"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Pessoas que aterram em Luton e papam 45 minutos de bus até Londres, ou que aterram em Stansted e levam com mais de uma hora até Marble Arch, indignados por o aeroporto ir para Alcochete. Devem estar a gozar com os que de Heathrow até Victoria Station vão uma hora de pé no underground em hora de ponta, mind the gap, ou com aqueles que vindos de Gatwick gramam, sem respingar, uma hora e cinquenta minutos também de bus até ao dito arco de mármore.
Parece que agora a ideia é investir numa pista temporária no aeroporto lacustre do Montijo até o de Alcochete estar pronto lá para dois e e trinta e não sei quantos [até vão mudar a lei e tudo, não vá algum presidente de câmara ter veleidades] com um pronto, quase novo, com poucos quilómetros de serviço, como aqueles carros em segunda mão que se compram na CarNext ou na Benecar, passe a publicidade, e que serve de pouso a moscas, no meio caminho quilométrico de Lisboa a Faro, e já agora Sines, de onde se vê o canal do Panamá, como disse o outro de quem já ninguém se lembra, e ao mesmo caminho horário que os bifes, mais os estrangeiros que visitam Londres, têm de percorrer quando chegam à capital da ilha. Lembrei-me destes exemplos ingleses só porque estamos sempre a chorar que venham para o Algarve, para o turismo da pint e de fazer merda na rua, enquanto se vomitam todos, a seguir à ressaca da noite anterior passada a avermelhar ao sol no areal mais próximo, porque há mais aeroportos nas mesmas condições, noutras latitudes.
"Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha, Mamo à hora que eu quero porque a cabrita é do contribuinte"
Assim de repente, já tivemos um ministro que se demitiu por causa da queda de uma ponte, onde não era tido nem achado, um ministro que se demitiu por causa de uma anedota de alentejanos, um ministro que se demitiu por suspeitas de fuga ao fisco, que depois se provaram infundadas, e um ministro que foi demitido por ter simulado uns corninhos com os dedos para um deputado na bancada da Assembleia da República. Hoje temos um ministro que nove meses depois, e só depois de um trabalho de investigação jornalística que gerou uma onda de revolta e de indignação nas redes e que trouxeram a reboque os partidos políticos, aparece no Parlamento, inchado que nem um gigante de dois metros, a ser engraçadinho, a ironizar sobre o atraso de toda a gente à defesa da Lei e da Ordem e do Estado de direito e dos direitos humanos, se procurarem bem vão ver que está ao lado de Luther King em algumas fotos nas marchas pelos direitos civis, enquanto a polícia que tutela continua em roda livre, a patrocinar posts no Facebook de organizações clandestinas que fomentam o ódio, o racismo e a xenofobia, pejadas de elementos ligados à extrema-direita. É este senhor, um pantomineiro que não sabendo nada de nada sobre qualquer que seja o tema em discussão consegue perorar durante horas sobre o assunto parecendo a maior sumidade mundial na matéria, que o primeiro-ministro, António Costa, insiste manter em funções.
[Na imagem print screen, de post já apagado, no Facebook da GNR]
No partido onde toda a gente enche a boca com o "exemplo Jorge Coelho" para atirar à cara dos outros quando dá jeito, nove meses passados sobre o assassinato de um cidadão estrangeiro às mãos da "polícia dos estrangeiros", o ministro Eduardo Catita [não é gralha] não só continua alegremente em funções como até recebe delegação de funções do primeiro-ministro, António Costa, para encerrar debates parlamentares, enquanto o Estado, numa confissão de impotência para cumprir e fazer cumprir a lei e zelar pela segurança de todos os cidadãos, nacionais ou não, manda instalar um "botão de pânico" na sala de tortura que o SEF tem na Portela de Sacavém para que os perigosos imigrantes, que são culpados de tudo até prova em contrário, possam recorrer caso se sintam ameaçados, esquecendo-se de instalar também um botão de pânico para o botão de pânico, inacessível quando algemados a uma mesa ou cadeira.
Quinta-feira, 3 de Maio. Entro no aeroporto da Portela para fazer o check-in. Voo Lisboa – Luton. À entrada, nas escadas rolantes, encontro uma bolsa de uma câmara digital Sony e respectivo cartão de memória.
Dirijo-me ao segurança mais próximo. «Boa-tarde, acabei de encontrar isto no chão… achei por bem entregar, vá-se lá saber o que contém este cartão e os transtornos que a sua perda possam causar ao seu proprietário…». «Amigo…», responde o segurança, «eu não quero saber disso para nada! Entregue isso a um polícia qualquer! E se não encontrar nenhum, fique com isso se quiser, ou então… Pregue com isso no caixote do lixo!»