Che Guevara na Atlântico
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No número de Agosto da revista Atlântico, há um artigo que me merece especial atenção. Couve de Bruxelas, assinado por Henrique Burnay (HB). Reza assim:
A Estátua Que Não Se Faz
«Os americanos fizeram uma estátua às vítimas do totalitarismo comunista, mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma. Os dois lados da ‘Europa’ têm memórias diferentes. O problema é que se não se entendem quanto a quem eram os maus, como é que vão concordar sobre quem são os bons?»
O problema, caro HB, não reside em os europeus não se entenderem. O problema está na eterna perspectiva norte-americana em dividir o mundo entre “bons” e “maus”. O problema está na rapidez com que os norte-americanos, partindo da visão maniqueísta que têm do mundo, erguerem estátuas. E também as derrubarem.
«Tune Kelam, eurodeputado e um importante político estónio, foi à inauguração do memorial destinado a homenagear as cem milhões de vítimas do comunismo, erguido em Washington (…)» escreve HB; muito bem, fosse o monumento aqui mais perto e eu também iria, sem sombra de dúvida. Mas o problema é muito maior que isso. Lestos a homenagear as «vítimas do totalitarismo comunista», que passou ao largo dos EUA, os americanos esquecem-se de homenagear, por exemplo, as vítimas do McCartismo surgido como resposta histérica da “inteligentia” americana ao comunismo; e que não foram tão poucas como isso. Partindo do princípio que vítima não é só aquele que perde a vida. Mas se for só aquele que perde a vida, esquecem-se, por exemplo, de homenagear as vítimas das ditaduras militares na América Latina, inventadas e apoiadas pelos EU, também como reacção ao perigo comunista.
O problema, visto daqui, deste lado da Europa, é que os EU têm problemas em lidar com a sua história recente, e, absolutamente nenhuns quando se trata da história que fica para além dos limites geográficos das suas fronteiras, e principalmente da Europa. Daquela Europa que foi “ganha” para o “lado de cá” pela Guerra-Fria e pelo colapso económico dos comunismos.
Quando HB escreve «mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma» traz-me à memória uma célebre entrevista da Rolling Stone ao músico norte-americano Frank Zappa, em que ele dizia não compreender porque é que os europeus falam diversas línguas e têm diversos governos. «É pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma», mas não é de todo improvável nem impossível que os europeus de Tallin ou de Varsóvia, por exemplo, venham a fazer a sua. E não será por isso que deixaremos de ser mais ou menos Europa; que o projecto europeu se deixará de concretizar. Esta é a riqueza do Velho Continente, e dá pelo nome de diversidade histórica e cultural. Não perceber isto é fazer figura de Frank Zappa, que, com este célebre comentário, definiu o pensamento do americano médio. E fazer figura de Frank Zappa, por razões que não ligadas à música, é fazer uma triste figura.
É fácil erguer estátuas. Ainda mais fácil é derrubá-las. Recordo-me de ver em directo na TV os milhares de alemães, armados de escopros, martelos e picaretas, que participaram no derrube do Muro de Berlim, essa estátua à Guerra-Fria. Da sua genuína alegria. Da sua esperança num mundo novo.
Recordo-me de ver, também em directo pela TV, uma praça de Bagdad. Três dúzias de soldados americanos, armados… com armas. Derrubavam a estátua do ditador sanguinário Saddam. Eram acompanhados na operação por meia dúzia de timidos iraquianos.