"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A cerimónia de abertura do ano judicial, aquele acontecimento sazonal, onde vão os mesmos do ano anterior dizer as mesmas coisas que eles próprios tinham dito há um ano na mesma ocasião, apontar os males de que padece a justiça que já tinham sido apontados no ano anterior, e fazer os mesmos processos de intenções para o ano que entra que já haviam sido feitos no ano transacto e nunca cumpridos. E assim sucessivamente.
Se eles próprios não se levam a sério porque é que esperam que o cidadão anónimo os leve?
Com o sucesso que foi a reforma do mapa judiciário, traduzido na nova "justiça de proximidade", aliado ao colapso do Citius e ao caos que ainda se faz sentir, com as vozes já se vão fazendo ouvir e mais algumas, cada vez menos avulso, a propósito da aberração que é num Estado de direito alguém poder estar preso um ano sem saber do que é acusado, era uma cerimónia com um ror de 'desanca-Governo' de criar bicho, a replicar em todas as aberturas de todos os telejornais e ainda mais uns separadores best of, com música a condizer, como agora se usa nos canais de notícias no cabo.
Cavaco, O Avisador, avisa que a Constituição não foi suspensa, o que não o impede de suportar, e se calhar até de incentivar [naquelas diligências que toma fora dos olhares da populaça, discretas como ele diz, e não se cansa nunca de puxar dos galões para mostrar que é mui influente e mui empenhado na resolução dos problemas da Nação] o Governo que mais ataques fez à Constituição desde o dia 25 de Abril de 1976 e ao orgão de soberania que zela para a Constituição não seja suspensa, o Tribunal Constitucional.
Cavaco, O Avisador, também podia avisar que a Constituição não foi revista e que o projecto de revisão constitucional encomendado pela dupla Passos Coelho/ Miguel Relvas a Paulo Teixeira Pinto continua assim mesmo, um projecto, encafuado na gaveta para onde foi atirado à pressa depois da polémica que levantou e das reacções adversas que provocou, e que o partido que ganhou as eleições com um programa de Governo nos antípodas daquilo que tem sido a sua acção governativa não pode aplicar por portas travessas uma Constituição que não foi suspensa nem sequer foi revista.
Cavaco, O Avisador, calado é um poeta. E ganha um álibi: o de que a sua aparente condição de mudo não é mais do que diligências que toma, fora dos olhares da populaça, discretas, porque é mui influente e mui empenhado na resolução dos problemas da Nação, e no apoio ao Governo que governa segundo uma Constituição que não foi revista e num programa que não foi sufragado nas urnas.
Para o ano estão lá outra vez os mesmos a falar das mesmas coisas, como já estiveram o ano passado e o ano anterior ao ano passado e ao ano anterior ao ano anterior. Por enquanto o povo encolhe os ombros e dá o desconto.
Aos 27 dias do mês de Janeiro do Ano da Graça de 2010 o Ano Judicial é oficialmente aberto com pompa e circunstância e discurso do senhor Presidente da República e tudo.
Eu disse 27 - vinte e sete - 27 dias; que são os dias que o país inteiro já leva de avanço em trabalho e em pagamento de impostos? Podiam ter “aberto” o ano no dia 2 de Fevereiro, sempre era numa segunda-feira, o dia a seguir à folga, e no princípio do mês…