"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ouvir o CDS Nuno Magalhães invocar "o coração da propriedade privada" – as heranças e as doações, no debate quinzenal no Parlamento, para questionar António Costa a propósito de uma alegada reposição do imposto sucessório, faz-me lembrar a história de Afonso VI de Leão e Castela – O Bravo, que herdou do pai, Fernando I – O Magno, o Reino de Leão, que era tudo propriedade privada, por direito e investidura divina com a bênção papal e que já vinha desde tempos remotos, até ao dia em que um tal Henrique de Borgonha, como recompensa por ter ajudado Afonso a tirar a propriedade privada a outros privados, ter levado a filha Teresa e mais um bocado de propriedade privada como recompensa – o Condado Portucalense. A partir daí é mais História, com o neto de Afonso a bater na mãe e a bater em tudo o que mexia e respirava a sul de Guimarães, a tirar propriedade privada a outros privados e a distribuir propriedade privada por privados amigos, hábito que a sua descendência nunca havia de perder até chegar ao ponto em que a propriedade privada, por razões geográficas e políticas, deixou de poder ser tirada a outros privados e começou a ser transmitida por herança, doação ou cruzamentos sanguíneos, até aos dias de hoje, dias em que "o coração da propriedade privada" vai a debate parlamentar pela mão do partido do coração da propriedade privada, ex partido do ex-combatente, da lavoura, do contribuinte, do idoso do reformado e que me desculpem os que ficaram esquecidos.
Mas dão jeito ao patrão, para assinar e dizer que sim e, até quando recebem do patrão em troca – que não é ganho é migalha, dão jeito ao patrão, como o exemplo a mostrar aos outros.
Pensar que todos os direitos e garantias, directas ou indirectas, do século XX, e que ainda perduram no século XXI, foram alcançadas sob a estrofe "De pé, ó vitimas da fome; De pé, famélicos da terra", coisa que não se aprende ao ler biografias de ditadores.
Deputados PSD e CDS, ex-Governo que em 4 anos andou a ajustar contas com o 25 de Abril e com 40 anos de democracia, a falar em "governação ideológica" e em ajuste de contas da esquerda com Cavaco Silva e como seu ex-Governo de iniciativa presidencial.
"Eu admito que há pessoas que prefeririam que protegêssemos os fundos de investimento imobiliário, mas esses também têm boa solução: votem no PSD, votem no CDS, e têm [isso] garantido"
A Galp Energia que, num contexto de queda vertiginosa do preço do petróleo, obteve em 2015 um resultado líquido ajustado de 639 milhões de euros, um "aumento de 71,5% face aos 373 milhões alcançados no período homólogo de 2014" vai agora mostrar a fibra cristã dos seus accionistas e conselho de administração – a famosa "doutrina social” da igreja e as não menos famosas "palavras do Papa Francisco" que dão sempre jeito invocar quando a ideia é enfeitar discursos manhosos, o espírito altruísta para com os co-cidadãos e a economia do país e, face às necessidades do Estado, poupar os portugueses a um brutal aumento dos combustíveis e reflectir o aumento do imposto nos lucros a distribuir no final do ano.
2012 | Corte dos subsídios de férias e Natal, IVA na restauração aumenta para 23%, Limites às deduções no IRS
2013 | Novos escalões do IRS, Sobretaxa no IRS, Redução dos contratados na administração pública, Cortes no subsídio de desemprego e de doença
Rectificativo | Reposição dos subsídios de férias e Natal, Aumento dos descontos para a ADSE
2014 | Reduções salariais entre os 2,5% e os 12% para funcionários públicos, Cortes nas pensões de sobrevivência, Corte de 4% no ensino superior e na FCT, Taxa sobre carros a gasóleo, Sorteio de automóveis
Rectificativo | Alargamento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade
2015 | Só as receitas do IVA e IRS contam para o reembolso da sobretaxa, Cortes nas pensões só a partir dos 4611 euros, Aumenta a taxa sobre gasolina e gasóleo, Défice acima da meta de 2,5%
Antes: O Orçamento do Estado é despesista e irresponsável porque põe em risco Portugal e a consolidação das contas, as empresas, as famílias, a criação de emprego, as exportações, o crescimento e o desenvolvimento do país, cada uma por si, não necessariamente por esta ordem, ou todas por atacado.
Depois: O Orçamento do Estado é austeritário e irresponsável porque põe em risco Portugal e a consolidação das contas, as empresas, as famílias, a criação de emprego, as exportações, o crescimento e o desenvolvimento do país, cada uma por si, não necessariamente por esta ordem, ou todas por atacado.
Saber quantas das famílias agora abrangidas pela dedução de 550€ por cada filho se podem dar ao luxo de visitar o dentista, aparelhos à parte, outro luxo.
"Ao ser retirado, o quociente faz com que os filhos passem a ser considerados como uma despesa de educação e saúde. Uma dedução de um filho valerá o mesmo que um aparelho para os dentes", disse.
A ideia que passa é que pela primeira vez em 5 anos há alguém que efectivamente governa e que se preocupa com quem é governado, que apresenta propostas, que discute alternativas, que negoceia e regateia, faz valer o seu ponto de vista e não se limita a abanar a cabeça, dobrar a espinha e "Ja, Frau. Schnell, schnell".
E, quando já todos pensávamos que estes bonecos de banda-desenhada iam desaparecer para longe e para todo o sempre, eis que regressam com cara de pau e "sentido de "Estado" escondido atrás da gravata e do título de doutor e "social-democracia sempre!".
O jornal do militante n.º 1 faz uma primeira página one size fitls all que vale para tudo e para todos em qualquer ocasião, passada, presente, ou futura, como se fosse um furo fantástico, conseguido por um acesso privilegiado a fontes muito bem colocadas em Bruxelas, sobre uma espada de Dâmocles sob a cabeça de António Costa e do XXI Governo constitucional para depois a televisão do militante n.º 1 passar o fim-de-semana a repetir, a todas as horas certas em todos os telejornais, o furo one size fits all conseguido pelo jornal do militante n.º 1. A agit-prop continua de vento em popa.