"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O PSD vai resolver o problema dos médicos e do Serviço Nacional de Saúde quando se alçar ao poder, e o militante Jorge Roque da Cunha, e dirigente sindical vitalício, vai deixar de convocar greves na tradição de que quando o partido em que milita é Governo a coisa é para deixar andar;
O PSD vai fazer isto tudo e ainda baixar os impostos e fazer tudo aquilo que sempre disse que não fazia quando foi Governo e de caminho diminuir a dívida pública e manter as contas certas.
O problema é que ninguém, dos professores ao médicos passando pelos polícias e enfermeiros e forças armadas e administração pública em geral quer esperar sentada pela chegada do PSD ao poder para lhes resolver os problemas e quer a coisa já para ontem, ainda com os socialistas mesmo com o Governo demissionário. Se calhar por haver uma diferença entre fé e fezada.
"Entre salários, prémios, bónus, contribuições para planos de pensões e outras remunerações monetárias, as 15 empresas do PSI pagaram um total de 31,9 milhões de euros aos seus presidentes executivos [atuais e antigos] em 2021, de acordo com os cálculos do ECO com base nos valores recolhidos nos relatórios e contas das empresas do índice português. A soma representa uma forte subida de 89,9% face ao valor de 2020, ano em que os CEO ganharam 16,5 milhões de euros [...]."
Quando há milhares de portugueses com a ameaça do desemprego a pairar sobre a cabeça, com ou sem subsídio; quando há milhares de portugueses em risco de perderem uma parte importante do rendimento do seu trabalho, quer por via do layoff, quer por via da eliminação do subsídio de refeição; quando a falência ameaça milhares de micro, pequenas e médias empresas, provocando um rombo inimaginável na Segurança Social, nas finanças públicas, e metendo a dívida externa outra vez em rota ascendente, o sindicato do emprego para a vida sai a terreiro para dizer esperar que o coronavírus não ameace ou ponha em causa futuros aumentos salariais na Função Pública, um dia depois de terem sido aumentados. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
No dia 27 de Novembro, 19 dias depois, Siza Vieira, o ministro da Economia do Governo do líder do PS, António Costa, vai à câmara alta não eleita do Parlamento, a Concertação Social, dar aos patrões o referencial de 2, 7% de aumento salarial para o ano de 2020, abaixo do que já está a ser negociado em algumas empresas, e quando para atingir a meta proposta por António Costa ao país a fingir que falava para aos militantes os salários só recuperaram para valores pré-crise com subida de 4%.
Depois da "Novilíngua", e já na era do economês, as secções partidárias dos departamentos de agit-prop instalados nos jornais ditos "de referência" criaram agora a "Novimatemática", expandindo o universo orwelliano para o infinito e mais além.
Como é que [menos] -1462 + [menos] -1334 é = a [mais] +128?
Depois, se houver uma crise como a do subprime, ou outra, uma guerra, com o imbecil que está instalado na Casa Branca nunca se sabe, se o preço do petróleo vier por aí acima, se o próximo ocupante do Banco Central Europeu for um alemão fundamentalista, e isto der para o torto, dá de certeza, e apanharmos com o terceiro resgate numa década, o ministro das Finanças vai explicar aos portugueses, aqueles que não trabalhadores da Administração Pública, do sector privado, que não são aumentados há quase uma década, nalguns casos até há mais tempo, porque é que não havendo dinheiro para nada, nem para a saúde, nem para a educação, nem para as polícias e os militares, nem para a justiça, andou a distribuir dinheiro a rodos ao invés de manter o défice perto do zero por forma a reduzir os juros da dívida e permitir o investimento público.
Reduziram-se os dias de férias, eliminaram-se dias feriados, proibiram-se as pontes e as tolerâncias de ponto, excepto no dia de Natal amém, aumentou-se o horário de trabalho, reduziu-se o preço da hora extra e a produtividade não aumenta para se aumentarem salários e o salário mínimo nacional?
Há uns anos atrás comprei um disco de Bob Dylan, Desire de seu nome (a meu ver dos piores de sempre do compositor), mas que, devido a uma particularidade, é talvez um dos mais valiosos da música popular no mercado de coleccionadores. Por um erro de prensagem, o lado B tem exactamente as mesmas músicas do lado A.
Lembrei-me disto a propósito da circular recebida via CTT por todos os “colaboradores” da empresa onde trabalho. “Colaboradores” - com cê grande. É socialmente mais desresponsabilizador para o patrão; é mais descartável que “trabalhadores” ou “empregados”. Adiante.
Sempre os mesmos cinco parágrafos. Sempre o mesmo texto. Sempre as mesmas virgulas; sempre a mesma pontuação. As únicas diferenças entre as circulares, desde o ano de 2000 até ao ano de 2008 são, obviamente a data (apesar de tudo ainda não perdi a esperança que um dia se esqueçam de a alterar), e a percentagem, que tem variado entre os 1, 3% e os 2, 5%. Vira o disco e toca o mesmo!
Estou a guardá-las todas. Quem sabe, um dia, não venham a valer tanto como o Desire do Bob, quando se fizer a história do empresário português…
(Por motivos compreensíveis, o logótipo e o nome da empresa, assim como as assinaturas da administração foram suprimidas)