"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Um interessante trabalho de jornalismo era recuperar o que Carlos Moedas, Filipe Anacoreta Correia, e restante tropa-fandanga, escreveram e disseram sobre o dinheiro do contribuinte enterrado nos estádios do Euro 2004, à época também eles apresentados como uma "obra para o futuro" e "investimento com retorno", damos-lhe um porco e recebemos de volta um chouriço.
Carlos Moedas, presidente da câmara de Lisboa que se disponibilizou a disponibilizar 3 milhões de euros para apoiar lesados de umas cheias que causaram prejuízo de 49 milhões, é o Carlos Moedas, presidente da câmara de Lisboa, que despeja 4 milhões e meio de euros, por ajuste directo, parcelado por causa do ajuste directo, nas mãos da Mota-Engil, do seu ex-colega de Governo Paulo Portas, aquele que foi abrilhantar a convenção do Partido Popular espanhol com o número circense "socialistas são bons a gastar o dinheiro dos outros", na construção de uma bancada de trabalho para o Papa Bergoglio perorar sobre desigualdade e fome no mundo. É mais que um altar, é um investimento que vai servir para outras coisas, dizem em coro alto, na tribuna elevada com vista privilegiada para o altar, o sonso Moedas e o beato-presidente-beato Marcelo, aquele que anda sempre bué preocupado com os sem-abrigo e com o banco alimentar. "Outras coisas", que estão no topo da lista de prioridades dos portugueses, em geral, e dos lisboetas, em particular, a inflação, a guerra na Ucrânia, a habitação a preços acessíveis, e um palco para eventos futuros, tipo entregar a exploração ao senhor genro de Cavaco e em conjunto com o Pavilhão Atlântico criar o hub da pop/ rock, que lindo, e até dá para expor unicórnios. Assim como assim já estamos habituados a ser tratados como lorpas e a deitar dinheiro no bolso de chico-espertos.
Como diria um tal de Mateus em 26:26-28, "Tomai e comei; isto é o meu corpo. Tomai e bebei; isto é o meu sangue. Tomai e governai-vos; este é o meu dinheiro. É fartar vilanagem".
Há o Génesis 3:19, "Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás", e há o funeral do Papa com três caixões, o primeiro de cipreste, dentro de um segundo de zinco, dentro de um terceiro de carvalho, fechado a pregos de ouro, não podem ser pregos do Leroy Merlin, têm de ser de ouro. Adoramos estas merdas. Coerências entre o que se prega e o que se pratica mais os sapatos Prada, que era assim calçado que JC, o filho do carpinteiro, e os apóstolos, pescadores, andavam pela Galileia.
Mais tarde, Ho Chi Min diria ao americano Charles Fenn (1945) que para combater um adversário tão poderoso como o imperialismo francês os Vietnamitas necessitavam de «uma fé, um evangelho, uma análise prática, pode mesmo falar-se de uma bíblia. O marxismo-leninismo forneceu-me esta panóplia».
In "O Século dos Comunismos, depois da ideologia e da propaganda, uma visão serena e rigorosa". Michel Dreyfus, Bruno Groppo, Claudio Ingerflom, Roland Lew, Claude Pennetier, Bernard Pudal, Serge Wolikow
"É a democracia", chamou Marcelo a RTP a Belém para dizer, com uma embalagem de OMO nas mãos, estavam os portugueses a ver o Benfica em Paris pelo streaming da Inácio TV. "Os partidos são livres de discordar do Presidente", mais coisa menos coisa. "Eu não quis dizer que eram poucos os casos, o caso é que o caso mais antigo é de uma pessoa de 90 anos" e quando toda a gente pensava que Marcelo ia invocar o popular "em pequenino não conta", segue o raciocínio depois de pigarrear, "portanto foi há 70 anos". Mais grave a emenda que a emenda. Um fiel de 90 que foi abusado há 70 tinha 20 anos à época do abuso. "Nem abuso de menores foi, estão a ver?" deixou Marcelo insinuado no ar com recurso à Tabuada Ratinho. "Não quis dizer que 400 fossem poucos, ou muitos, esperava muitos mais". Até porque falo ao telefone tu cá tu lá com os encobridores. "Diga-me Vossa Excelência Reverendíssima como é que estamos de temores; os prognósticos? Vai ser o Dilúvio Universal, são milhares, senhor Presidente". Afinal só 400, alguns já morreram, outros morrem de vergonha só de pensar, fica tudo na Paz do Senhor". E a seguir vai comentar o Orçamento do Estado, vai dizer ao Parlamento que deve rever uma lei qualquer, coisa que não é das suas atribuições nem competências e sem que nenhum partido ou deputado lhe diga "bolinha baixa, meta-se no seu canto", vai medalhar uns patetas a eito, vai passar por um acidente rodoviário e inteirar-se dos dos danos, vai fazer um prognóstico qualquer sobre um jogo qualquer, vai patrocinar a descida da Avenida pela Marcha dos Pobrezinhos e o picnicão dos miseráveis, organizado pela vereadora Laurindinha da câmara do incompetente Moedas, que em pequenina gostava de ser o Leitão de Barros quando fosse grande, para se meter a eventos folclóricos, bater muitas palmas ao Senhor Presidente do Conselho e brincar com as pessoas como brincava com as bonecas quando era pequenina. As pessoas não têm sentimentos nem dignidade, tudo pode ser orquestrado e encenado para satisfação do ego ou de outra merda qualquer, até para encobrir. E quando pensavam que se tinham visto livres de Cavaco chega, com os votos de António Costa, Ferro Rodrigues e mais de metade do PS, Marcelo, O Inimputável, e com ele toda a tralha bafienta da direita beata e acéfala, mais os hábitos e as normas do Portugal da Lição de Salazar.
Durante décadas passearam a sua impunidade perante o encolher de ombros da hierarquia, quando não era a própria hierarquia a passear a sua impunidade, perante a cumplicidade de quem avisava quando tinha acesso a informação privilegiada, perante o temor do povo, a que chamam "fieis" e nunca o adjectivo "fiéis" foi tão substantivo. Para se ter a noção do grau de impunidade de que estes filhos da puta usufruíram ao longo de décadas, o "gordo", que trata toda a gente por tu, até quem tem idade para ser seu avô, tratou um padre concorrente por "senhor". O "senhor padre". O respeitinho certo.
O Presidente do Estado laico avisou o bispo José Ornelas, Dom, de que estava a ser investigado por cumplicidade em casos de abuso sexual. "Tenha Vossa Excelência Reverendíssima atenção que a justiça anda de olho em si". Marcelo, o supremo magistrado da Nação, eleito por sufrágio universal, não respeita nem responde perante o povo português que jurou servir, nem pela Constituição que jurou defender. Marcelo, o beato devoto, responde perante o Papa, a hierarquia do Vaticano, e pela Bíblia de que guarda os ensinamentos. E isto é com Marcelo, numa questão de fé, religião, e de não saber, nem querer, separar o homem religioso da função presidencial laica. Nas primeiras páginas com as fugas ao segredo de justiça, dos directos das televisões na porta das operações "secretas" da Polícia Judiciária e Ministério Público, é uma questão de fé na Igreja Universal do Pilim Universal, que também move multidões, todas têm o seu papel no movimento da humanidade. No entanto Marcelo quando morrer vai para o Céu, comer o corpo e beber o sangue de Deus à mesa com os encobridores e cúmplices de abuso sexual, uns porque falam directamente com Deus, ele porque tratou das indulgências junto de quem de direito enquanto foi vivo. Amém.