"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Em comparação com o Tour de France, as imagens da Volta a Portugal, com o desordenamento do território, o fora de contexto, o caos e a cacofonia arquitectónica, o abandono de povoações e campos, a ruína de edifícios e casas, a "little Austrália" com eucalipto a perder de vista entremeado pelo negro e castanho dos incêndios, é uma coisa que nos devia deixar a todos profundamente envergonhados da merda que andamos a fazer com o rectângulo que herdámos dos nossos antepassados
Diz que os setubalenses têm a secreta esperança de que um dia alguém lhes explique os prédios que o senhor Fernando Coutinho "construiu" em Setúbal, cagalhões arquitectónicos perfeitamente enquadrados e integrados no espaço envolvente, respeitando a memória histórica da cidade e resistindo a toda e qualquer requalificação, mais polis menos polis.
Ao ver a Escola Secundária de Caneças, escola pública, escarrapachada nos sites internacionais de arquitectura e design como exemplo de modernidade e da boa arquitectura e funcionalidade das instalações e equipamentos ao serviço das populações e das comunidades [em português aqui], e depois do ataque cerrado feito pelo PSD e pelo CDS-PP à Parque Escolar durante a pré-campanha e campanha eleitoral para as legislativas de 2011 e com continuação já Governo Coelho/ Portas formado, pela mão do ministro Nuno Crato, não só ao investimento na requalificação e recuperação das escolas e equipamentos, mas ao ensino público no seu todo, na exacta proporção em que se aumentam os apoios e os incentivos ao ensino privado, indo contra o memorando de entendimento com a troika que tanto gostam de invocar para justificar o saque aos rendimentos dos contribuintes, não posso deixar de me recordar da irritação de Salazar com o modernismo do Colégio de Moimenta da Beira, inspirado na obra de Óscar Niemeyer, com um fio condutor a ligar estes 50 anos: apesar da aparente conversão à democracia, o espírito da actual classe dirigente, herdado dos avós, é o mesmo, tacanho, retrógrado e mente fechada, antes por causa do comunismo que vinha corromper a família, a tradição do Portugal "milenar" e a autoridade do Estado, agora escudado nas poupanças orçamentais e no bom uso dos dinheiros públicos.
O Prémio Valmor é aquele prémio que serve para distinguir obras arquitectónicas que, passados 50 anos, são derrubadas para um qualquer muito moderno, muito pós-moderno, muito muito essas coisas todas Tomás Taveira construir cagalhões, não é?
O ataque ao World Trade Center, dizem que é o que faz lembrar The Cloud, o projecto residencial dos holandeses MVRDV em Seul. Vai grande, e avançada, a polémica por esse mundo fora. Por cá nem por isso. Entre réplicas Quinta do Conde e taveiradas, passando pelo estilo neo Raul Lino, ultrapassada que foi a fase telhado de emigrante, cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas, como na canção.
A arquitectura é uma interpretação pessoal da organização dos espaços e dos seus elementos e ao mesmo tempo uma arte com uma linguagem universalista, sem fronteiras, global. Não existe «arquitectura portuguesa contemporânea» coisa nenhuma.
… E como diz o pagode: “os exemplos vêm de cima”, uma leva inevitavelmente a outra.
By the way, qual é o pai e a mãe dignos desse nome que põem «uma das crianças a dormir na marquise»? Já não lhes bastava o mau gosto que ainda por cima não gostam dos filhos.
Sobre a notícia do dia, e sobre as fotos que a ilustram – e desculpem lá mas vou ver isto pelo lado estético; tem de ser visto em primeiro lugar pelo lado da estética; a trafulhice para depois – só me ocorre uma coisa: Não é uma questão de falta de gosto; é mesmo Mau Gosto!Que Grande Mau Gosto! Que Grande Mau Gosto!Que Graaaaande Mau Gosto! (Prontes! Já libertei a minha raiva).
E os gostos discutem-se sim senhor!
O dinheiro gasto para construir uma casa feia, é exactamente o mesmo que se gasta para construir uma casa bonita. Os materiais são os mesmos. É uma questão de gosto. De bom gosto.
E aqui, o mínimo dos mínimos era o respeito pelos materiais da região e pela tradicional traça arquitectónica. Não era pedir muito.
Senhor assinante dos projectos; senhores autores dos projectos: façam o favor a vós próprios, comprem esta revista, e também esta. Vão ver que não dói nada. São só uns euritos por mês; o que é isso? E o povo agradece.
Também podemos ver a coisa por outro prisma. Ou melhor; o mesmo prisma, por outro ângulo: o ideal de urbanismo que existe dentro das cabecinhas de quem projectou estas casas, reflectida no dia-a-dia da governação, e das ideias que se têm para Portugal. Somemos a isto os projectos PIN e aqui temos um resultado bombástico. Literalmente.
(Uma atenuante: a culpa não é deles. É de quem lhes passou o diploma de fim de curso; de quem os habilitou profissionalmente. Em última instância, de quem lhes deu emprego.)
Adenda: via Atlântico, descubri os restantes "cagalhões". Aqui.