"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Luís Montenegro ganhou as eleições, por poucochinho mas ganhou, e a primeira entrevista da televisão do militante n.º 1, SIC/ SIC Notícias, é ao taberneiro, medalha de bronze nas urnas. Faz sentido, no sentido da luta contra o poder do TikTok.
Bernardo Ferrão e o TikTok, Sebastião Bugalho e o TikTok, José Gomes Ferreira e o TikTok, até o Ricardo Costa, que é o menos mau de todos, com o TikTok. Abrimos na SIC Notícias e todas as explicações vão dar ao TikTok, tudo o que acontece é porque alguém domina o TikTok, o mundo explica-se através do Tik Tok, o TikTok is the new awesome. Esta gente deixa o cérebro em casa quando vai para o estúdio, esta gente tem sequer cérebro, ou esta gente é paga pelo TikTok à peça, quantas mais vezes disserem TikTok mais recebem?
Que Augusto Santos Silva corre o risco de não ser eleito deputado e que se tal acontecer é a primeira vez que um presidente do Parlamento em exercício não é reeleito e que tal é consequência de Augusto Santos Silva ter andado a provocar o Chega na Assembleia da República porque os eleitores não gostaram do que viram. Lá mais para a frente, na avença semanal que tem na televisão do militante n.º 1, Marques Mendes também falou qualquer coisa como "meridiana inteligência política" a propósito de maiorias parlamentares e presidências de comissões e assim. E esta coisa é "conselheiro de Estado".
Ouvir Bernardo Ferrão, na televisão do militante n.º 1 com a maior cara de pau, dizer que o taberneiro, coadjuvado pela Rita, se move como ninguém nas redes e plataformas, dos Facebookes aos TikeTokes passando pelo Tuitas e pelo UotesApes, e que é daí o crescimento exponencial do partido, já que os outros ficaram parados no tempo, agarrados às velhas tecnologias que nem os velhos já usam, depois de termos visto a SIC e a SIC Notícias a todas as horas com o traste em grande destaque por tudo e por nada e ainda a interromperem programação para o ouvir em directo sobre nada e mais alguma coisa. "E agora?" Pergunta a revista Sábado depois da enésima capa com o taberneiro.
Todos os telejornais na televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, a todas as horas certas, abrem com Luís Montenegro.
Todas as emissões na televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, são interrompidas, sejam elas quais forem, para uma directo com uma arruada ou uma papagaiada do taberneiro.
Quando a extrema-direita se alçar ao poder e começar o retrocesso democrático os bois têm nome.
[Na imagem o acolhimento no Capitólio antes do início do debate Pedro Nuno Santos vs. Luís Montenegro]
Como se não fosse nada temos dois militantes, ex-líderes partidários e apoiantes declarados de uma candidatura nas legislativas de 2024, a comentar em horário nobre, um apresentado como "a opinião que todos esperam" na televisão do militante n.º 1 - Marques Mendes, o outro "analisa a atualidade internacional e traduz os problemas com que nos defrontamos", na CNN Portugal. No pasa nada, é tudo análise independente, isenta e sem agenda.
Ainda Luís Montenegro tinha acabado de apresentar uma réstia de propostas de índole fiscal, caso se alce ao poder, já a televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, mais rápida que a própria sombra, estava em directo da Universidade Católica para ouvir a opinião do taberneiro sobre o que o ex-camarada de partido tinha dito. Não ouviu mais nenhum líder partidário, não ouviu mais ninguém em nome que qualquer partido, ouviu o líder do partido da taberna. Por uma daquelas ironias do destino, a que os 'amaricanos' chamam karma, logo de seguida um jornalista do semanário do militante n.º 1 foi agredido e impedido de exercer, no mesmo evento de onde a televisão do militante n.º 1 diligentemente tinha acabado de fazer um directo pé de microfone, após interromper a emissão programada, para só depois passar aos "comentadores especialistas" no estúdio. O que vale é que os cúmplices também se vão lixar, com efe grande, é a moral da história, caso percebessem de história.
Arranjar uma cara bonitinha Instagram para apresentar telejornais, sim, lamento, é assim que a coisa funciona, mas com zero preparação para andanças de congressos, zero poder de argumentação, zero pertinência e instinto político em como tomar a rédea da entrevista, total falta de conhecimento da história, da política e do papel que cada um tem em cada cargo e para desempenhar cada função. Já se tinha notado no congresso do PS, com uma tal de Nelma Serpa Pinto pela televisão do militante n.º 1, a anunciar a presença de Augusto Santos Silva "em representação da Assembleia da República" e que António Costa foi apresentado como "camarada" na chegada à FIL. Completamente à nora na convenção do partido da taberna, pé de microfone para a propaganda escorreita.
A gente liga a televisão e dá com painéis plurais de aventesmas, todos os dias do ano, a todas as horas do dia, em todas as televisões, com raciocínios dignos do cérebro de uma ervilha, se as ervilhas tivessem cérebro, com um "vamos à análise com o/ a", e a análise é a esquerda ser pior que o "Deus me livre", que os males de que padece este país se devem aos quase 50 anos de socialismo, que a solução está à direita do Parlamento, que a direita é que são uns senhores que sim senhor, incluindo o Chaga que é um partido do "quadro democrático", um upgrade do "sentido de Estado" que se aplicava ao CDS, uns rapazitos que sim senhor, e que entretanto foi morto e enterrado por Rui Rio e agora ressuscitado por Luís Montenegro, e a gente fica a pensar "como é que a direita não ganha sempre as eleições, não tem sempre maiorias parlamentares, como é que a direita não governa ininterruptamente desde que Mário Soares meteu o Freitas do Amaral a ministro, depois deste empenho todo analista-comentadeiro pago a peso de ouro?" ou, como se excreve nas redes, WTF?!
Marcelo, desde o primeiro dia do primeiro mandato, dedicou-se de alma e coração à construção da personagem Presidente, seja pela selfies, por aparecer primeiro que os bombeiros no hipermercado onde tinha caído uma avioneta, por comentar tudo em todo o alinhamento dos telejornais, por aparecer no descarrilamento de um eléctrico da Carris em Lisboa, por convocar o Conselho de Estado para se pronunciar sobre tudo o que não é competência do Conselho de Estado, por aparecer nas flash interview no final do pontapé-na-bola, por convidar Lula da Silva para uma celebração que não era da sua responsabilidade, por dar as sentidas condolências à família do George Michael, tudo, tudo. Parece que se farta de governar e até parece que o Governo anda a toque de caixa do Presidente. E para isso contou, e conta, com a prestimosa cumplicidade dos media e dos comentadeiros com lugar cativo nos media. E se perguntarem nas ruas à imensa maioria do anónimo cidadão, e desligado destas coisas da política do disse que disse, é exactamente isso que responde, Marcelo, o tal, o manda-chuva, o maestro disto tudo. Por isso não é de estranhar que no horário nobre apareçam outros aprendizes de Marcelo, Marcelos dos pequenitos, a deixar escapar que "não é inteligente [António Costa] dizer não, sem mais, ao Presidente" e, por omissão de comentário, ser inteligentíssimo o Presidente passar a vida a insinuar que pode demitir o Governo e rebéubéu pardais ao ninho enquanto vai desvalorizando a palavra presidencial. Como diz o pagode, "siga a marinha!".
[Na imagem "Sir John Barbirolli opens the Edinburgh Festival, 1957", autor desconhecido]
Disse Marques Mendes na avença semanal que tem na televisão do militante n.º 1, sem contraditório, que o preço das casas em Lisboa e no Porto mata o elevador social e que, pasme-se, até conhece quem tenha ido morar para Setúbal por causa disso. Há em Setúbal quem tenha ido morar para o Pinhal Novo por causa do preço das casas, gente que Marques Mendes não conhece, e não são tão poucos quanto isso. Assim como Almada e toda a margem sul explodiu com a fuga de Lisboa pelos mesmos motivos, depois de já ser insuportável pagar um andar desde Benfica a Santo António dos Cavaleiros, era Marques Mendes pequenino e, como é por todos sabido, "em pequenino não conta". Podemos argumentar com o preço elevado da habitação em todo o lado, à sua proporção, agora meter o "elevador social" à mistura, tadinhos dos alfacinhas e dos tripeiros...
Luís Montenegro, para não lhe estarem sempre a apontar que o seu PSD não tem nada para apresentar sobre coisa alguma, mandou Miguel Pinto Luz à televisão do militante n.º 1 para uma entrevista onde conseguiu dizer tudo e o seu contrário, dizer tudo a que o PSD se propõe para a saúde, mesmo que vá contra a tudo a que o PSD sempre defendeu para a saúde, e não dizer nada a entrevista toda, além de invocar uma proposta que o PSD tinha em 1979 para o SNS que, tirando o ter votado contra, ninguém sabe qual foi. 50 anos depois do 25 de Abril os pantomineiros continuam o seu caminho.
[...] e depois também esta parte de que menos se fala, três crianças que são os filhos deste, deste assassino, ele é um assassino mas as crianças não têm culpa, são afegãs mas são crianças [...]. Marques Mendes, um génio do comentário, a partir do minuto 23:14.