"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Nunca tive nem grande vocação nem grande jeito para pitonisa.
Já quando vou ao teatro, ao cinema, a uma exposição, or ever, faz-me sempre grande confusão aqueles grupos de iluminados que se juntam no hall ao intervalo ou à saída e vai de interpretar o que o autor quis ou pretendeu dizer. E não é só nas artes que esta minha falta de jeito se manifesta; também na política. Sou muito terra-a-terra. O que parece, é; o que é, é.
Isto para mim tem uma explicação muuuuuito simples. Dia Loureiro não sofre de Alzheimer, nem de amnésia selectiva e sabe muito bem o que fez. E o Conselho de estado é um guarda-chuva quase guarda-granizo. E Cavaco Silva é o amigo de Dias Loureiro que não quer deixar cair o amigo. O princípio muuuuuito português do “amigo do seu amigo”. E já que um não “coiso e tal” e outro “não sai de cima”, vamos andar por aqui a moer-nos ad eternum, tão certo como o Carnaval ser a um Domingo.
O que me faz muuuuita confusão são os outros; os que se sentam ao “lado do pai” no Conselho de Estado; referências da Democracia e essas coisas todas. Continuam por lá muito bem sentadinhos. E sentem-se bem no papel que lhes cabe.
Não sei se foi pela educação recebida, mas defeito não é, é feitio; eu já me tinha vindo embora. Não consigo ter a bombordo nem a estibordo personagens de determinado calibre. Calibre Xtra Large com sorriso S atirar para o carrancudo.
Recordo-me de andar Cavaco Silva a jogar ao gato e ao rato com o famoso tabu, e sai num suplemento humorístico qualquer que havia n’O Independente uma montagem com as fotos de Fernando Nogueira e Dias Loureiro, e mais o Presidente do Conselho a olhar pensativo para os dois, com uma nuvenzinha por cima da cabeça, daquelas que servem para legendar a banda desenhada onde se lia mais ou menos assim: “De quem é que eu gosto mais? Do Fernandinho ou do Manelinho?)
Foi preciso esperar 13 anos e uma crise para sabermos.
De Jorge Coelho não me admiro. Desde os tempos na Quadratura do Círculo em que ficámos todos a saber que conhecia toda a gente. Desde o varredor da rua até ao Papa. E que a todos tinha como pessoas íntegras e honestas. E que aproveitava a ocasião para lhes enviar um caloroso abraço…
Agora de Dias Loureiro. Um impoluto que anda cá por ver andar os outros. E que enriqueceu a trabalhar. E que é Conselheiro de Estado e de quem o Presidente da República não vê razões para desconfiar. Deste é que é de estranhar…
Pelas origens, pela constituição do(s) conselhos(s) de administração e até pelas figuras directa ou indirectamente ligadas ao banco, já se sabia que o BPN era o Bando Pêpêdê de Negociatas. Hoje ficamos todos a saber que é em pleno coração do ex-Cavaquistão que se situa «a maior praça do BPN». Ilucidativo.
Se esta coisa estiver correcta, «Os Conselheiros de Estado gozam de imunidade como sinal de máxima honra do cargo que ocupam. Assim um Conselheiro de Estado apenas pode ser presente a juízo com autorização prévia do Conselho que levante a sua imunidade. Ao contrário da imunidade dos Deputados da Assembleia da República que é obrigatoriamente levantada quando o crime em causa é punível com pena superior a 3 anos de prisão, a decisão do Conselho de Estado quanto ao levantamento da imunidade de um dos seus membros é livre; em caso de recusa o membro suspeito apenas responde em Tribunal quando deixar de ser Conselheiro de Estado.»
Desde o Presidente aos "outros", toda a minha gente se descarta. Fico é com a estranha sensação - será problema meu? - de ser apenas meio-descarte. Descartam-se do acessório.
Dias Loureiro disponibilizou-se para ser ouvido no Parlamento a propósito do caso BPN. O PSD disponibilizou-se para ouvir Dias Loureiro. O PCP, o Bloco e o PP também. O PS recusou. Toda a gente acha isto tudo muito estranho, à excepção do PS e de alguns blogues afectos aos socialistas.
Dias Loureiro que é conselheiro de Estado, com mais ou menos milhão, com mais ou menos idas a Puerto Rico, vê o (bom) nome arrastado na lama. Nos “faróis” social-democratas do norte da Europa, um sobrinho em 2º grau passar um cheque sem cobertura é o suficiente para um ministro pedir a demissão do Governo. Na Lusitânia ninguém se demite, ninguém é demitido, e os outros, que se sentam nas cadeiras ao lado, sentem-se confortáveis e continuam sentados.
Como dizia a avó Ilda: “Eu, com vergonha, até pintava a minha cara de preto!”
Vergonha não é ser membro do Conselho de Estado, ver o nome embrulhado e atolado numa trapalhada siciliana e, sem um pingo de vergonha na cara (como dizia a minha avó), não se demitir, porque, dali, já não há muito – diria mesmo nada – a esperar.
Vergonha são os outros, os que se sentam a seu lado - e estou a lembrar-me, por exemplo, de Mário Soares, Ramalho Eanes, Jorge Sampaio, Manuel Alegre - aceitarem continuar a sentar-se, como se nada fosse, como se nada tivesse acontecido. Estou daqui a vê-los imaginá-los à chegada: Meu caro, como vai? Como tem passado? Senhor Doutor; então e a família? E o Presidente, que o nomeou, à porta, com um sorriso de orelha a orelha, a recebê-los feito mestre-de-cerimónias.
Foda-se! foi para isto que se fez o 25 de Abril?! Pelos vistos foi.