"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O ódio ao bem-estar e à qualidade de vida, adquirida pelos portugueses nestes anos de democracia, é de tal ordem que a desonestidade [e a raiva] do senhor lhe dá para invocar um país onde o Estado não existe, quanto mais o Estado social, imagem de marca da Europa das liberdades, direitos e garantias.
O 2.º mais rico de Portugal, hoje, porque amanhã não se sabe, a fazer fortuna desde o tempo da rigidez da legislação laboral, dos direitos e garantias dos empregados colaboradores, dos salários mínimos e dos subsídios de desemprego e indemnizações por despedimento, proibido sem justa causa, da Lei da Greve, dos contratos colectivos de trabalho e do poderio dos sindicatos dominados pelos comunistas, nada que alguma vez o impedisse de galgar rankings dos que um dia hão-de ir para a cova com o caixão forrado a notas, de euro e dólar, e de pagar impostos na Holanda, porque lhe dá mais jeito e porque a sua formação enquanto ser humano não lhe permite ver mais longe que o porta-moedas e contribuir com uma percentagem da riqueza acumulada para o bem comum e para quem trabalhou para o colocar no pedestal onde se encontra.
O ritual cumpriu-se este fim-de-semana os dois dias em que as contas bancárias de Alexandre Soares dos Santos e de Belmiro de Azevedo ficaram mais recheadas graças ao bom coração e aos espírito solidário do português anónimo sem que haja da parte do 2.º e 3.º homem mais rico de Portugal, respectivamente, qualquer contribuição para a causa. Lucro, lucro, lucro, a caridadezinha cumpriu a sua função, os escuteiros desempoeiraram as fardas e venderam calendários para 2016 e algumas consciências vão agora dormir descansadas. Até à próxima campanha.
Descontando aquela parte, numa primeira fase de omissão depois de branqueamento, dos crimes do comunismo, de Estaline a Brejnev. O que é bom lá não é bom aqui ou o que é bom aqui não é bom lá ou vamos fazer de conta que abominamos aqui aquilo que omitimos lá, o paraíso na terra que só deixou de ser por causa da cedência de Gorbachev à ofensiva capitalista, e que só quem engana o pagode são os partidos de direita, com o PS e Mário Soares, que não é peixe nem é carne, à cabeça:
O mui popular e internacionalizado amaricano "If you pay peanuts, you get monkeys" traduzido para Pingodocês: "Não há ninguém que vá trabalhar com gosto, ganhando pouco. O salário mínimo nacional de 500 ou 520 euros não dá para nada". Podendo contudo haver quem vá por um salário de 600 ou 650 euros mensais, que já dá para tudo, trabalhar 10, 12 ou mais horas por dia, e sem que ganhe um cêntimo que seja por cada hora extra trabalhada. E vai de gosto e com gosto. O marido ou a mulher porque estão 10, 12 ou mais horas por dia sem aturar o cônjuge, os pais porque estão 10, 12 ou mais horas por dia sem aturar os filhos. De Janeiro a Janeiro. Alegria no trabalho e famílias estruturadas.
"A greve é fundamental, as pessoas devem ter direito à greve, mas não é por dá cá aquela palha". Não explicou, também não lhe perguntaram, como é que com uma Lei da Greve dos idos do PREC conseguiu cobrir o país de Norte a Sul com uma cadeia de supermercados, chegar a segundo homem mais rico de Portugal, 609º mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 2,8 mil milhões de dólares, e ainda internacionalizar a empresa para a Polónia e tentar a América Latina.
Para esta direita, herdeira e descendente directa do Estado Novo e que fez a transição da ditadura para a democracia, da União Nacional para o PSD à pala do "pensamento político de Sá Carneiro", o que quer que isso possa significar, é sempre conveniente assacar culpas ao regime democrático e à revolução de 25 de Abril de 1974 pelos males do Portugal moderno do que ao fascismo, pela descolonização que não quis fazer, e a Marcelo Caetano pelo que não soube, não quis e ignorou.
Este foi aquele fim-de-semana em que, graças ao humanismo e à solidariedade dos portugueses, o n.º 2 e o n.º 3 no top 25 da lei da selva ficaram um pouco mais gordos para o ataque ao n.º 1.
Mais uma loja do comércio tradicional fechada na baixa de Setúbal. É a crise, diz o povo. Uma loja de vestidos de noiva e fatos para casamentos, com mais de 30 anos de actividade. A crise a dobrar. Ninguém casa porque não há casa nem emprego e depois não nascem bebés. "O que é que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal", perguntava o vazio técnico que ocupa a cadeira da Presidência da República como se não fosse nada com ele. Uma potência elevada a outra potência tem por base a mesma e por expoente o produto de expoentes, explicam os matemáticos. "Encaramos a crise como uma oportunidade para a adaptação do nosso modelo económico e para o fortalecimento da economia portuguesa", dizia, aqui há uns tempos, o primeiro-mentiroso. Uma oportunidade para engordar contas bancárias e forrar a papel de jornal as montras dos outros.