"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Depois do sucesso que foi uma ex-ministra do Governo da Troika dutante quatro anos à frente do CDS, Cavaco Silva, que aguentou um executivo de iniciativa presidencial depois da demissão irrevogável de Paulo Portas e da desistência de Vítor Gaspar quando chocou de frente com a realidade, sem a ter a mínima noção da total indiferença com que é olhado dentro do partido que já foi seu e que só por simpatia ainda é escutado com um sorriso nos lábios e com um encolher de ombros assim que vira costas, vem apontar outra ex-ministra de Passos Coelho como factor de união e de mobilização do estilhaçado PSD. Melhor combustível não poderia haver para uma Geringonça 2.0.
Cavaco diz que nunca teve amizade com Ricardo Salgado. Nem com Duarte Lima. Nem com Oliveira Costa. Nem com Dias Loureiro. Nem com Álvaro Amaro. Nem com Miguel Macedo. Nem com Fernando Fantasia. Nem com Teófilo Carapeto Dias. Nem com Arlindo de Carvalho. Nem com _________________________ [preencher em caso de necessidade].
O sujeito que recebe duas pensões de reforma e que, enquanto Presidente da República, optou pela remuneração mais elevada desconsiderando o cargo que ocupava e a instituição Presidência da República para a qual foi eleito em eleições livres e democráticas, aparece a falar em sustentabilidade do sistema de pensões e em aumento da idade da reforma.
"O ex-Presidente da República Cavaco Silva classificou hoje a prática de nomeações partidárias para cargos dirigentes da administração pública, conhecida como jobs for the boys, como “indecorosa”."
Em 1989, ano do licenciamento, era Cavaco Silva primeiro-ministro, em 1994, ano do alerta dado pelo Parlamento, era também primeiro-ministro Cavaco Silva, logo foi "o Estado", se fosse um Governo PS, um primeiro-ministro do PS, era "o Governo" ou, melhor ainda, "o Governo socialista", assim é o Estado, aquela entidade etérea e abstracta que, para o caso, assenta que nem uma luva no Governo em funções, já com um "cadastro de culpabilidade" que vem desde os incêndios de Pedrógão aos de Monchique, passando pelos paióis de Tancos e outras ocorrências que até 2109, ano eleitoral, se vão descobrir.
Quando Cavaco um dia escrever "Quintas-feiras e outros dias em que não sou afectado pelo alzheirmer político selectivo" vai explicar como é que dos bancos ás pedreiras passando pelos fundos comunitários, desinvestimento na ferrovia, desmantelamento da agricultura e pescas, neste país nada escapou ao longo braço do "agente laranja".
A notícia do dia foi a aparição do pantomineiro do pin, sem pin, a dizer que também vai escrever um livro de memórias. Se calhar de seu nome "Sexta-feira" [e o resto da semana], em homenagem ao personagem criado por Daniel Defoe, sozinho numa ilha, contra o socialismo e o comunismo e o peso do Estado na economia.
Retirado da solução de formol onde se encontrava depositado Cavaco Silva acorda para entrar na campanha do "Não" à eutanásia. Atendendo a que o senhor deixou a Presidência da República com um índice de popularidade '5 degrees below zero' e com o prestígio da instituição e rastos isto só pode ser um sinal auspicioso e um tomar de pulso ao sentimento da sociedade portuguesa actual.
Nesta lavagem da história vale tudo, só já falta Cavaco Silva, himself, interromper a reforma e aparecer por aí numa televisão qualquer com o tradicional "eu avisei" enquanto mastiga cuspo.