"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O trapaceiro também podia ter dito que a construção do novo aeroporto vai dar trabalho, directa e indirectamente, na novilíngua a milhares de "colaboradores" provenientes dos PALOP, com baixas qualificações, baixa formação profissional, ao sabor de empreitas, sub empreitadas e sub sub empreitadas, que vão maximizar a mais-valia do empregador, e acabar por ficar por aí aos caídos nas periferias das cidades terminada a obra. Começámos a ver este filme em 1994 com Lisboa Capital Europeia da Cultura, com reposição quatro anos depois na Expo 98, e depois em 2004 com os estádios do Euro e toda a infra-estrutura à volta.
Só que o trapaceiro não pode dizer isto, contra o risco de se desmontar publicamente na contradição de ser contra a imigração de chinelos com meias, potenciada pela forma como as adjudicações são efectuadas e pelo fechar de olhos da tutela, e querer um aeroporto construído em tempo normal, quanto mais a um ritmo que nem na China, outra coisa a evitar referir nas tretas que debita.
Que vai ser muito bom para a terra, o aeroporto. Que vai trazer muito desenvolvimento, o aeroporto. Que vai criar muitos postos de trabalho, o aeroporto. Por estes dias nas televisões, na vertigem do microfone pessoas que estão fartas de ter qualidade de vida no sítio onde vivem.
Miguel Relvas, que em 2008 achava que o país ficava a ganhar com opção Alcochete, até porque a ideia era dele, "em 2007 fui eu, primeiros!", é o Miguel Relvas que em 2023 insinua sobre a identidade dos proprietários dos terrenos [a partir do minuto 10:45]. Miguel Relvas sabe perfeitamente quem são os proprietários dos terrenos e, pela pergunta, quem não sabe fica automaticamente a saber que são de alguém que não é da área do PSD. A chico-espertice de levar isto para outro nível, onde o impacto ambiental, económico, e até político, "margem sul jamais", não interessam nada para o debate, reduzido que fica a interesses privados, mais-valias, clientelas e amiguismos politicos, e subsequentes financiamentos partidários. Miguel Relvas foi estudar mas regressou igual ao Miguel Relvas antes do canudo, sem a puta da vergonha na cara, promovido a senador e a fazer o que melhor sabe, mexer na merda com uns pauzinhos e lançar lama no debate.
Pessoas que aterram em Luton e papam 45 minutos de bus até Londres, ou que aterram em Stansted e levam com mais de uma hora até Marble Arch, indignados por o aeroporto ir para Alcochete. Devem estar a gozar com os que de Heathrow até Victoria Station vão uma hora de pé no underground em hora de ponta, mind the gap, ou com aqueles que vindos de Gatwick gramam, sem respingar, uma hora e cinquenta minutos também de bus até ao dito arco de mármore.
Parece que agora a ideia é investir numa pista temporária no aeroporto lacustre do Montijo até o de Alcochete estar pronto lá para dois e e trinta e não sei quantos [até vão mudar a lei e tudo, não vá algum presidente de câmara ter veleidades] com um pronto, quase novo, com poucos quilómetros de serviço, como aqueles carros em segunda mão que se compram na CarNext ou na Benecar, passe a publicidade, e que serve de pouso a moscas, no meio caminho quilométrico de Lisboa a Faro, e já agora Sines, de onde se vê o canal do Panamá, como disse o outro de quem já ninguém se lembra, e ao mesmo caminho horário que os bifes, mais os estrangeiros que visitam Londres, têm de percorrer quando chegam à capital da ilha. Lembrei-me destes exemplos ingleses só porque estamos sempre a chorar que venham para o Algarve, para o turismo da pint e de fazer merda na rua, enquanto se vomitam todos, a seguir à ressaca da noite anterior passada a avermelhar ao sol no areal mais próximo, porque há mais aeroportos nas mesmas condições, noutras latitudes.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha, Mamo à hora que eu quero porque a cabrita é do contribuinte"
Ferreira do Amaral ministro das Obras Públicas assina o contrato de concessão das pontes sobre o Tejo à Lusoponte. Para os mais esquecidos, era primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.
Acontece uma reviravolta impensável e, o aeroporto que era para ser na Ota, afinal vai ser em Canha. Diz-se e escreve-se por todo o lado que Cavaco Silva Presidente teve um papel determinante na relocalização do aeroporto. Quiçá para fazer o jeito ao amigo Ferreira do Amaral, agora à frente dos destinos da Lusoponte; não?
Com 12 anos de intermezzo nesta ópera, os mesmos actores, se bem que um – Ferreira do Amaral – tenha passado a figurante.
Concordo com o que escreve Paulo Gorjão. Mas convém também não exagerar!