"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Verdade universal, do senso comum e da óptica do utilizador, quando se reduz o caudal da água as pessoas deixam a torneira aberta o dobro do tempo para compensar. Ainda para mais em edifícios públicos, "é o Estado que paga", "cambada de ladrões", "é só encher o cu". Não aprenderam nada com a redução da capacidade dos autoclismos e as pessoas a fazerem duas descargas. Nunca mais chove, essa é que é essa.
O alegado ministro do Ambiente, que autorizou alteração à Rede Ecológica Nacional e ao ordenamento da orla costeira para permitir a construção de um campo de golfe que implicou o abate de sobreiros em Vila Nova da Cacela, Algarve, é o alegado ministro do Ambiente que quer reflectir no preço da água, bem de primeira necessidade e essencial à vida, a escassez do recurso, como se de trufas brancas para restaurante gourmet se tratasse.
Escreve António Cunha, CEO Grupo Aquapor, que o desperdício de água em Peso da Régua - entidade pública, é de 74%, ao passo que na privada de Santo Tirso se ficam pelos 10%, daí a água ser mais cara nesta última. Como as teorias económicas não funcionam no tugão como funcionam noutras latitudes e são ensinadas na escola, vide a lei da oferta e da procura em Portugal onde o preço aumenta quando a oferta diminui e torna a aumentar quando a oferta aumenta para fazer face à queda na procura, se calhar mais vale deixar a água ir por água abaixo uma vez que a mais valia de 64% da água privada vs. água pública não se reflecte no bolso dos bebe-agua mas sim no do accionista. Como diz o povo, vai mas é dar banho ao cão.
Nos idos dos fundos comunitários de Cavaco Silva primeiro-ministro toda a clientela política melhorou a qualidade de vida, sua e dos descendentes, enquanto os espanhóis construíam transvases, por exemplo. Agora, depois de um período de seca, vão toneladas de decalitros de água para o oceano. E agora é igual ao litro. Ou a chorar no molhado. Ou a quanto mais choras menos mijas. E a haver transvases construídos toda esta águinha podia ser aproveitada para regar campos de golfe no Algarve, incluindo aquele que foi aprovado com o silêncio da nulidade política que ocupa o cargo de ministro do Ambiente, e que dá pelo nome de Matos Fernandes.
Por outro lado houve um tempo em que se aprendia na escola a lezíria ribatejana que no inverno ensopava de Tejo a servir de fertilizante para as culturas. E o Mondego dos arrozais, que está agora alagado com as cheias. Do que é que as pessoas que ficaram com a casa de molho se queixam concretamente?
E que o nome dos sítios e das localidades não era assim porque sim, mas porque havia uma razão para tal, uma razão que se perdia nos tempos e na experiência de gerações e gerações que ali tinha vivido antes de nós. Por exemplo, o Rio da Figueira e a Ribeira do Livramento, em Setúbal, com o rio e a ribeira hoje tapados por alcatrão e casas à volta. Também se queixam muito da água quando chove. Ambos, os clientes políticos do PSD de Cavaco Silva e os residentes nas zonas a que não ligam a ponta de um corno ao nome nem às regras da natureza e insistem em eleger executivos camarários que urbanizam por cima de toda a folha, caduca e persistente, têm agora casas na praia, os primeiros, os de Cavaco, com campo de golfe também. Do que é que se queixam concretamente?
São dezenas de copos todos os dias só nesta máquina. Agora que já ninguém sabe beber água de outra maneira é transpor isto para a escala de uma cidade, de um país, de um continente, de um planeta. Se calhar era por aqui que os governos podiam começar o combate e dar o exemplo: erradicar estes copos de todas as repartições públicas e organismos do Estado.
Obviamente que uma família numerosa gasta mais água que uma família normal, dentro da normalidade dos tempos que correm – um filho, por descuido dois. Assim como gasta mais electricidade, mais gás, mais comida, mais roupa, mais sapatos, mais despesa médica, mais despesa com a educação, e mais tudo. E vamos fazer de conta que não sabemos que, ao contrário do que sucedia há várias décadas, não são os titulares de rendimentos baixos que têm mais filhos, por ignorância, por falta de cultura, por falta de acesso ao planeamento familiar, por falta de acesso a cuidados médicos e de métodos contraceptivos,. Antes pelo contrário, quem tem filhos, muitos, é por opção, uma classe média-alta/ alta, bem remunerada por formação académica superior, quando não empresária e proprietária, com elevado poder de compra, até para ter casa com piscina.
E nem sequer o aluguer dos contadores e os custos com a manutenção das canalizações foram contabilizados.
E uma vez que há quem ganhe dinheiro a vender água da torneira, engarrafada como água da torneira sem truques nem maquilhagens, e que, por exemplo, na vila do Luso o povo bebe água do Luso ou que na vila do Vimieiro o povo bebe água do Vimieiro, não seria de todo mal pensado acabar com a EPAL e criar a Água de Lisboa, engarrafada directamente da torneira como a congénere nova-iorquina. É que há por aí muito bom empresário do ramo das águas a precisar de incentivos e apoios do Estado como de pão para a boca.
Em 4 – quatro - 4 anos de Governo dei 3 vezes pelo ministro do Ambiente: a dar a cara pelo saque do litoral alentejano e do pouco que resta do Algarve com os projectos PIN, a propor a redução das coimas nos crimes ambientais, e a lançar a bisca para um próximo aumento do preço da água.
Um “empresário”, daqueles que nós sabemos, com aspas, dificilmente faria melhor.