
Depois de quatro anos de Governo da direita radical com a lengalenga do "fazer mais com menos", base de trabalho para cortar a torto e a direito sem olhar a quem e ao quê e para estrangular serviços e administração pública, entramos agora no laxismo esquerdalho-geringonço, na fase do pleno emprego e emprego para todos, do "fazer menos com mais", por cima de toda a folha, caduca ou persistente, que de cada vez que a cor da Câmara muda é imperioso mudar com ela a clientela e o séquito, até para equilibrar as contas e impedir o boicote da clientela cessante, mais que não seja pela inércia. Haja quem pague.
A direita não radical e da responsabilidade e do "sentido de Estado", na marchinha do balão e arco da governabilidade que enche a boca de democracia leva hoje o 20.º - vigésimo – 20.º chumbo do Tribunal Constitucional. Vinte a zero.
No país onde o Governo inventa o “projecto PIN” como forma de espoliar o património comum a milhões - reserva agrícola nacional, parques naturais e reservas ecológicas – em benefício de meia dúzia, um autarca vê o mandato suspenso por ordem judicial por violação do PDM e do Plano Regional de Ordenamento do Território. Awesome.
Rui Rio, em modo alemão, a defender para as Câmaras Municipais o que os amigos e conselheiros da frau Merkel defendem para a Grécia [e para Portugal]. Os jornalistas, para não variar, no seu estado natural aka modo amorfo, sem o confrontarem com a similaridade entre as suas declarações e as declarações que vão escapando de quando em vez da boca dos escudeiros dos "mercados".
A gente vai tentar não se esquecer quando vierem outra vez com a "salvação da pátria" e com a "reserva moral" do PSD.
O dia em que cientistas franceses, através da revista Nature, deram a conhecer ao mundo que as «pulgas ancestrais eram "gigantes", mas não saltavam», é o mesmo dia em que os cientistas do PS, secundando e corroborando cientistas do PSD, deram a conhecer aos cidadãos portugueses que as "pulgas" podem saltar. De Câmara Municipal em Câmara Municipal, quiçá até ao domicílio fiscal das construtoras e das diversas empresas fornecedoras, que são assim uma espécie de parasita da pulga, mais pequeno mas não menos poderoso parasita, e essencial à sobrevivência da pulga. Bloco central rocks!
Se é legítimo defender que a dívida dos municípios deve ser analisada «tendo em conta o número de habitantes dos mesmos», é também legitimo argumentar que a dívida dos municípios deve ser paga pelos respectivos habitantes, a dividir pelas cabeças dos munícipes, segundo uma fórmula [a inventar] em que entrem as variáveis "permilagem ocupada" e "rendimento mensal ilíquido", por exemplo? Não. Por todas as razões e pelo princípio da coesão e da unidade do território nacional, e da solidariedade inter-regiões.
E é nestas alturas que a regionalização deixa de ser a salvação da pátria, e é também nestas alturas que os cidadãos deviam pensar duas vezes, antes de fazer a cruzinha no boletim de voto, no quadradinho do campeão da betonização do espaço público, a que se convencionou chamar de progresso e desenvolvimento.
O homem que construiu uma ponte [Vasco da Gama] onde ela não fazia falta, potenciando mais-valias enormes, primeiro com as vendas de terrenos agrícolas ao preço da uva mijona, convertidos logo no day after em terrenos urbanos, depois com especulação imobiliária, inventando uma cidade onde ela não existia, o caos urbano e arquitectónico e a perda da qualidade de vida das populações. Mas isso era ontem porque hoje "não se trata tanto de expandir as cidades para novos espaços (...), trata-se sim de fazer o possível para preservar, para guardar, para manter aquilo que já temos" e outras coisas bonitas do género, para quem não tem memória ou nasceu ontem. A sem-vergonhice não tem limites
O presidente da Câmara de Torres Novas não precisa de um carro. Não. O presidente da Câmara de Torres Novas precisa de um carro compatível com aquilo que ele acha que é o estatuto de um presidente de Câmara. O presidente da Câmara de Torres Novas que precisa de um carro, pago com o dinheiro dos contribuintes e compatível com aquilo que ele acha que é o estatuto, ainda que temporariamente suportado pelos eleitores, de presidente de Câmara, achou por bem badalar à imprensa o seu grande sentido de responsabilidade e poupança, em consonância com os tempos de crise que assolam o país, sem perceber que mais valia ter ficado calado e comprado um carro em primeira mão pelo valor de um carro, compatível com aquilo que ele acha que é o estatuto de presidente de Câmara, em segunda mão. Ficava mais bem visto aos olhos dos eleitores que andam a pé, de transporte público, ou que têm um carro compatível com o seu estatuto, e não contribuía para alimentar as historietas sobre a presunção e a água benta que vai à mesa no copo dos autarcas.
E se as cláusulas processuais e os erros processuais e os recursos processuais e as outras almofadas processuais não funcionarem há sempre aquela coisa do indulto presidencial. Calma.