"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A razão, as razões, para que o Bloco de Esquerda, nascido em 1999, já com 22 anos disto mas herdeiro dos grupelhos e partidos esquerdistas que no pós revolução, e até aos 80s, tinham forte implantação nas comissões de moradores, comissões de bairro, colectividades, sindicatos, ligação directa ao povo anónimo, às bases, como sói dizer-se, não ter expressão autárquica, e a pouca que tinha ter-se esfumado - menos dois terços dos seus 12 vereadores, o vereador mantido em Lisboa e o vereador ganho no Porto não disfarça o ter ficado 70 mil votos atrás e cinco vezes menos vereadores que o Chega, o partido do ódio, do ódio religioso, do ódio ao estrangeiro, do ódio à diferença sexual, do ódio à diferença política, do ódio a tudo, albergue de fascistas e neo-nazis, fundado há dois anos, e que levou a votos listas integradas por personagens pobres de espírito, que não conseguem articular uma ideia nem pronunciar uma oração com sujeito e predicado, e gente que habitualmente víamos nos filmes passados em hospícios e asilos para doentes mentais.
Segundo o Diário de Notícias de hoje, na imagem, os lisboetas fartaram-se de Medina e uma das razões para o voto em Moedas foi a "proliferação do alojamento local". Leram bem, a "proliferação do alojamento local". E vai daí votaram no secretário de estado da troika, o liberal Moedas que, como é por todos sabido, vai acabar com essa pouca vergonha. E isto é um bom barómetro para aferir a inteligência colectiva de um povo.
As televisões, que construiram o Ventas, que lhes deu o clickbait e as audiências e que, perante o descalabro eleitoral do Chaga nas autárquicas, rapidamente se esqueceram dele lhe retribuíram a conveniente fuga dos holofotes até a poeira do esquecimento assentar, são as mesmas televisões que agora constroem o personagem Moedas e a narrativa da grande vitória eleitoral, e da remontada, que daqui por quatro anos, ou se calhar mais cedo, há-de trazer a velha-nova-velha direita de regresso à ribalta e à governação do país, apesar do moço de recados da troika, coligado com a direita toda - Ilusão Liberal incluída, que teve uma diferença de quase menos 2% de votos úteis da Assembleia Municipal para a Câmara - é de apenas 0,95% para o PS sozinho, e em minoria absoluta, se contabilizarmos os votos dos socialistas aos da CDU e do Bloco. Assim se constrói um personagem e uma narrativa.
As assembleias municipais funcionarem nos mesmo moldes da Assembleia da República - parlamento para formação e base de apoio de um Governo e permitindo geometrias variáveis, era melhor ou pior para a governabilidade das câmaras municipais e mais apelativo à participação cidadã?
António Costa acusa a Galp de "irresponsabilidade" e "insensibilidade social". O secretário-geral do PS fez duras críticas ao processo de encerramento da refinaria de Matosinhos.
Candidato à câmara da Covilhã e candidato à câmara de S. Brás de Alportel, apenas dois exemplos mais mediáticos das centenas de alucinados que enxameiam as listas do Chaga [não é gralha], saudosistas do "dantes é que era bom!", o tempo em que chalupas deste calibre eram internados compulsivamente em hospícios e asilos para doentes mentais e que agora servem de idiotas úteis a quem quer pôr fim à democracia que lhes dá palco.
Em 1951, era Carmona Presidente da República e Salazar presidente do Conselho de Ministros, Manuel Quintão Meireles retira a sua candidatura à presidência da República por considerar não existirem condições para uma eleição livre e justa e Ruy Luis Gomes vê a sua rejeitada, o que leva à vitória de Craveiro Lopes nas urnas sem qualquer oposição, a Constituição de 1933 foi revista e o Acto Colonial maquilhado com vista à assimilação civilizadora das colónias à metrópole [*], a polícia política prendia, torturava e matava os opositores ao Estado Novo e a censura passava a lápis azul todas as publicações escritas, assim como o cinema, o teatro e a música, metade das raparigas nunca tinha entrado numa sala de aulas que tinham todas, sem excepção uma foto do Presidente e outra do primeiro-ministro a ladear um crucifixo, assim como 30% dos rapazes, quatro em cada dez mulheres eram analfabetas e 26,9% dos homens, mas todos sabiam a Portuguesa que era obrigatório cantar antes do início das aulas, o ensino superior uma miragem só ao alcance das elites, a esperança de vida era de 56 anos para os homens e 61 para as mulheres, a frequência da Mocidade Portuguesa era obrigatória e o poder local era nomeado pelo poder central, e podíamos continuar pelo acesso à saúde, ao saneamento básico e ao cabaz alimentar, "o preço das casas era alto e [um casal podia morar] 16 anos com um filho num quarto de uma casa", em alternativa juntava uma tábuas e umas chapas velhas e metia mãos à obra a construir uma barraca nos muitos milhares de bairros que nasciam como cogumelos de norte a sul do país, ou ia a salto para a emigração e morar num bidonville. Por incrível que possa parecer "hoje vivemos com menos liberdade porque cada vez menos ouvimos histórias felizes onde as pessoas são as personagens principais!". "#EstáNaHorada esperança voltar!", se tudo o que ficou para trás volta com ela não sabemos.
Com excepção do Chaga onde a coisa é feita pela negativa, pela exclusão e pelo estigma, o que surpreende nas candidaturas autárquicas da margem sul é a total ausência de comunicação e de propostas para captar as comunidades migrantes para a cousa pública, comunidades que em algumas zonas já são maioritárias. Quem passe um tempos no Seixal, Laranjeiro e Almada apercebe-se da diversidade cultural e civilizacional que faz o Martim Moniz em Lisboa parecer uma Disneylândia. Brasil, África não PALOP, Paquistão, Sri Lanka, Índia, Moldávia, Ucrânia, China etc, etc. No Laranjeiro, por exemplo, há ruas inteiras com vivência[s] de uma só comunidade onde o transeunte que dá nas vistas ao passar, o diferente é o português caucasiano. Desde barbeiros, cabeleireiros, mercearias, churrascarias e talhos halal, frutarias, lojas de roupa, lojas de utilidades várias, pequeno comércio. Um bazar dentro da qasbah. Um mundo. Um mundo que passa ao lado das candidaturas autárquicas que não se inibem de encher a boca com "integração".
Diz o candidato do Ilusão Liberal à câmara de Setúbal no Diário de Notícias de hoje que "em 47 anos foi só perder". Fazendo uma contas rápidas de cabeça: 2021 - 47 = 1974, o ano do 25 de Abril, e conclui-se que ele "Chega" ao tempo em que o presidente da câmara era nomeado pelo poder central fascista, o tempo em que a família valia na cidade pelo nome, em que não havia cá chatices com eleições e democracias. "Nos anos 70, éramos a terceira cidade do país". Cercada de bairros de lata por todos os lados, excepto pelo lado do rio, onde estavam os pés descalços que iam ao mar quando fazia bom tempo, 4.ª classe para os filhos e ala deitar rede ou aprender um ofício, que davam as mulheres às fábricas de conservas e divertiam-se a falar de bola nas centenas de tabernas que floresciam na cidade e, quando o paizinho do nome de família passava na rua, tiravam o boné, faziam uma vénia e diziam "bom dia sô tôr", que o respeitinho, que era muito bonito, perdeu-se todo com a merda do 25 de Abril, que a escumalha agora até tem canudo e não se inibe de opinar sobre a cousa pública. O partido novo da gente velha ou o novo partido da velha gente, vai dar no mesmo.
Só há duas razões para a candidata do Chega pelo PSD à Câmara da Amadora nas autárquicas de Setembro ter direito a directos nas televisões na apresentação da candidatura e a entrevista no telejornal da hora do jantar, privilégio não concedido aos candidatos das outras formações políticas à mesma câmara, ou até aos candidatos a outras câmaras municipais, das 308 que há no país:
- A comunicação social gosta da chafurda e da lavasquice, do alarido e do alarme social, da gritaria que lhe dá audiências à laia de reality show;
"Como profissional mais não farei que usar a verdade com que me cumpro como ser humano, contra o preconceito. Sempre entendi este como ignaro e covarde. É algo que nos seca e menoriza. Estimulante e grandioso será antes procurar entender o que nos distingue, uns dos outros, e saber viver com as diferenças, respeitando-as. É um trabalho diário, difícil, que exige um profundo autoconhecimento e avaliação de consciência, mas vale pelo arrebatamento de nos sentirmos mais justos. É neste sentido que recuso sempre o insulto, porque, contaminado pela vileza, em nada acrescenta, antes pelo contrário, à discussão e confronto de ideias". Blah-Blah-Blah.
A imagem que se quer passar, muito cool e descontraído, sentado com os sapatos em cima de um banco de um jardim público da cidade que se propõe governar. Num qualquer país do norte da Europa, naquelas democracias com que enchem sempre a boca por comparação com o nosso "desgraçado atraso" e "falta de cultura democrática", esta fotografia era mortal para qualquer político, por cá é só mais do mesmo, a imagem da nossa baixa exigência cívica.
O líder do PSD, Rui Rio, que não conhecia a cloaca aberta Suzana Garcia, na televisão do Goucha, quando pedia a castração química de pedófilos, para depois o PSD, de Rui Rio, na novilíngua, vir esclarecer que mais não era que" terapia medicamentosa de controle da libido", é o mesmo Rui Rio, líder do PSD, que na TVI viu "um bandalho" a agredir um cidadão e, horas depois, na mesma TVI, não ouvir o cano de esgoto Suzana Garcia pedir o extermínio do Bloco de Esquerda, para logo o partido vir esclarecer que o que a "senhora" queria dizer era uma "pesada derrota eleitoral".