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DER TERRORIST

"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (X)

por josé simões, em 05.09.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 

In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas

A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (décimo post):
 
O Muro de Berlim
 
“O primeiro passo da «crise de Berlim» foi dado em 10 de Novembro de 1958, quando Kruschev fez um discurso público em Moscovo dirigido às potências ocidentais:
 
     «Os imperialistas transformaram a questão alemã numa fonte permanente de tensão internacional. Os círculos governamentais da Alemanha Ocidental estão a fazer tudo para despertar as paixões militares contra a República Democrática Alemã (…). Os discursos do chanceler Adenauer e do ministro da Defesa Strauss, o armamento atómico do Bundeswehr e os vários exercícios militares indiciam uma tendência inequívoca da política dos círculos governamentais da Alemanha Ocidental (…). É evidente que chegou a ocasião adequada para que os signatários dos acordos de Postdam abandonem o que resta do regime de ocupação de Berlim e, dessa forma, tornem possível normalizar a situação na capital da República Democrática Alemã. A União Soviética, no que lhe compete, transferiria para a República Democrática Alemã as funções que ainda são exercidas em Berlim por agências soviéticas.»
 
O objectivo professado da ofensiva de Kruschev, que se tornou mais urgente quando o líder soviético exigiu, duas semanas mais tarde, que o Ocidente se decidisse a abandonar Berlim no prazo de seis meses, era levar os Americanos a abandonar Berlim, permitindo que se tornasse uma «cidade livre». Se o tivessem feito, a credibilidade do seu compromisso geral de defender a Europa Ocidental ficaria seriamente afectada e o sentimento neutralista e antinuclear na Alemanha Ocidental e em outros países ocidentais iria provavelmente crescer. Mas mesmo que as potências ocidentais insistissem em permanecer em Berlim, a URSS poderia estar disposta a trocar o seu acordo pelo compromisso firme do Ocidente em negar a Bona quaisquer armas nucleares.
Quando os líderes ocidentais recusaram fazer qualquer concessão relativamente a Berlim, com o argumento de que a própria União Soviética negara os seus esforços em Postdam ao colocar Berlim Leste sob controlo total do governo e das instituições do Estado da Alemanha de Leste sem que houvesse um tratado final acordado entre as partes, Kruschev tentou de novo. Depois de uma série de conversações infrutíferas dos ministros dos Negócios estrangeiros, em Genebra, no Verão de 1959, repetiu as exigências, primeiro em 1960 e novamente em 1961. A presença militar ocidental em Berlim tem de terminar, de contrário, a União Soviética retirará unilateralmente de Berlim, celebrará um tratado de paz separadamente com a RDA e deixará ao Ocidente a negociação do destino das suas zonas de ocupação com o soberano Estado Alemão de Leste. De Novembro de 1958 até ao verão de 1961, a crise de Berlim fermentou, os nervos diplomáticos esgotaram-se e o êxodo dos Alemães de Leste cresceu até se tornar uma verdadeira torrente." (Continua).

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (IX)

por josé simões, em 04.09.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 

In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas

A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (nono post):
 
O Muro de Berlim
 
“Há várias razões que explicam por que os Americanos nunca conseguiram cumprir os seus planos de deixar a Europa. Em finais dos anos 50, os estados unidos fizeram pressão para que existisse uma força nuclear dissuasora europeia e sob um comando colectivo europeu. No entanto, a ideia não agradou aos Britânicos nem aos Franceses. Tal não se ficava a dever ao facto de os respectivos governos se oporem por princípio às armas nucleares. Os primeiros fizeram explodir a sua primeira bomba de plutónio no deserto australiano, em Agosto de 1952; (…). Os Franceses possuíam um programa de armamento atómico, aprovado por Mendès-France, em Dezembro de 1954 (…). No entanto, nem os Britânicos nem os Franceses estavam dispostos a ceder o controlo das armas nucleares a uma entidade de defesa europeia. Os Franceses, sobretudo, estavam particularmente atentos a qualquer possibilidade de os Americanos permitirem o acesso dos Alemães ao botão nuclear. Os Americanos concordaram relutantemente em que a sua presença na Europa era indispensável, que era precisamente o que os seus aliados europeus pretendiam ouvir.
Um segundo tópico que ligava os Americanos à Europa era o problema de Berlim. Graças à derrota do bloqueio em 1948 – 1949, a antiga capital da Alemanha permanecia, de alguma forma, uma cidade aberta. Berlim Leste e Berlim Ocidental estavam ligadas por linhas telefónicas e redes de transportes que se cruzavam nas várias zonas de ocupação. Era também a única rota de passagem a Europa de Leste para o Ocidente. Os Alemães em fuga para o Ocidente podiam chegar a Berlim Leste vindos de qualquer ponto da República Democrática Alemã, atravessar a zona de ocupação russa em direcção às zonas ocidentais e depois percorrer por estrada ou por caminho-de-ferro o corredor de ligação de Berlim Ocidental ao resto da República Federal da Alemanha, Uma vez aqui, tinham automaticamente direito a ser cidadãos do país.
A viagem não estava inteiramente isenta de riscos e os refugiados só podiam trazer o que pudessem transportar, mas nenhuma destas considerações impedia os jovens da Alemanha de Leste a empreendê-la. Da Primavera de 1949 a Agosto de 1961, entre 2, 8 a 3 milhões de Alemães Orientais passaram por Berlim em direcção ao Ocidente, ou seja, 16% da população do país. Muitos deles tinham instrução e eram homens e mulheres com profissão, o futuro da Alemanha de Leste. Porém, neste número contavam-se também milhares de agricultores que fugiam da colectivização rural de 1952 e trabalhadores que abandonavam o regime depois da violenta repressão de Junho de 1953.
O curioso estatuto de Berlim era, assim, um embaraço permanente e um desastre para as relações públicas do regime comunista da Alemanha de Leste. O embaixador soviético na RDA avisou sensatamente Moscovo, em Dezembro de 1959: «A existência em Berlim de uma fronteira aberta – e, para ir directamente ao assunto, sem controlo – entre os mundos socialista e capitalista leva a população a fazer comparações, ainda que de forma involuntária, entre ambas as partes da cidade, o que, infelizmente, nem sequer favorece a Berlim Democrática.» A situação em Berlim tinha a sua utilidade para Moscovo, bem como para outros. A cidade tornara-se o principal posto de escuta e o principal centro de espionagem da Guerra Fria. Cerca de 70 agências diferentes operavam ali em 1961 e foi em Berlim que as agências de espionagem soviética alcançaram alguns dos seus maiores sucessos.
No entanto, agora que os líderes soviéticos tinham aceite a divisão da Alemanha e elevado a zona oriental a estado independente e soberano, não podiam continuar indefinidamente a ignorar a permanente hemorragia dos seus recursos humanos. Não obstante, quando Moscovo dirigiu uma vez mais a atenção mundial para Berlim e gerou uma crise internacional acerca do estatuto da cidade, que durou três anos, não foi por consideração para com as sensibilidades magoadas dos dirigentes da Alemanha de Leste. Em 1958, a União Soviética estava novamente preocupada com a possibilidade de os Americanos fornecerem armas aos seus aliados da Alemanha Ocidental, desta vez nucleares. Este receio não era, como vimos, totalmente insensato, Afinal, era também partilhado por alguns europeus ocidentais. Por isso, Kruschev pensou utilizar Berlim – uma cidade a cujo destino os russos seriam de outra forma indiferentes – como um meio para bloquear a nuclearização de Bona, questão a que eram de facto muito sensíveis.” (Continua)

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (VIII)

por josé simões, em 03.09.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (oitavo post):
 
O Bloqueio a Berlim (Segunda parte)
 
“A crise de Berlim teve três consequências relevantes. Em primeiro lugar, conduziu directamente à criação de dois Estados alemães, um resultado que nenhum dos Aliados pretendera quatro anos antes. Para as potências ocidentais tinha-se transformado num objecto apelativo e atingível. (…). Depois de perceber que não podia competir com os Aliados na fidelidade dos Alemães, nem tinha força para os obrigar a abandonar os seus planos, para Estaline o resultado menos mau foi um Estado comunista na Alemanha de Leste.
Em segundo lugar, a crise de Berlim deu origem ao compromisso dos Estados Unidos em ter uma presença militar significativa na Europa por um tempo indeterminado. Isto foi conseguido por Ernest Bevin, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico. Foi Bevin que instou os Americanos a liderar a ponte aérea para Berlim, depois de Marshall e o general Clay (…) terem assegurado a Truman que valia a pena correr o risco. (…).
Todavia, em terceiro lugar, e em consequência dos dois pontos anteriormente referidos, a crise de Berlim conduziu directamente a uma reavaliação dos cálculos militares ocidentais. Se o Ocidente ia proteger os seus clientes Alemães da agressão soviética, então ter-se-ia de adoptar dos meios necessários para o fazer. Os americanos estacionaram bombardeiros estratégicos na Grã-Bretanha quando começou a crise de Berlim, que estavam equipados para transportar bombas atómicas, de que os Estados Unidos possuíam 56 na altura. Mas Washington não tinha uma política definida sobre a utilização de tais bombas (Truman estava particularmente relutante em usá-las) e se se desse o caso de a União soviética avançar, a estratégia dos estados Unidos na Europa ainda pressupunha a retirada do continente.
O repensar da estratégia militar iniciou-se com o golpe de Praga. Logo a seguir a este, a Europa entrou num período de insegurança ainda maior, com muitas referências a uma nova guerra. Até o general Clay, que não era, em geral, dado a hipérboles, partilhava os receios comuns: «Durante muitos meses, baseado em análises lógicas, pensei e defendi que era impossível uma guerra durante dez anos, pelo menos. Nas últimas semanas, senti que houve uma mudança subtil na atitude da União Soviética, que não consigo definir, mas penso poder manifestar-se com um dramatismo súbito.» Foi nesta atmosfera que o Congresso dos Estados Unidos aprovou a legislação do Plano Marshall e os Aliados assinaram o pacto de Bruxelas, em 17 de Março de 1948. O pacto de Bruxelas, contudo, era um tratado convencional a 50 anos em que a Grã-Bretanha, a França e os países do Benelux se comprometiam a «colaborar em medidas de assistência mútua se houvesse uma nova agressão alemã», ao passo que os políticos europeus estavam claramente a ficar cada vez mais conscientes da sua exposição desamparada às pressões soviéticas. (…).
Foram os Britânicos que iniciaram uma nova abordagem a Washington. Num discurso ao parlamento, em 22 de Janeiro de 1948, Bevin declarou que a Grã-Bretanha integraria com os seus vizinhos continentais uma estratégia comum de defesa, uma «União Europeia Ocidental» (…). Esta União Europeia Ocidental foi inaugurada oficialmente com o pacto de Bruxelas, mas, como Bevin explicou a Marshall, (…), tal acordo estaria incompleto a menos que se transformasse num conceito mais amplo de segurança do Atlântico Norte como um todo, o que colhia as simpatias de Marshall numa altura em que Estaline estava a exercer uma pressão considerável sobre a Noruega para que assinasse um pacto de «não agressão» com a União Soviética.
Por isso, em resposta à solicitação de Bevin, tiveram lugar em Washington conversações secretas entre representantes britânicos, americanos e canadianos para elaborara um tratado de defesa do Atlântico
Em 6 de Julho de 1948, dez dias após ter começado a ponte aérea de Berlim e imediatamente a seguir à expulsão da Jugoslávia do Comimform, estas conversações foram abertas a outros membros do pacto de Bruxelas (…). Em Abril do ano seguinte, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (North Atlantic Treaty Organisation – NATO) teve o acordo e a assinatura dos Estados Unidos, do Canadá e de dez Estados europeus.” (Continua).

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (VII)

por josé simões, em 02.09.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
 
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (sétimo post):
 
O Bloqueio a Berlim
 
"Se Estaline se deu a tanto trabalho para afirmar e reafirmar a sua autoridade na Europa de Leste, foi em larga medida porque estava a perder a iniciativa na Alemanha.
 
(Não foi mera coincidência os conselheiros soviéticos terem sido retirados da Jugoslávia em 18 de Março de 1948, precisamente 48 horas antes do general Sokolovsky abandonar a reunião do Conselho de Controlo Aliado, na Alemanha.)
 
Em 1 de Junho de 1948, os Aliados ocidentais, reunidos em Londres, anunciaram planos para criar um Estado alemão separado. Em 18 de Junho, foi anunciada a nova moeda, o Deustch Mark. Três dias depois foi posto em circulação (as notas foram impressas nos Estados Unidos e transportadas para Frankfurt sob escolta do Exército americano). O velho Reischmark foi retirado de circulação, tendo cada alemão residente direito a trocar apenas 40 destes pelos novos marcos ao câmbio de 1 para 1 e os restantes ao cambo de 10 para 1. (…).
Em 23 de Junho, as autoridades soviéticas responderam fazendo sair um novo marco na Alemanha de Leste e cortando as linhas de caminho-de-ferro que ligavam Berlim à Alemanha Ocidental (três semanas depois fechariam os canais). No dia seguinte, o governo militar ocidental de Berlim bloqueou os esforços soviéticos de alargamento do uso da nova moeda da zona oriental em Berlim ocidental, o que era uma importante questão de princípio porque a cidade de Berlim estava sob administração das quatro potências e a zona ocidental não fora até então considerada como fazendo parte da Alemanha de Leste ocupada pela União Soviética. À medida que as tropas soviéticas apertavam o controlo sobre as ligações de superfície com a cidade, os governos americano e britânico decidiram realizar uma ponte aérea para abastecer as suas próprias zonas e, em 26 de Junho, o primeiro avião de transporte aterrou no aeroporto de Tempelhof em Berlim (Ocidental).
 Ponte aérea durou até 12 de Maio de 1949. Durante esses 11 meses os Aliados enviaram 2, 3 milhões de toneladas de alimentos em 275 500 voos, com o custo de 73 vidas de tripulantes aliados. O propósito de Estaline ao fazer o bloqueio a Berlim era forçar o Ocidente a escolher entre deixar a cidade (tirando partido da ausência de qualquer garantia escrita nos protocolos de Postdam quanto ao acesso terrestre por parte dos Aliados) e abandonar os seus planos de criar um Estado alemão ocidental separado. Mas se isso era o que Estaline pretendia – Berlim era sempre para ele a moeda de troca – acabou por não realizar nenhum desses objectivos.
Os Aliados não apenas conseguiram manter a sua parte de Berlim (com alguma surpresa sua e uma gratidão maravilhada dos próprios berlinenses ocidentais), mas o bloqueio soviético, que aconteceu depois do golpe de Praga, apenas aumentou a sua determinação em continuar com os planos para a Alemanha Ocidental, para além de ter tornado a divisão do país mais aceitável aos próprios Alemães. A França juntou-se à zona dupla em Abril de 1949, criando uma unidade económica alemã ocidental de 49 milhões de habitantes (contra 17 milhões na zona soviética).
Tal como a maioria das aventuras diplomáticas de Estaline, o Bloqueio de Berlim foi uma improvisação, e não parte de um desígnio agressivo bem pensado (embora o Ocidente não possa ser acusado de o ignorar na altura). Estaline não estava disposto a entrar em guerra por causa de Berlim (se o tivesse pretendido haveria poucos impedimentos de ordem prática. Na Primavera de 1948, a União Soviética tinha 300 divisões com Berlim ao seu alcance. Os Estados Unidos tinham apenas 60 000 soldados em toda a Europa, menos de 700 dos quais em Berlim). Por isso, quando o bloqueio falhou, o líder soviético mudou de orientação. Em 31 de Janeiro de 1949, propôs publicamente levantar o bloqueio em troca de um adiamento dos planos para um Estado alemão ocidental. S Aliados ocidentais não tinham qualquer intenção de fazer tal concessão, mas foi acordado que se realizasse um encontro para discutir o assunto e a 12 de Maio a União Soviética terminou o bloqueio em troca apenas de uma conferência dos ministros dos Negócios Estrangeiros marcada para 23 desse mês.
A conferência realizou-se conforme estava programado e durou um mês, mas, como se poderia prever, não se encontrou uma base de entendimento. Na verdade, tinha precisamente começado quando o conselho parlamentar da Alemanha Ocidental aprovou formalmente em Bona a «Lei Básica» que criava um governo alemão ocidental. Uma semana mais tarde, Estaline respondeu, anunciando também planos para a criação de um Estado alemão oriental, o que aconteceu formalmente em 7 de Outubro. (A Lei Básica era deliberadamente provisória, pois destinava-se a «dar uma nova ordem à vida política durante um período de transição», ou seja, até que o país fosse reunificado). Quando a conferência se iniciou, em 20 de Junho, o governo militar instalado na Alemanha Ocidental foi substituído por Altos-Comissários dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. Foi criada a República Federal da Alemanha, embora os Aliados tenham reservado para si alguns poderes de intervenção e mesmo direito de reassumir o governo directo se o julgassem necessário. Em 15 de Setembro de 1949, depois do êxito do seu Partido Democrata-Cristão nas eleições do mês anterior, Konrad Adenauer tornou-se o primeiro chanceler da República." (Continua).
 

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (VI)

por josé simões, em 01.09.07
 
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (sexto post):
 
“A causa imediata da divisão da Alemanha e da Europa reside mais nos próprios erros de Estaline durante estes anos. Na Europa Central, onde teria preferido uma Alemanha unificada, fraca e neutral, desperdiçou, em 1945 e nos anos seguintes, a vantagem que possuía, devido à sua rigidez intransigente e à sua táctica de confrontação. Se a esperança de Estaline era deixar que a Alemanha apodrecesse até que o fruto do ressentimento e do desespero alemães caísse nas suas mãos, então errou em muitos dos seus cálculos, embora tivesse havido momentos em que as autoridades aliadas na parte ocidental da Alemanha se interrogassem da possibilidade de êxito de Estaline. Nesse sentido, a Guerra Fria na Europa foi o resultado inevitável da personalidade do ditador soviético e do sistema que dirigia.
Mas permanecia o facto de a Alemanha estar aos seus pés, como os seus opositores bem sabiam. «O problema é que estamos a brincar com um fogo tal que não temos nada com que o apagar», como se expressou Marshall no Conselho Nacional de Segurança, em 13 de Fevereiro de 1948. Tudo o que a União Soviética precisava de fazer era aceitar o Plano Marshall e convencer a maior parte dos Alemães da boa-fé de Moscovo ao propor uma Alemanha neutral e independente. Independentemente do que Marshall, Bevin e os seus conselheiros pudessem ter pensado de tais manobras, seriam impotentes para as impedir. Que tais avaliações tácticas estivessem além da capacidade de Estaline não pode ser atribuído ao Ocidente. Como Dean Acheson disse em outra ocasião: «Temos sorte com os nossos adversários.»
Analisando retrospectivamente, é de alguma forma irónico que depois de terem combatido numa guerra mortífera para destruir o poder de uma Alemanha todo-poderosa e localizada no centro do continente europeu, os vencedores se tivessem revelado tão ineficazes em chegar a um acordo pós-guerra para manter submisso o colosso alemão, tendo acabado por o dividir entre si para poderem tirar partido separadamente da sua força restaurada. Tinha-se tornado claro – primeiro para os Britânicos, depois para os Americanos, tardiamente para os Franceses e finalmente também para os Soviéticos – que a única forma de evitar que a Alemanha fosse o problema era mudar os termos do debate e dizer que era nisso que residia a solução. Foi desagradável, mas resultou. Segundo as palavras de Noel Annan, um funcionário dos serviços secretos britânicos na Alemanha ocupada: «Era detestável que, para manter afastado o comunismo, nos aliássemos a pessoas que estiveram voluntariamente com Hitler. No entanto, a maior esperança do Ocidente era encorajar os próprios Alemães a criar um Estado democrático ocidental.»” (Continua).

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (V)

por josé simões, em 31.08.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt. Pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70, a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (quinto post):
 
“Deve se claro a partir deste relato que pouco se ganha em perguntar «quem começou a Guerra Fria?» Na medida em que o objecto das Guerra Fria era a Alemanha, o resultado final, um país divido, era provavelmente aquele que todos julgavam preferível a uma Alemanha unida contra eles. Ninguém planeara este resultado em Maio de 1945, mas poucos estariam profundamente descontentes com ele. Alguns políticos alemães, nomeadamente o próprio Konrad Adenauer, ficaram mesmo a dever a sua carreira à divisão do seu país: tivesse a Alemanha continuado com quatro zonas ou um país unificado e seria quase certo que um obscuro político local da Renânia católica, situada na longínqua fronteira ocidental a Alemanha, não conseguiria alcançar o topo.
Porém, dificilmente Adenauer poderia fazer seu o objectivo de uma Alemanha dividida, por muito que o acolhesse bem em privado. O seu principal opositor nos primeiros cinco anos da República Federal, o social-democrata Kurt Scumacher, era um protestante da Prússia Ocidental e um defensor incansável da unidade da Alemanha. Ao contrário de Adenauer, ele teria rapidamente aceite uma Alemanha neutral como preço a pagar por um Estado alemão unificado que era o que Estaline parecia estar a propor. Aliás, nessa altura, a posição de Scumacher era provavelmente a mais popular na Alemanha, razão por que Adenauer tinha que agir com cuidado e assegurar que a responsabilidade por uma Alemanha dividida recaía inteiramente sobre as forças ocupantes.
Em 1948, os Estados Unidos, tal como a Grã-Bretanha, não viam com maus olhos a emergência de uma Alemanha dividida e com uma influência americana dominante no maior segmento, o ocidental. Mas, embora tivesse havido alguns, como George Kennan, que anteciparam com perspicácia este resultado (já em 1945 chegara à conclusão de que os Estados Unidos da América «não podiam fazer outra coisa senão conduzir a sua parte da Alemanha (…) para um tipo de independência tão próspero, tão seguro, tão superior que o Leste não a pudesse ameaçar»), foram uma minoria. No decurso destes anos, os Americanos, tal como Estaline, andaram a improvisar. É por vezes sugerido que algumas decisões e declarações cruciais americanas, nomeadamente a doutrina Truman de Março de 1947, precipitaram o abandono de uma posição de compromisso por parte de Estaline, a favor da rigidez, e que, neste sentido, a responsabilidade pelas divisões europeias era imputável à insensibilidade de Washington ou, pior ainda, à sua calculada intransigência. Todavia, não foi isso que aconteceu.
É que a doutrina Truman, para tomar este exemplo, teve muito pouco impacto nas opções soviéticas. O anúncio de Truman ao Congresso, em 12 de Março de 1947, de que «deve ser política dos Estados Unidos apoiar os povos livres que resistem às tentativas de dominação de minorias armadas ou por pressões externas», era uma resposta directa à incapacidade de Londres continuar a ajudar a Grécia e a Turquia, depois da crise económica britânica de Fevereiro de 1947. A América tinha de assumir o papel da Grã-Bretanha. Truman procurou por isso que o Congresso aprovasse um aumento de 400 milhões de dólares do seu orçamento de ajuda ao exterior. Para assegurar o financiamento, apresentou o pedido no contexto de uma crise de revolta comunista.
O Congresso acreditou nele, mas Moscovo não. Estaline não estava grandemente interessado na Grécia ou na Turquia, os principais beneficiários do pacote de ajuda, e compreendeu perfeitamente que a sua própria esfera de interesses provavelmente não seria afectada pela exibição de Truman para a plateia. Pelo contrário, continuou a pensar que havia muito boas perspectivas de uma divisão no campo ocidental, de que a assunção das antigas responsabilidades britânicas no Mediterrâneo Oriental pelos Americanos era o sinal e percursor. Independentemente do que levou Estaline a ajustar os seus cálculos na Europa de Leste, não foi seguramente a retórica da política interna americana. (Em Setembro de 1947, Andrej Zdanov, falando como sempre pelo seu senhor, informaria os delegados do congresso fundador do Comimform que a doutrina Truman se dirigia pelo menos tanto contra a Grã-Bretanha como contra a URSS, «porque significa a expulsão da Grã-Bretanha da sua esfera no Mediterrâneo e no Próximo Oriente»).” (Continua).

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (IV)

por josé simões, em 30.08.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt, que pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70 a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (quarto post):
 
"A partir deste momento, as coisas avançaram rapidamente. Nenhum dos lados fez ou procurou mais concessões: os Americanos e os Britânicos, que recearam durante muito tempo uma paz russo-germânica em separado e deram o seu acordo a adiamentos e compromissos para a evitar, deixaram de tomar em consideração uma eventualidade que agora podiam descartar. Em Agosto, aumentaram unilateralmente a produção da zona dupla (contra o coro de críticas de Soviéticos e Franceses). A directiva JCS 1067 da Junta de Chefes do Estado-Maior (o «plano Morgenthau») foi substituída pela directiva JCS 1779, que aceitava formalmente as novas metas americanas: a unificação económica da zona ocidental da Alemanha e o encorajamento do seu autogoverno. Sobretudo para os Americanos, os Alemães estavam rapidamente a deixar de ser o inimigo.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros Molotov, Bevin, Marshall e Bidault encontraram-se pela última vez em Londres, de 25 de Novembro a 16 de Dezembro de 1947. Foi uma reunião curiosa, uma vez que as suas relações já se tinham praticamente rompido. S Aliados avançavam com planos independentes para a recuperação da Europa Ocidental, ao passo que Estaline, dois meses antes, criara o Comimform, ordenara aos partidos comunistas da França e da Itália que adoptasse uma linha de intransigência nos assuntos internos dos seus respectivos países e incrementara fortemente a pressão sobre os países que estavam sob o controlo comunista, no que constituía agora o bloco soviético. Tal como no passado, os ministros analisaram as perspectivas de um governo alemão unificado sob controlo aliado e outras condições para um eventual tratado de paz. Mas já não houve acordo sobre a administração comum da Alemanha nem sobre os planos respeitantes ao seu futuro, pelo que o encontro foi interrompido sem que se agendasse qualquer outro.
Em vez disso, a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos iniciaram discussões tripartidas sobre o futuro da Alemanha numa cimeira alargada que teve novamente lugar em Londres, com início em 23 de Fevereiro de 1948. Nessa mesma semana, o Partido Comunista da Checoslováquia levou a cabo, com êxito, um golpe no país, que era sinal de que Estaline abandonara definitivamente a sua estratégia anterior e aceitara a inevitabilidade de uma confrontação, e não de um acordo, com o Ocidente. Ainda sob o efeito do golpe de Praga, a França e a Grã-Bretanha transformaram, em 17 de Março, o seu tratado de Dunquerque num pacto de Bruxelas que reunia, numa aliança defensiva mútua, a Grã-Bretanha, a França e os países do Benelux.
 
Nada impedia agora os líderes ocidentais e a conferência de Londres de concordarem rapidamente em estender o plano Marshall à Alemanha Ocidental e esboçarem um eventual governo para o Estado (um acordo aprovado pela delegação francesa em roca da separação temporária do Sarre em relação à Alemanha e a proposta de uma autoridade independente para fiscalizar a indústria do Rhur). Estes planos constituíram um abandono explícito do espírito dos acordos de Postdam e o general Vassily Sokolovsky, o representante soviético no Conselho de Controlo Aliado (CCA) em Berlim, protestou veementemente (esquecendo-se de reconhecer os frequentes incumprimentos desses mesmos acordos por parte da União Soviética.
Em 10 de Março, Sokolovsky condenou os planos para a Alemanha Ocidental por serem a imposição forçada dos interesses capitalistas a uma população alemã a quem era negada a oportunidade de demonstrar o seu desejo de abraçar o socialismo e repetiu as alegações soviéticas de que as potências ocidentais estavam a abusar da sua presença em Berlim – que afirmava pertencer à zona soviética – para interferirem nos assuntos da Alemanha de Leste. Dez dias depois, num encontro do CCA, em Berlim, a 20 de Março, Sokolovsky denunciou as «acções unilaterais» dos Aliados ocidentais, «enganando a Alemanha Ocidental, e que vão contra os interesses dos países pacíficos e dos Alemães amantes da paz que procuram uma unidade e uma democratização pacíficas do seu país». Abandonou em seguida a sala, seguido da restante delegação soviética. Não foi fixada qualquer data para um encontro posterior. Acabara a ocupação conjunta da Alemanha pelos Aliados: menos de duas semanas depois, no dia 1 de Abril, as autoridades militares soviéticas em Berlim começaram a interferir com a circulação de superfície entre a Alemanha Ocidental e as zonas de Berlim ocupadas pelos Aliados ocidentais. Assim começava efectivamente a Guerra Fria na Europa."

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (III)

por josé simões, em 29.08.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt, que pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70 a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (terceiro post):
 
"No entanto, estava a tornar-se evidente que as quatro potências ocupantes não se aproximavam de um acordo. Uma vez terminado o principal julgamento de Nuremberga, em Outubro de 1946, e finalizados os termos dos tratados de paz de Paris no mês seguinte, os aliados de guerra estavam unidos por pouco mais do que a sua co-responsabilidade pela Alemanha, cujas contradições passaram cada vez mais para o primeiro plano. No fim de 1946, os Americanos e os Britânicos concordaram em reunir as economias das suas zonas de ocupação numa chamada «zona dupla, mas mesmo isto não significava ainda uma divisão assente da Alemanha e muito menos um compromisso com a integração da zona dupla no Ocidente. Pelo contrário, três meses depois, em Fevereiro de 1947, os Franceses e os Britânicos assinaram ostensivamente o tratado de Dunquerque em que se comprometiam a uma ajuda mútua em caso de qualquer agressão alemã no futuro. Por outro lado, no início de 1947, o secretário de Estado americano Marshall estava ainda optimista quanto a não ser necessário dividir a Alemanha, independentemente dos acordos que fossem feitos para resolver a difícil questão da economia alemã. Sobre isto, pelo menos, o Leste e o Ocidente estavam ainda formalmente de acordo.
A ruptura efectiva aconteceu na primavera de 1947, no encontro dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França e da União Soviética, realizado em Moscovo, entre 10 de Março e 24 de Abril, e convocado uma vez mais para tentar um acordo sobre o tratado de paz com a Alemanha e a Áustria. Nesta altura as linhas de fractura eram nítidas. Os Britânicos e os Americanos estavam determinados a erguer a economia da Alemanha Ocidental para que os Alemães pudessem sustentar-se a si mesmos, mas também para contribuir para o restabelecimento da economia europeia em geral. Os representantes soviéticos pretendiam o restabelecimento das indemnizações a pagar pelas zonas da Alemanha sob controlo ocidental e com essa finalidade foi encarada a hipótese de uma administração e de uma economia alemãs unificadas tal como eram as perspectivas de início (se bem que de forma vaga) em Postdam. Porém, agora os Aliados ocidentais já não queriam estabelecer uma administração alemã unificada, porque ela implicaria não só o abandono da população das zonas ocidentais da Alemanha – o que era neste momento uma consideração política válida em si mesma –, mas, de facto, a entrega do país à esfera de controlo soviética, da a assimetria militar existente.
Como reconheceu Robert. K. Murphy, conselheiro político do governo militar dos Estados Unidos na Alemanha, «foi a conferência de Moscovo, em 1947 (…) que realmente fez descer a cortina de ferro». Ernest Bevin abandonara qualquer esperança séria de acordo sobre a Alemanha antes mesmo de chegar a Moscovo, mas para Marshall (e Bidault) este foi o momento da definição. Sem dúvida, foi-o também para Estaline e Molotov. Quando os quatro ministros dos Negócios Estrangeiros se voltaram a encontrara, em Paris, entre 27 de Junho e 2 de Julho, para discutir o radicalmente novo plano de Marshall, os Americanos e os Britânicos haviam já concordado, em 23 de Maio, em permitir que a Alemanha estivesse representada no recém-criado «Conselho Económico» para a Zona Dupla, o prelúdio embrionário de um governo alemão ocidental." (Continua).

Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (II)

por josé simões, em 28.08.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
 

In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas

A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt que pela sua extensão será publicado em vários posts.
 
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70 a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (segundo post):
 
"A estratégia anglo-americana era ditada por considerações de prudência política. Se os Alemães da zona ocidental de ocupação permanecessem dominados e empobrecidos e se não lhes fosse oferecida uma oportunidade de melhorar, nesse caso voltar-se-iam mais cedo ou mais tarde para o nazismo ou então para o comunismo. Portanto, nas zonas da Alemanha que estavam ocupadas pelos governos militares americano e britânico, a ênfase mudou logo nos primeiros tempos para a reconstrução das instituições cívicas e políticas e para a atribuição aos alemães de algumas responsabilidades nos seus assuntos internos. Isto deu aos políticos alemães em emergência uma influência muito maior do que aquela que podiam ter esperado quando a guerra terminou, e não hesitaram em explorá-la, dando a entender que a menos que os ocupantes seguissem os seus conselhos, não poderiam responder pelo alinhamento futuro da nação alemã.
Felizmente para os Aliados ocidentais, as políticas de ocupação comunistas em Berlim e nos territórios do Leste da Alemanha ocupados pelos Soviéticos não eram de molde a atrair os sentimentos nem os votos alemães. Por muito impopulares que os Americanos, os Ingleses ou os franceses fossem aos olhos dos ressentidos Alemães, a alternativa era bem pior: se Estaline pretendia genuinamente que a Alemanha permanecesse unida, tal como ordenara aos comunistas alemães que o exigissem nos anos iniciais do pós-guerra, então a táctica soviética era muitíssimo mal escolhida. Desde o início, os Soviéticos estabeleceram de facto na sua zona de ocupação um governo de liderança comunista sem o consentimento aliado e começaram a tornar supérfluos os acordos de Postdam, retirando e desmantelando implacavelmente tudo o que caiu nas suas mãos.
Não é que Estaline tivesse muitas alternativas. Nunca houve qualquer perspectiva de os comunistas controlarem o país ou mesmo a zona soviética, a não ser pela força. Nas eleições para a cidade de Berlim, em 20 de Outubro de 1946, os candidatos comunistas ficaram muito atrás tanto dos social-democratas como dos democratas-cristãos. Em resultado, a política soviética endureceu de forma perceptível. No entanto, nessa altura os ocupantes ocidentais enfrentavam as suas próprias dificuldades. Em Julho de 1946, a Grã-Bretanha vira-se forçada a importar 112 000 toneladas de trigo e 50 000 toneladas de batatas para alimentar a população da sua zona (o Noroeste urbano e industrial da Alemanha), pagas com um empréstimo americano.
O Britânicos estavam a receber no máximo 29 milhões de dólares de indemnizações da Alemanha, mas a ocupação custava a Londres 80 milhões de dólares por ano, deixando ao contribuinte britânico o pagamento das despesas correspondentes à diferença, a mesmo tempo que o respectivo governo se via forçado a impor racionamento do pão no seu próprio país (um expediente que fora evitado durante a guerra). Na opinião do chanceler britânico do Tesouro, Hugh Dalton, os Britânicos estavam «a pagar indemnizações aos Alemães». Os americanos não estavam sujeitos às mesmas restrições económicas e a sua zona não tinha sofrido tantos estragos de guerra, mas a situação não lhes parecia menos absurda. O exército americano, em particular, não estava nada satisfeito, pois o custo de alimentar milhões de Alemães esfomeados recaía sobre o seu próprio orçamento. Como disse George Kennan: «a rendição incondicional a Alemanha (…) deixou-nos toda a responsabilidade por uma parte a Alemanha que nunca foi auto-suficiente do ponto de vista económico nos tempos modernos e cuja capacidade de se sustentar foi catastroficamente reduzida pelas circunstâncias da guerra e pela derrota alemã. (…)».
Confrontados com este problema e com o crescente ressentimento alemão devido ao desmantelamento de fábricas e instalações para serem enviadas para leste, o governador militar dos Estados Unidos, o general Clay, suspendeu unilateralmente as entregas de indemnizações da zona americana à União Soviética (ou a quem quer que fosse) em Maio de 1946, dizendo que as autoridades soviéticas não cumpriram a sua parte dos acordos de Postdam. Os Britânicos fizeram o mesmo dois meses mais tarde. Estes factos assinalaram o primeiro afastamento, mas não mais do que isso. Os Franceses, tal como a URSS, ainda queriam indemnizações e os quatro aliados estavam ainda formalmente obrigados a cumprir o acordo sobre «níveis de indústria», de 1946, segundo o qual a Alemanha deveria manter um nível de vida que não fosse superior à média europeia (excluindo a Grã-Bretanha e a União Soviética). Para além disso, o governo britânico, num conselho de ministros de Maio de 1946, ainda tinha relutância em aceitar uma divisão formal da Alemanha ocupada em duas metades, a oriental e a ocidental, com todas as implicações que isso teria para a segurança europeia. (Continua).

A estátua que não se faz

por josé simões, em 31.07.07

 No número de Agosto da revista Atlântico, há um artigo que me merece especial atenção. Couve de Bruxelas, assinado por Henrique Burnay (HB). Reza assim:

 

A Estátua Que Não Se Faz

«Os americanos fizeram uma estátua às vítimas do totalitarismo comunista, mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma. Os dois lados da ‘Europa’ têm memórias diferentes. O problema é que se não se entendem quanto a quem eram os maus, como é que vão concordar sobre quem são os bons?»

 

O problema, caro HB, não reside em os europeus não se entenderem. O problema está na eterna perspectiva norte-americana em dividir o mundo entre “bons” e “maus”. O problema está na rapidez com que os norte-americanos, partindo da visão maniqueísta que têm do mundo, erguerem estátuas. E também as derrubarem.

 

«Tune Kelam, eurodeputado e um importante político estónio, foi à inauguração do memorial destinado a homenagear as cem milhões de vítimas do comunismo, erguido em Washington (…)» escreve HB; muito bem, fosse o monumento aqui mais perto e eu também iria, sem sombra de dúvida. Mas o problema é muito maior que isso. Lestos a homenagear as «vítimas do totalitarismo comunista», que passou ao largo dos EUA, os americanos esquecem-se de homenagear, por exemplo, as vítimas do McCartismo surgido como resposta histérica da “inteligentia” americana ao comunismo; e que não foram tão poucas como isso. Partindo do princípio que vítima não é só aquele que perde a vida. Mas se for só aquele que perde a vida, esquecem-se, por exemplo, de homenagear as vítimas das ditaduras militares na América Latina, inventadas e apoiadas pelos EU, também como reacção ao perigo comunista.

O problema, visto daqui, deste lado da Europa, é que os EU têm problemas em lidar com a sua história recente, e, absolutamente nenhuns quando se trata da história que fica para além dos limites geográficos das suas fronteiras, e principalmente da Europa. Daquela Europa que foi “ganha” para o “lado de cá” pela Guerra-Fria e pelo colapso económico dos comunismos.

 

Quando HB escreve «mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma» traz-me à memória uma célebre entrevista da Rolling Stone ao músico norte-americano Frank Zappa, em que ele dizia não compreender porque é que os europeus falam diversas línguas e têm diversos governos. «É pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma», mas não é de todo improvável nem impossível que os europeus de Tallin ou de Varsóvia, por exemplo, venham a fazer a sua. E não será por isso que deixaremos de ser mais ou menos Europa; que o projecto europeu se deixará de concretizar. Esta é a riqueza do Velho Continente, e dá pelo nome de diversidade histórica e cultural. Não perceber isto é fazer figura de Frank Zappa, que, com este célebre comentário, definiu o pensamento do americano médio. E fazer figura de Frank Zappa, por razões que não ligadas à música, é fazer uma triste figura.  

 

É fácil erguer estátuas. Ainda mais fácil é derrubá-las. Recordo-me de ver em directo na TV os milhares de alemães, armados de escopros, martelos e picaretas, que participaram no derrube do Muro de Berlim, essa estátua à Guerra-Fria. Da sua genuína alegria. Da sua esperança num mundo novo.

Recordo-me de ver, também em directo pela TV, uma praça de Bagdad. Três dúzias de soldados americanos, armados… com armas. Derrubavam a estátua do ditador sanguinário Saddam. Eram acompanhados na operação por meia dúzia de timidos iraquianos.