"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Temos Marcelo, o que aparecia todos os dias a todas as horas em todas as televisões a comentar assuntos de todos os ministérios. As pessoas nem sabiam quem era o ministro mas lá estava o Marcelo a largar postas sobre matérias que não eram da competência do Presidente. Temos Marcelo, que convoca Conselhos de Estado por tudo e por mais um par de botas, alguns com a ideia implícita de pressionar a oposição, outros com o fim de pressionar o Governo, como se o Conselho de Estado fosse uma segunda câmara do Parlamento. Temos Marcelo, o que não se inibe de publicamente pedir a demissão de ministros em situações em que o ministro nem sequer foi tido nem achado, nem pouco mais ou menos, como se o Governo respondesse perante o Presidente e não perante a Assembleia da República. Temos Marcelo, o que dissolve governos com maioria parlamentar por causa de um chumbo orçamental exacerbando as suas competências constitucionais. E temos o Donaltim de Marcelo que no jornal do militante n.º 1 do partido de Marcelo e na FOX News do partido de Marcelo - SIC Notícias, aparece com a maior cara de sonsa preocupada com "Gouveia e Melo a entrar no palácio de Belém com o país sem um Orçamento aprovado. O que fará? Forçará um novo OE? E se Montenegro e Pedro Nuno não se entenderem, obrigará o líder da AD a sentar-se com Ventura ou demitirá o Governo sem eleições? Voltaremos aos governos de iniciativa presidencial?". O título do post esteve quase para ser "Não ter a puta da vergonha na cara é isto".
Com o título “Ângelo, o oráculo da tragédia social-democrata”, escreve Ângela Silva hoje no Expresso:
«Mas a convicção nos bastidores do partido é que Ângelo Correia antecipou o desastre que, a crer nas sondagens (a última, publicada no ‘Correio da Manhã’, dá 26% ao PSD), se avizinha. E não quererá ficar associado a ele sem, pelo menos, e caso se confirme, poder afirmar: “Eu avisei!”»
Vamos lá a ver se eu percebi.
Ângelo Correia é aquele senhor que foi ministro da Administração Interna de Pinto Balsemão, e que, a propósito duma Greve Geral, salvo erro a primeira que aconteceu no Portugal pós-25 de Abril – e recorrendo aos termos da jornalista do Expresso – “antecipou” um golpe de Estado, com base nuns pregos espalhados numa estrada não sei onde, e em meia-dúzia de armas encontradas num carro, que se viria depois a confirmar serem pertença de uns caçadores. Apareceu na televisão a “antecipar”; caiu no ridículo; ficou para o anedotário nacional, e meteu licença sabática, com manifestas vantagens para a saúde mental dos portugueses; até que Mário Crespo se lembrou de o ressuscitar como comentador.
Ângelo Coreia é aquele senhor que contra todas as vozes mais lúcidas e avisadas dentro e fora do PSD “antecipou” que Luís Filipe Menezes seria um líder excelente, capaz de levar o José Sócrates e o PS à derrota eleitoral em 2009.
Ângelo Correia é aquele senhor, que, segundo Ângela Silva, “não quererá ficar associado” o erro de casting que dá pelo nome de Luís Filipe Menezes.
Ângelo Correia, e falando português corrente, já está a fugir com o rabinho à seringa.
Ângelo Correia é ele próprio um erro de casting; o exemplo acabado de como é saber movimentar-se dentro da estrutura partidária, num partido de Governo; a única explicação plausível para ter chegado – politicamente – onde chegou.
Ângelo Correia não é "oráculo da tragédia social-democrata"; é mais Laio nas Fenícias de Eurípedes, que, com medo da maldição de Ares, abandona Édipo, filho seu e de Jocasta, na encosta do Monte Cíteron. Todos sabemos como isto acaba.