|| Coisas que me deixam seriamente preocupado
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Fomos, muito antes da queda do Muro de Berlim, a primeira geração totalmente liberta de baias ideológicas e a quem os ícones nas bandeiras e as efígies dos queridos líderes nas lapelas dos casacos não diziam nada, melhor: absolutamente nada. E também os primeiros a piratear e a usar, em autênticas acções de guerrilha e sem pruridos de qualquer ordem, as imagens associadas às (já velhas) religiões do século XX. Como anos mais tarde as empresas de publicidade haviam de fazer, pervertendo os objectivos numa lógica comercial. E os objectivos eram o combate ao sistema político, mas acima de tudo moral e cultural, através de uma nova arma: a provocação elevada ao expoente máximo. E era por isso que na altura conseguíamos chatear de igual forma quer os herdeiros do regime anterior, “cristão novos” adaptados aos novos tempos e que haviam feito a transição para a Democracia mais as suas gravatas, quer uma Festa do Avante! inteirinha, cheia de boinas e barbudos e de “Abaixos!” e “Vivas!”.
Mas isso foi há já muuuuuito, nos idos de 1977/ 79, e entretanto muita água correu por debaixo das pontes então construídas e muita coisa mudou. O que não mudou foi o velho modus operandi da agit-prop leninista, em tresler, manipular e cozinhar os factos e as situações em beneficio de causa, e que tem Pacheco Pereira como mestre máximo na arte. A mesma agit-prop que transformou «uma camponesa valente assassinada pelo fascismo quando lutava pelo pão contra a fome» em personagem neo-realista, um ícone de enfeitar paredes de sindicatos e Centros de Trabalho. Os fins justificam os meios…
Embrulhar num vómito o GNR Carrajola, punks, skinheads (aqui demonstrando uma total ignorância sobre o que escreve), soqueiras e botas da tropa, mais o nazi-fascista Mário Machado e a as tatuagens, são medalhas atribuídas por quem tem um Lenine tatuado no cérebro, a toda uma geração que sem a orientação dos grandes líderes-educadores inventou o Rock Against Racism e as campanhas contra a fome em África e que sempre teve a noção (pirateando o Ilitch) de o que fazer. É que nós “crescemos” a ouvir dizer que uma pessoa pode deixar o comunismo, o comunismo deixar a pessoa é que é o Diabo...
By the way, é muito gauche-chic enfeitar o blogue com Zeca Afonso, mas, como diz “o outro”, dispenso lições, não de Democracia que a Democracia é uma disciplina numa aula que nunca acaba, mas de “Zeca Afonsismo”; eu que o conheci pessoalmente, de quem fui amigo apesar a diferença de idades, e de quem herdei um lema para a vida. Mesmo com botas da tropa e tudo.
Eu também nunca tive um poster de Mao Zedong nem do Che nas paredes do quarto e as personagens neo-realistas mais ou menos compostas pela agit-prop do PCP não me diziam nada. (Correcção: onde se lê “eu” e “me” deve ler-se “nós” e “nos”). Tudo nos parecia demasiado fotocópia, e a história repetia-se agora com Margaret “Dama de Ferro” Thatcher. Totalitarismos por totalitarismos… e depois eram os Red Army Faction e os Baader-Meinhof Group e as Brigate Rosse a toda a hora na televisão e nos jornais. No Futur! Rock Against Racism e o caralho, e o vernáculo ficou palavra de ordem contra a ordem estabelecida. Não tínhamos respeito por nada nem por ninguém e conseguíamos chatear de igual forma só com a nossa presença quer os herdeiros do regime anterior que tinham feito a transição para a Democracia mais as suas gravatas, quer uma Festa do Avante! inteirinha cheia de boinas e de “abaixos!” e “vivas!”; o que era uma grande medalha! O mundo ia acabar amanhã. Não acabou e tudo acabou no final do verão.
Nunca o “é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma” tinha feito tanto sentido.
(Na imagem Sex Pistols, o poster que estava na parede do meu quarto)
Jogava-se um CCCP – Portugal de apuramento para o Europeu de 84 e vi uma sala inteirinha cheia de “camaradas” nascidos e criados em Setúbal, portugueses de gerações a perder nos tempos, desde que pelo menos Fernão Mendes Pinto aqui começou a sua Peregrinação, defensores da Democracia e dos ideais de Abril e do Controlo Operário e da Reforma Agrária e das “amplas liberdades democráticas” e contra o Fascismo e contra as injustiças e de autocolante ao peito e por aí, saltarem das cadeiras como se molas tivessem debaixo do rabo a gritar "gooolooooo!" de cada vez que Manuel Galrinho Bento foi buscar o esférico aos fundos da baliza. E foram 5 as vezes que saltaram e gritaram e vibraram sem contar com os ameaços das bolas a rasar os postes e as traves.
É para levar a sério. Muito a sério.
(Imagem de Tomas van Houtryve)
Pedro Rolo Duarte (PRD), que não tenho linkado e onde chego via João Tunes, continua exímio em dar música ao povo:
Quase Todos estamos recordados – e aqueles que não estão, fachavor de dar um salto ao arquivo - dos “palpites” de PRD. Era assim como ouvir a RFM: Queen, U2, Robbie Williams, Madonna e Luís Represas na primeira hora, e Robbie Williams, Madonna, U2, Queen e Mafalda Veiga na segunda. Na terceira hora vira o disco e toca o mesmo, mas entravam os Xutos. Só grandes músicas, tocadas pelo paradigma do amiguismo lisboeta da comunicação social.
Eu vou ali e já venho.
(Imagem de Alan Villiers via National Maritime Museum)
A esta prosa que cheguei via João Tunes, e cujo post assino por baixo, só me resta acrescentar uma coisa.
Todos os anos são milhares os portugueses que trilham novamente os caminhos da imigração. Tudo seria muito mais saudável – para os que partem e para os que por cá ficam – se, ao invés da imigração ser aos milhares, fosse às unidades.
(Foto fanada no Times)
Prefácio: Eu nestas coisas sou muito radical.
Continuo a achar que, a “classe média”, a par da “classe empresarial”, em Portugal, são as duas maiores patranhas que se tentam impingir aos portugueses desde há pelo menos 34 anos a esta parte.
O que na realidade existe é uma classe de patos-bravos (termo genérico; não só na construção civil e obras públicas) que vive encostado à sombra do Estado, e a que se convencionou chamar “empresário”.
O que na realidade existe (existia?) era uma legião enorme de funcionários do Estado mais as suas famílias; famílias subsidiárias e famílias adjacentes, com salários em média superiores aos dos outros trabalhadores; com acesso a um conjunto de benesses e regalias que os outros cidadãos não tinham (não têm), e a que se convencionou chamar de “classe média”.
Quanto ao resto estamos de acordo. “O alargar do fosso social (…) os mais ricos rumando à oligarquia e ao paralelo esmagamento proletário”.
(Foto de Bill Brandt fanada no El Mundo)
Passar por aqui trouxe-me à memória um dos livros da minha vida e um acontecimento a ele ligado que iria ter uma importância determinante na minha formação cívica.
No Ciclo Preparatório de Bocage, em Setúbal, havia uma espécie de clube de leitura, dinamizado por uma professora de Português de quem não recordo o nome. Resumidamente: os alunos faziam uma contribuição mensal de alguns tostões, a professora comprava os livros, a estrear e abaixo do preço de capa (nunca (se) soube como), era feita uma distribuição aleatória das obras a ler, e, no final de cada mês, o aluno tinha de fazer um sumário - como se usava dizer -, da obra que lhe tinha calhado.
Calhou-me O Valente Soldado Svejk de Jaroslav Hasek que devorei com sofreguidão duas vezes. A primeira porque sim, tinha de ser. A segunda depois de ter sido expulso da aula de Moral e Religião por um padre-professor de quem também não recordo o nome. “Nas minhas aulas não quero literatura subversiva!” foi a justificação. O que foi motivo para o meu pai ficar de pé atrás quando naquele dia cheguei a casa mais cedo e lhe dei conta do porquê. “Oh Diabo! Essa eu não sabia… Vai haver merda!”. E vai de dar sumiço a uns quantos livros que havia lá por casa e que nunca tinham despertado o meu interesse por aí além, até aquele dia.
Contra todas as expectativas não houve merda e limpei um Muito Bom como nota sobre o Svejk.
Anos mais tarde tornei a ver o padre-que-já-não-era-professor. Andava em campanha eleitoral pelo CDS de Adelino & Diogo. Contra os subversivos, obviamente.
Olhando agora para trás não sei a quem devo ficar mais agradecido, se à professora que me deu a conhecer Jaroslav Hasek se ao padre que me deu o empurrão definitivo borda-fora destas coisas das igrejas.