"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Nestas tracking poll apresentadas como sondagens, e nas sondagens elas próprias, as percentagens são atiradas ao monte para os ecrãs das televisões e entram pela casa das pessoas dentro sem haver uma tradução em número de deputados eleitos por círculo eleitoral, como se de um círculo nacional se tratasse e como se a contagem fosse feita a partir do monte de votos arregimentado. Em quantos deputados se traduzem os "por cento" dos gráficos de barras que metem o Chega e o Ilusão Liberal à frente da CDU e do Bloco de Esquerda, sendo que há partidos que não vão eleger na grande maioria dos círculos e sendo que, por exemplo, nas últimas legislativas a CDU teve 19 000 votos no círculo de Braga, sem eleger qualquer deputado, contra os 3 000 que permitiram eleger João Cotrim de Figueiredo em Lisboa?
No day after às eleições vamos estar todos nos media e nas redes a concluir que António Costa passou tempo demais a falar de Rui Rio na campanha eleitoral?
No espaço de uma semana António Costa passou de estar a três deputados da maioria absoluta, com a esquerda em maioria no Parlamento, segundo sondagem da Pitagórica, para o homem que vai atrás de Rui Rio com a direita em maioria no hemiciclo, segundo uma tracking poll num universo de 180 eleitores, apresentada por uma televisão - a CNN Portugal, ex TVI24, como se de uma sondagem se tratasse, com a imprensa com agenda, onde a fronteira entre jornalismo e comentariado não existe, prontamente a dar eco do feito, e com mobilização geral dos milhares de perfis nas redes a fazerem alarde da boa nova. Assim se inventa uma dinâmica de vitória e se manipula uma parte do eleitorado, dos indecisos aos abstencionistas.
Foi assim que Inês Sousa Real foi recebida no "mundo rural" de Beja pelos betos das touradas, descendentes e herdeiros dos agrários do trabalhar de sol-a-sol contratado de boca na praça da jorna. "Vai para a tua terra!". Agora imaginem os nepaleses, os moldavos, os africanos, os imigrantes contratados nas novas praças de jorna alentejanas.
"A ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem, anunciou que os eleitores em confinamento obrigatório vão poder sair de casa no dia 30 "estritamente para votar"."
Deu para António Costa finalmente proferir as palavras proibidas feitas palavrinhas mágicas: "maioria absoluta";
Deu para Rui Rio aparecer de gravatinha cor de fralda de bebé mudada, qualquer que se a a mensagem subliminar;
Deu para Catarina Martins explicar ao moderador, Carlos Daniel, o que está em causa e o que vai ser votado dia 30;
Deu para António Costa começar ao ataque, que é como quem diz à mentira, com "a alternativa à maioria absoluta ser crise atrás de crise e eleições de 2 em 2 anos" apagando em directo e a cores os anos entre 2015 e 2018, qual Estaline de tesoura em riste a cortar fotografias com o Trotsky;
Deu para Chicão, nascido em 29 de Setembro de 1988, recuperar a memória do sofrimento que foram os anos do PREC;
Deu para Ventura, líder de um albergue de neo nazis e fascistas saudosos de Salazar, invocar os países que nos ultrapassaram na União Europeia, os de leste que nos idos do matacão de Santa Comba tinham homens no espaço enquanto nós tínhamos uma autoestrada de Lisboa ao Casal do Marco, as estradas pejadas de carroças puxadas a burros e demorávamos 5 horas a chegar ao Algarve;
Deu para João Oliveira esfregar na cara de António Costa que os ganhos que exibe como trunfo para uma maioria absoluta só foram possíveis porque o PCP se chegou à frente, caso contrário tínhamos gramado com mais 4 anos de Governo da troika, com o PS a abanar a cabeça na bancada como os cães de feira que nos 70s se usavam na parte de trás dos carros;
Deu para Cotrim de Figueiredo dizer que acreditava no Pai Natal com as pessoas que sobem na vida a trabalhar;
Deu para Rui Rio afirmar que já reduziu despesa pública em empresas privadas;
Deu para Ventura recuperar a bisca das "fundações e organismos que absorvem recursos do Estado" lançada pelo Criador, Passos Coelho, nos anos do Governo da troika;
Deu para Rui Rio, líder de um partido que há 40 anos não faz outra coisa que desinvestir e retirar competências ao Serviço Nacional de Saúde, dizer que o SNS está em falência, depois de ter passado os debates anteriores a dizer que há funcionários públicos a mais;
Deu para Cotrim de Figueiredo passar todo o santo debate a dizer que António Costa não respondia às questões enquanto ele próprio ganhava o cognome de O Ilusionista por causa dos truques para fugir à questão flat tax;
Deu para Rui Tavares vestir a fatiota de Cotrim de Figueiredo e explicar aos telespectadores que com a taxa chata do Ilusão Liberal quem fica a ganhar são os mais ricos, para rombo nos cofres do Estado que asseguram serviços públicos gratuitos e universais;
Deu para Ventura voltar à carga com "o país em que metade trabalha para outra metade que não quer fazer nada" e "um país outro todos roubam e ninguém vai para a prisão", precisamente no dia em que se soube que a agremiação de bandalhos a que preside vai ser despejada da sua sede em Évora por não pagar a renda da casa há 8 meses;
Deu para António Costa fazer autocrítica: "o que faltou foi vontade política para viabilizar o Orçamento do Estado";
Deu para Chicão falar em três banca rotas desde 1995 apesar de nem uma ter havido e a que podia ter acontecido foi evitada;
Rui Pedro da Silva Afonso, cabeça de lista do Chega pelo círculo eleitoral do Porto, e com sérias possibilidades de ser eleito deputado da Nação, classifica o orçamento do Serviço Nacional de Saúde como "rede de interesses do PS". Isto, mais que ignorância, é o triunfo da imbecilidade.
1ª Tarefa: Deus Nosso Senhor deu-lhe o privilégio de travar a batalha de andar aos berros na televisão do Correio da Manha [sem til] para defender um dirigente desportivo;
2ª Tarefa: Deus Nosso Senhor deu-lhe o privilégio de travar a batalha por pessoas que querem pagar menos impostos;
O Sebastião Bugalho acha que Rui Rio ganhou a António Costa. Depois de Rui Rio ter ganho a Catarina Martins. Depois de Rui Rio ter ganho a Rui Tavares. Depois do Chicão ter ganho a toda a gente. Depois do Ventura ter ganho a toda a gente, menos ao Chicão.
Um puto palerma levado ao colo para a mesa dos adultos, vá-se lá saber por quem e porquê.
TINA. Ou eu ou o caos. Ou eu à la António Guterres. Ou eu com o PAN. Ou Rui Rio, com maioria de esquerda no Parlamento, e a terceira pessoa presente no debate, Pedro Nuno Santos, ao leme de uma 'Geringonça 2.0'. Nunca as escolhas foram tão fáceis de fazer.