"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Leio no Público (link só para assinantes) que um tal de João Gomes pôs a circular por aí um abaixo-assinado com o objectivo de devolver à ponte 25 de Abril o nome original de Ponte Salazar. E que o senhor até tem sítio na net (não é defeito é feitio, mas não escrevo o link nem para assinantes) dedicado à causa, não da ponte, mas de Salazar himself.
Ora eu nestas coisas dos nomes e da História até tenho uma atitude muito british, as coisas são como são e como foram e não se muda nada e prontes. Mas não é por isso que eu venho aqui.
Diz o tal senhor a-morrer-de-saudades-pelo-ditador-de-Santa-Comba que «quando andou na Mocidade Portuguesa, aprendeu “uma série de coisas boas”. “Como as meninas aprendiam a bordar, por exemplo.”». E permito-me acrescentar, casavam virgens, namoravam à janela, usavam um lenço a cobrir a cabeça, não usavam calças e andavam em escolas separadas dos meninos; as que andavam. Porque mulher digna do nome de mulher não tinha nada a fazer na escola; estava ali para precisar de homem e em silêncio, porque quem geme durante o acto sexual são as putas, como é sabido.
Agora, sff, descubram as diferenças entre os saudosos tempos do senhor João Gomes e os não menos saudosos tempos do Deputado da Nação.
Estive esta manhã na esplanada do café à conversa com um senhor de quase 80 anos, que me disse ter votado em Salazar n’Os Grandes Portugueses porque quando era novo e precisou de uma habitação para «constituir família», juntou-se com «mais uns quantos» que trabalhavam «lá na fábrica», pediu um empréstimo à Caixa de Previdência, comprou o terreno, construíram o prédio, e ficaram a pagar 450 escudos (2 euros e vinte e picos cêntimos) por mês durante 25 anos. «Nem mais um tostão; só pagámos o que pedimos». «Não é como estes filhos da puta de agora que dizem que são democratas, e o meu filho, veja lá o senhor, pediu um empréstimo ao banco para pagar em 25 anos e vai pagar 15 casas até a casa ser dele!».
E vou para casa a pensar no mercado de arrendamento tão caro à Direita e nos empréstimos bancários e na Euribor e no Fundo Imobiliário e que segunda-feira vou trabalhar outra vez e que é só uma questão de tempo até parecer por aí um Haider qualquer.
(Na foto de Américo Ribeiro, uma das habitações do Bairro dos Olhos de Água em Setúbal em 1954)
Onde se recupera um texto assinado por José Manuel dos Santos e publicado no caderno Actual do Expresso de 24 de Novembro. Reza assim:
“Qualquer salazarista que olhe à sua volta conclui, com facilidade e desencanto, que afinal Salazar não está na moda. O que está na moda é dizer-se que Salazar está na moda. Um concurso de televisão, cujo escrutínio teve a fidedignidade das eleições do Estado Novo, não chega para o pôr na moda. Nem sequer uma dúzia de livros sobre ele! Nem a tentativa de fazer um museu-fantasma em Santa Comba Dão! Se o próprio Salazar voltasse à terra que longamente considerou propriedade sua, teria o sentimento de estranheza de quem visita uma casa que lhe pertenceu, mas da qual só reconhece o sítio.
Aos livros antes publicados junta-se agora o «depoimento» da «pupila» Maria da Conceição de Melo Rita (Micas). As palavras dela foram fixadas por Joaquim Vieira, que procura, nos comentários acrescentados, desviar o livro da rota de propaganda póstuma de um regime que fez da propaganda a sua arte contemporânea. A «pupila» usa um tom doméstico e reverencioso para falar do «mestre». Mas o Salazar da Micas é um Salazar de bolso, confiscado afinal da sua mais refinada perícia: a da perversidade. No livro, tudo é o que é – com ele, nada era o que era. Aqui, confirmamos que «o Senhor Doutor tinha escasso contacto directo com o exterior, confiando no testemunho dos outros para saber como iam as coisas. Ele, por exemplo, não via cinema, mas seguia os resumos que lhe faziam das comédias portuguesas de então». Aqui, ficamos a saber que, «para dormir, o Senhor Doutor não recorria ao convencional pijama, a não ser em muito rara situação de doença. Em seu lugar, usava uma camisa comprida à moda antiga». Por aqui, sabemos que Salazar ajudava à missa, mas «nunca se confessava nem comungava». Dependente da governanta, que era uma fera, dizia dela: «A menina Maria às vezes é azeda.» E invejava-a: «A menina Maria tem mais facilidade em escolher uma criada do que eu um ministro.» Micas é indiscreta: «Devo reconhecer que se prolongou por muitos anos o ritual salazarista de me visitar no meu quarto antes de recolher ao seu, a ponto de causar ciúmes à Tia Maria. Certa vez, até a ouvi atirar: - Ó Senhor Doutor, a pequena já é uma mulher. Mas ele não ligou o continuou a fazer-me o mesmo.» Sobre as mulheres que o visitavam e com as quais se suspeitava haver namoro, Micas esclarece: «Como o Senhor Doutor nunca passava noites fora, duvido mesmo que tenha havido intimidade física.»
Passa neste livro, aparentemente brando, banal e bucólico, um ressentimento subterrâneo contra a vida, um pessimismo antropológico, um primitivismo estético, um reacionarismo instintivo, uma avareza existencial, de que Salazar contaminou o país. E passa a descortesia e o desdém com que o tratava. Louvava Deus para depreciar os homens, enaltecia Portugal para diminuir os Portugueses, engrandecia o passado para esmagar o presente. E morreu a desacreditar o futuro. No final, uma pergunta corre para nós: como foi possível isto durar tanto tempo?! É esse o mistério do salazarismo. E esse mistério tem tanto a ver com o que ele foi como com o que nós fomos. Porque, como afirmou, no seu poema, Fernando Pessoa: «António de Oliveira Salazar/ Três nomes em sequência regular…/ António é António/ Oliveira é uma árvore/ Salazar é só apelido./ Até aí está tudo bem./ O que não faz sentido/ É o sentido que isso tudo tem.»”
“Não há dinheiro, não há palhaço” é um ditado muito antigo. Como não há dinheiro, alguns museus viram-se na contingência de fechar alas por falta de verba para pagar aos vigilantes. Reacção pronta da ministra da Cultura: A culpa é do Instituto dos Museus e da Conservação!
Não entrando pelo ridículo que é alguém, para o caso uma ministra, passar as culpas de uma determinada situação para um organismo que depende directamente da sua tutela; vejamos a coisa por outro prisma:
# Não há dinheiro, a menos que seja para fazer negócios com a Fundação Berardo.
Não gosto muito – não gosto nada – de misturar estas coisas; até porque são áreas diferentes, diferentes ministérios, mas a experiência diz-me que mais tarde ou mais cedo a situação será extensível a outros ministérios e departamentos do Governo:
E também pode parecer completamente descabido e que não tem nada a ver com nada mas leio hoje na P2 do Público sobre Micas, a herdeira de Salazar e do livro que acaba de lançar: “ (…) que incutia o espírito da “poupança” em casa (a governanta fazia saias com o tecido das velhas calças do então Presidente do Conselho e aproveitava os antigos roupões para fazer vestidos para a criança); que ordenou à criada para fechar a sete chaves todos os pertences do Palácio de São Bento (“entendia que aquilo era do Estado, não devia utilizar-se”); que Maria era “uma pessoa austera” e implacável com as criadas, recrutadas em orfanatos da província (transformou os jardins de São Bento num aviário cuja produção até dava para fornecer as despensas de alguns hotéis de Lisboa)”
Não digo para Isabel Pires de Lima aproveitar as calças velhas de Sócrates para fazer umas saias; nem tão pouco para Sócrates fazer “criação” em São Bento que dê para dispensar ao Ritz, nem que vista os seus filhos com restos de tecido de roupão, nem tão pouco que vá recrutar criadagem à Casa Pia… Já quanto ao: (“entendia que aquilo era do Estado, não devia utilizar-se” lembrei-me de Paulo Portas, vá-se lá saber porquê?.. Mas é por causa destas e de outras como estas que depois anda por aí tudo de boca aberta por Velho Botas ter ganho o concurso…
No tempo do senhor Presidente do Conselho é que era!
Saiu uma vez do país para ir a Badajoz dar duas palavrinhas a Franco, e foi de carro!
(Para efeitos de contabilização do nível de despesismo com esta viagem de Estado, era importante saber se o carro utilizado por Salazar era diesel ou gasolina. Infelizmente não sei…)
“Mais de 61,6 milhões de euros. Esta é a verba que o Governo prevê gastar só em deslocações e estadas no próximo ano e que ultrapassa em cerca de dez milhões o montante orçamentado para este ano: 51,8 milhões. (Mais aqui)
Vi ontem no telejornal da RTP1, uma senhora apresentada como "a protegida de Salazar" dizer que afinal estamos todos enganados acerca da personalidade do ditador de Santa Comba. Ele não era má pessoa. Tinha um grande coração e grande humanidade, que os outros, os que o rodeavam, esses sim é que eram os maus; e outras coisas do género. Fiquei sem vontade de jantar.
“Também lhe poderia chamar passado e presente, antiguidade e modernidade, etc... O facto é que as chaminés das antigas industrias conserveiras de Setúbal ainda se mantêm de pé, como que teimando com o tempo”. Nem de propósito Mário!
Jaime Nogueira Pinto, especialista em todos os “ismos” que se apresentem pela direita e o maior salazarista à face da terra – maior ainda que o próprio Salazar – escreveu ontem no Diário de Notícias que «Hoje há um approach salazarista em vários partidos. O realismo político dele, por exemplo, é adoptado por pessoas do PS.» Nada que este, e mais uns quantos blogues, não venham desde há uns tempos a esta parte a gritar. A diferença é que onde nós víamos “derivas”, JNP vem um “approach”. Nestas matérias, quem sou eu para contraditar o homem que foi advogado de defesa do ditador nos Grandes Portugueses e que acaba de editar um livro de nome António de Oliveira Salazar – O Outro Retrato? É impressão minha ou noto nas palavras de Nogueira Pinto um misto de satisfação e de orgulho pelos métodos governativos adoptados por Sócrates?
António Oliveira Salazar ganha concurso Os Grandes Portugueses com 41% dos votos, ontem na televisão pública – RTP1.
“Extrema-direita quer conquistar associações de estudantes”
Elementos da Juventude Nacionalista concorrem em lista “apolítica” às eleições, hoje e amanhã, para a associação da Faculdade de Letras de Lisboa. Aquele organismo juvenil do Partido Nacional Renovador (PNR) quer conquistar a associação da Faculdade de Direito de Lisboa e associações de faculdades da Beira Interior e do Porto.”
Primeira página do Público, hoje.
Eles andam aí! (II)
O secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa, na inauguração do novo centro de trabalho dos comunistas em Almeirim afirma que a adesão de Portugal à União Europeia foi “extremamente negativa”.
Eles andam aí! (III)
A facção mais radical do Bloco de Esquerda – Ruptura/ FER – liderada por Gil Garcia e que se reivindica da Liga Internacional dos Trabalhadores/ Quarta Internacional, vai concorrer à Mesa Nacional (o equivalente ao congresso) em lista própria contra a lista de Francisco Louçã.
Eles andam aí (IV)
Aquela que chegou a ser considerada a mulher mais perigosa da Alemanha, Brigitte Mohnhaupt, membro da Fracção do Exército Vermelho (Baader-Meinhof), foi ontem libertada após 24 anos de prisão, da cadeia da Baviera onde se encontrava a cumprir uma condenação de quatro prisões perpétuas por nove homicídios. Brigitte Mohnhaupt nunca mostrou arrependimento ou apresentou um pedido de desculpas.
“Foi um homem bom que olhou por nós, pois o funeral foi atrasado 15 dias para compor a estrada, vieram cantoneiros de todo o distrito e até electricidade puseram.”
Manuel Cordeiro, 76 anos, habitante no Vimieiro, sobre Salazar.