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DER TERRORIST

"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.

Entre marido e mulher ninguém mete a colher

por josé simões, em 07.03.19

 

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A minha vizinha de baixo levava porrada do meu vizinho de baixo, o marido. Altas horas da madrugada e "pára! por favor!". Choro. E o som cá em cima "pam! pam! bam! catrapaz!", "por favor!" choro, gritos. Duas da manhã, agarro no telemóvel e ligo para a polícia "quero participar um caso de violência doméstica", relato da ocorrência, identificação, "vamos mandar já aí um carro patrulha", não demorou 5 minutos e tocam à campainha "polícia!", abro a porta e em alta voz escada acima "foi daqui que participaram um caso de violência doméstica?". "Sim". "Em que andar?" e lá vai o agente da autoridade escada abaixo. Toque de campainha "o seu vizinho do andar de cima participou um caso de violência doméstica...". O agressor "homessa! deve ser engano..." mais meia dúzia de palavras trocadas e ala que vai o carro da polícia, mais os polícias dentro, rua fora. De manhã, quando chego à garagem do condomínio, tenho dois pneus rasgados à navalha. 180 € e uma participação na PSP contra desconhecidos que acabou arquivada.

 

Depois disso continuaram a vidinha de pombinhos apaixonados a sair de braço dado como se nada fosse, ela de óculos escuros, muitos beijinhos e encosta a cabecinha no meu ombro. Uma vez cruzei-me com o macho man no elevador e levava uma chibata na mão. Juro.

 

Um mês e meio a dois meses depois, do andar de baixo, a altas horas da madrugada "pára! por favor!". Choro. E o som cá em cima "pam! pam! bam! catrapaz!", "por favor!" choro, gritos. O mesmo filme. Duas e meia, três da manhã, agarro no telemóvel e ligo para a polícia "quero participar um caso de violência doméstica", relato da ocorrência, identificação "vamos mandar já aí um carro patrulha", não demorou 5 minutos e tocam à campainha "polícia!". Falamos pelo intercomunicador, explico o acontecido, digo qual o andar, "abra-me a porta, sff, vou tocar à campainha no andar, o senhor não apareça para não ser identificado, vamos preserva-lo". "Agradeço, obrigado". E eu cá em cima a ouvir. "Tivemos uma participação anónima de um caso de violência doméstica neste andar". "Aqui?! Deve ser engano...". "Pois que seja engano. Se faz favor pode chamar a sua esposa para falarmos com ela?". "Ó fulana, chega aqui que a polícia quer falar contigo". [...]. "Está tudo bem com a senhora?". "Porque é que não havia de estar?!". "É que tivemos uma participação anónima de violência doméstica neste andar....". "Neste andar? Por amor de Deus, deve ser engano...". "E essas marcas na cara e no pescoço?". "Isto? Isto não é nada. Estava ali em cima de um banco a arrumar umas coisas no roupeiro e caí. Tive sorte, podia ter sido pior". "Boa noite". "Boa noite".

 

De manhã, quando chego à garagem do condomínio, tenho quatro - 4 - quatro pneus rasgados à navalha. 360 € e uma participação na PSP contra desconhecidos que acabou arquivada.

 

Entretanto venderam o andar, desabulharam daqui para fora e foram para onde Deus sabe. Sempre muito apaixonados e muitos beijinhos. A senhora continua viva, até quando não sei, que me tenho cruzado com ela na rua a espaços. "Bom dia vizinho, tudo bem?".

 

Entre marido e mulher ninguém mete a colher, vox pop. E eu gastei 540 € em borracha, mais uns trocos em calibragem e alinhamento de direcção, na minha vizinha que não queria ser salva.

 

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