"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
E depois, ao dia útil e à data em que escrevo, Sesimbra tem 27 ligações por autocarro a Lisboa [13 idas e 14 voltas] e Palmela tem 34 [17 idas e 17 voltas]. Fazendo as contas a uma média de 55 passageiros por bus e, partindo do princípio que vão todos cheios e atendendo a que Sesimbra não tem comboio [o resto do país também não mas isso é outro capítulo] e ao peso que esses passageiros têm no bolo global das dezenas de milhar de passageiros que se movimentam diariamente na Área Metropolitana de Lisboa, a gente percebe a "bondade" do valor a pagar pelos respectivos passes aparecer a abrir as notícias. Meter as pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo a subsidiar os transportes públicos de Lisboa em nome do valor do passe pago pelas pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo é uma ideia simplesmente genial.
Não lhes ocorreu avançar com o preço de um passe de autocarro entre Alcácer do Sal e Setúbal, ou entre Mértola e Beja, ou entre Montemor-o-Novo e Évora, que a "paisagem" não é para aqui chamada a estragar a imagem de Lisboa.
Mas se calhar há uma explicação lógica para tudo isto. Não passando pela cabeça de ninguém que a ideia não tenha sido previamente concertada entre António Costa e Fernando Medina, como a reacção foi adversa às reacções dos avençados de serviço às redes e que foram desde as auto-estradas, hospitais, escolas e universidades no resto do país pagas por Lisboa [juro, está no Twitter], até à solidariedade que é exigida aos países ricos do norte da Europa para com os pobres do sul e que não tem correspondência neste caso concreto que é o de meter os miseráveis do Alentejo a pagar o passe social aos ricos de Lisboa [juro, está no Twitter], até à Lisboa, criadora de 70% da riqueza produzida pelo país, mãos largas a distribuir por Setúbal, Aveiro, Braga, distritos onde as empresas desenvolvem a sua actividade económica e que, para o bem ou para o mal, arcam com as consequências ambientais e o desemprego provocado pelas sucessivas crises, económicas e sociais, o dinheiro que Lisboa arrecada por ser a cidade onde as empresas têm a sua sede fiscal [juro, está no Twitter], entrou em campo o ministro do Ambiente, magnânimo e abrangente.
O sonso, que se queixa do êxodo provocado pelo alojamento local que, a pouco e pouco, vai transformando Lisboa num parque temático, depois de muito esmifrado e apertado por toda a gente, deixa cair que é o arrumador de carros de Madonna, pelas moedas que recebe em troca do serviço prestado, privilégio que não concede aos indígenas que ainda resistem ao êxodo, porque a rainha da pop é bom cartaz, que atrai mais turistas a Lisboa, que fomentam o alojamento local, que pressiona o êxodo. O nacional-parolismo em todo o seu esplendor.
Dois dias seguidos de telejornais e de primeiras páginas e de reportagens e de entrevistas de rua sobre uma pastelaria histórica de Lisboa que vai deixar de vender a bica a 1 €, em pé ao balcão, e imperial a 3 €, na esplanada. Coisas que passam ao lado de 10 milhões e meio de portugueses, quando não se estão mesmo a borrifar, a marimbar, a lixar, com éfe grande, lisboetas incluídos, para a dita Suíça, mesmo aqueles que alguma vez tinham ouvido falar dela. A seguir vão fazer reportagens e abrir telejornais e fazer primeiras páginas e entrevistas de rua sobre, por exemplo, as dezenas de lojas históricas que fecharam na baixa de Setúbal nas duas últimas décadas.
[Na imagem de Américo Ribeiro a "Casa das Manteigas" na Rua Doutor Paulla Borba, antiga Rua dos Ourives, em Setúbal]
Depois da aula prática sobre a lei da oferta e da procura a Câmara de Lisboa devia agora adoptar o sistema de sorteio onde, por coincidência, ou por sorte, como quiserem, duas casas saem a dois membros da mesma família ou aqueles que toda a gente já está à espera que saia.
Esta é uma daquelas notícias que fazem a esquerda PS, e o PS de esquerda, gastar rios de tinta e quilómetros de português em indignações e clamores de revolta, quando o caso é à direita, mas que fazem haver sempre uma boa justificação moral, política, profissional, não necessariamente por esta ordem, quando lhe toca a eles.
EMEL contrata por ajuste directo antiga deputada do PS
A propósito do jantar "web summita" no Panteão Nacional e, quando em tom de brincadeira, se diz que a direita neo-liberal, se puder e der dinheiro, até vende a própria mãe:
A mim parece-me bem.
Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sistina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz, de Antonio da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a Cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos.
E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo…
E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.
José Saramago in Cadernos de Lanzarote – Diário III. Lisboa: Editorial Caminho, 1996
Que o Web Summit, de evento que ia colocar Portugal no "topo do mundo tecnológico", de "mudança estrutural fundamental", de grande vitória da "diplomacia económica" de Paulo Portas e de Leonardo Mathias, de Miguel Frasquilho à frente do AICEP, do grande empurrão à hotelaria e turismo, da projecção de Portugal e Lisboa na aldeia global, para histeria sem precedentes num pavilhão em Lisboa, o nacional-parolismo com os socialistas na primeira fila.
Que em 2014 o surto de legionella em Vila Franca de Xira não tinha nada a ver com a revogação pelo Governo PSD/ CDS no ano anterior da Lei da verificação obrigatória da qualidade do ar em edifícios públicos, verdadeira "gordura do Estado", que bastava cumprir as normas, e daí o chumbar do projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda para reintroduzir as normas revogadas, para em 2016 ser importante saber se as normas estão a ser cumpridas, que o ministro da Saúde deve uma palavra aos portugueses, que o Governo socialista ainda não repôs a norma revogada pelo Governo PSD/ CDS e cuja reintrodução proposta pelo Bloco de Esquerda foi chumbada no Parlamento pelas bancadas do PSD e CDS, reintroduzida em 2016 com os votos contra do PSD e do CDS.
As coisas que a gente aprende no Twitter da direita radical, a desonestidade, intelectual e política, ou como a direita radical quando não tem mais nada em que morder morde nos seus.