"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Se Sousa Mendes salvou mais vidas que Schindler porque é que não tem um nome tão conhecido/ famoso?
«With the Nazi invasion of France came an order from Portugal that no Jews or dissidents be granted passage. But one man stood tall against the decree – and in issuing visas for 30,000 people, Aristides de Sousa Mendes was to risk everything. Seventy years on, the people whose lives he saved are battling to restore his honour...»
Começo o post com uma declaração de interesses: Votei em Fernando Pessoa.
Em editorial assinado no Público de hoje, José Manuel Fernandes (JMF) aponta os “ Quatro motivos para a eleição de Salazar não ser esquecida”.
Procurando justificações para o facto de os dois primeiros lugares do pódium terem sido ocupados por Salazar e Cunhal que “representam o que não se quer que Portugal seja, mas que ainda é em boa parte”, JMF avança que “foi o voto militante que derrotou a dispersão de votos nos outros candidatos, mas que existam ainda tantos militantes em nome deste tipo de figuras é um sinal de atraso do país.”
Plenamente de acordo. Aliás em posts anteriores arrisquei mesmo avançar que o vencedor seria Álvaro Cunhal, eleito pelo lobby que colocou a ceifeira de Baleizão nos 15 primeiros. Falhei; não por muito, mas falhei.
(O PC deve estar neste momento a pensar se terá sido boa aposta a defesa de Cunhal nas mãos de Odete Santos. De cada vez que a “camarada” abria a boca, o telefone tocava a favor de Salazar. Mais valia ter apostado em Pacheco Pereira.)
Onde JMF falha, a meu ver rotundamente, é na análise ao terceiro lugar de Aristides Sousa Mendes.
“Porque é que surge tão bem colocado? Só há uma explicação: foi o voto de refúgio para os que desejam enviar um sinal contra a polarização da corrida entre o ditador e o comunista.”
Num país onde em inquéritos de rua à porta de uma Universidade (!!!) e em concursos de televisão, Américo Tomaz é identificado como o primeiro Presidente da República a seguir ao 25 de Abril, e Sá Carneiro como ex-preso político, quem é que sabe quem foi Aristides?
Não! Foi também o mesmo voto militante. Custe-lhe o que custar, foi o chamado lobby judaico, em defesa de um “justo” com árvore plantada na Alameda, e tudo.
Não estando em causa os inegáveis princípios e valores humanistas que estiveram por detrás da atitude de Aristides Sousa Mendes (valores que aliás partilho em absoluto), JMF não pode querer aplicar um determinado raciocínio a dois finalistas e ignora-lo para outro. JMF está a cair no “politicamente correcto”; para não ser acusado de anti-semitismo faz uma interpretação enviesada da classificação; essa sim, uma atitude anti-semita.
Seria útil ao director do Público dar uma passagem de olhos por um livro de Hannah Arendt intitulado As Origens do Totalitarismo.