"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Líder de um sindicato sem implantação no terreno, o moço de fretes dos patrões, devidamente autorizado pelo Dono Disto Tudo, com a bênção do sorriso trocista do patrão dos patrões - António Saraiva, assina de cruz o que os líderes dos partidos do Governo da direita radical lhe puseram à frente para assinar.
Como se o problema fosse a Concertação Social ela própria e não a UGT, reduzida à inutilidade pela sua insignificância, condenada ao desaparecimento pela ausência do móbil para a qual foi criada: assinar de cruz tudo o que convém às associações patronais.
Um mérito há no entanto que há que dar a Carlos Silva, o de ter percebido isso primeiro que ninguém e daí o seu constante esbracejar e espernear, quase desde o primeiro dia em que ocupou o cargo.
Vamos lá a ver se nos entendemos: se a ideia de colar os feriados ao fim-de-semana é para ser discutida na "câmara alta" do Parlamento – a Concertação Social, significa que o Governo antes de tomar uma decisão quer ter em conta a opinião do sector privado e que a proposta é para para ser levada à mesa dos empresários e accionistas patrões, já que os trabalhadores colaboradores nunca são tidos nem achados na dita concertação, onde a UGT funciona como um apêndice do patronato e serve apenas para dar um selo de credibilidade às decisões. Portanto não faz o mínimo sentido levar uma proposta deste teor à mesa dos empresários e accionistas patrões do sector onde os trabalhadores colaboradores não recebem no início de cada ano um calendário com a distribuição dos feriados e respectivas possibilidades de "ponte", que não concedem "pontes" a ninguém nem que haja um novo milagre do Sol em Fátima, onde todas as "pontes" são negociadas com meses de antecedência, quando não mesmo na altura da marcação das férias e onde o dia de férias é usado, gasto para o efeito. Não se percebe o que é que o Governo pretende com esta proposta da treta... Parece mais do mesmo, truques de ilusionismo usados em quatro anos de Governo da direita radical.
Por via da inusitada "geringonça" de esquerda no Parlamento, a UGT reduzida àquilo que sempre foi – nada e sem implantação no terreno do trabalho, com excepção de alguns sindicatos de bancários e seguros; esvaziada da função para a qual foi criada – dizer que sim às confederações patronais e assinar de cruz tudo o que lhe ponham na frente, luta desesperadamente pela sobrevivência e tenta fazer da Concertação Social uma espécie de Câmara Alta do Parlamento, bóia de salvação do sindicalismo fantoche. Desesperados. Responsavelmente desesperados. Desesperados com "sentido de Estado".
Depois de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, à vez ou em uníssono, com cara de pau, "alguém acredita que o Governo possa ter por objectivo, tenha prazer em ter um país de miseráveis mal pagos?", aliados no Governo que não tinha um modelo de baixos salários para o país enquanto tirava dias de férias, eliminava feriados, subtraía valor à hora extraordinária até ficar quase ao mesmo preço da hora normal, facilitava o despedimento e embaratecia a indemnização a pagar pelo empregador, contra a rigidez laboral em prol da rigidez patronal, e antes de publicamente se lamentar que a única reforma que tinha ficado por fazer tinha sido a de baixar os custos do trabalho para as empresas, temos agora um personagem, Francisco Calheiros de seu nome, calhado presidente da Confederação do Turismo Português, encalhado à saída da reunião da Comissão Permanente de Concertação Social a dizer que "não há nenhum empresário que tenha prazer em pagar o salário mínimo", perante a acefalia dos tripés de microfone com carteira de jornalista. Leram bem. "não há nenhum empresário que tenha prazer em pagar o salário mínimo", no país em que a direita diz que a esquerda é contra o lucro.
O sistema parlamentar constitucional português não é composto por duas câmaras:
– a baixa, com os representantes da plebe, eleitos em eleições livres e democráticas por partidos políticos, que legisla em função das conveniências e arranjos da outra câmara;
- a alta, não eleita – a concertação social, com a elite patronal e o Governo escondido atrás, mais uns homenzinhos responsáveis e felizes da vida por se sentarem ao lado dos senhores – a UGT, sem representatividade laboral, pescados à linha para dizer que sim, assinar por baixo e fazer uma maquilhagem consensual e abrangente da sociedade.
O problema de Carlos Silva é exactamente o mesmo problema de Paulo Portas: ninguém precisa dele nem da agremiação que capitaneia para nada, então esbraceja e faz barulho e, quanto mais esbracejar e barulho fizer melhor, pensa ele.
Canetas e esferográficas há muitas [como se viu na tomada de posse do XXI Governo constitucional.
[Imagem de autor desconhecido]
Adenda: Não é por acaso que os ministros do CDS passaram estes últimos 4 anos a elogiar o "sentido de responsabilidade" da UGT e dos seus dirigentes.
Não sendo do conhecimento geral qual a quota de cedências que coube aos patrões, ou até se as houve, e que as do Governo ficaram em águas de bacalhau apesar da ameaça de entornar a água ao bacalhau por parte do homenzinho responsável que sucedeu ao homenzinho responsável e que antecedeu o homenzinho responsável.
Posto isto, e como continua alegremente na sua yellow brick road em direcção a Emerald City sem se desviar uma vírgula do caminho, conclui-se que ou é tolinho ou cada um é para o que nasce e há quem nasça para ser marioneta ou boneco de ventríloquo.
Era algum jornalista, até podia ser mesmo um estagiário e vinha a propósito, ir perguntar ao homenzinho responsável e cheio de "sentido de Estado" e ex-sindicalista não menos responsável e não menos cheio de "sentido de Estado", João Proença, se já leu o relatório do FMI.
Três vezes em três sítios diferentes, é capaz de ser mesmo verdade. "Discutida" + "construída" + "concertação social". É aqui que entra a UGT, foi para isto que a UGT foi inventada. Os homenzinhos do sindicalismo responsável e com "sentido de Estado".
Mas como é "preciso aliviar o peso do Estado na economia", dizia o senhor Coelho antes de se alçar ao poder, e porque "não é o Estado que cria emprego" mas porque "o emprego só virá da retoma económica", disse o senhor Coelho, já primeiro-ministro, numa comunicação de Natal ao pagode, há ainda que "limar algumas arestas", diz a dona Ana Vieira da Confederação do Comércio, neste acordo de concertação social, assinado pela UGT e onde, curiosamente, o secretário-geral Carlos Silva não aparece a dar o bigode ao manifesto e às câmaras, se calhar ainda a digerir o António Costa do passado fim-de-semana no congresso do PS, e as arestas todas limadinhas e com os rebordos boleados era os trabalhadores a trabalharem para as empresas os colaboradores a colaborarem com as empresas com a colaboração da Segurança Social com o salário pago na totalidade pela Segurança Social, que está descapitalizada e precisa de reforma e de consenso para a reforma, diz o Governo, todo, e o Presidente do Governo, no palácio que é da República.
E a prova provada de as empresas ultrapassaram as dificuldades, recuperaram e estão a responder aos desafios, de que a economia está aí, em modo milagre, e de que "chegou o momento do investimento" é que uma medida temporária, como era a suspensão dos feriados, pode até ser antecipada, diz agora o vice-pantomineiro, em modo barata tonta, à procura de uma nova vocação para o partido do contribuinte-pensionistas-ex-combatentes-lavoura-famílias-numerosas, a adivinhar o que lhe vai acontecer nas próximas legislativas. Viva!
E a saga continua, com a UGT a fazer-se de início muito esquisita e a rejeitar, para a seguir se fazer de responsável e de sentido de Estado e assinar, sem ganhos substantivos, para depois vir protestar que as outras partes faltam à palavra dada e não cumprem a sua parte no acordo assinado. Dizem que é uma negociação. Negociação, aquilo que o vice-trampolineiro Paulo define como um acordo em que ambas as partes ficam a ganhar. E andamos há mais de 30 anos nisto.
Ver o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, a fazer de porteiro, perdão, a esperar e cumprimentar o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, na porta da concertação social, só comparável ao presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Carlos Magno, também de porteiro, a oferecer cartões de consumo mínimo por conta da casa, perdão, a elogiar a gravata de Miguel Relvas antes da audição que o ilibou de pressões ilícitas sobre o jornal Público e de devassa da vida privada da jornalista Maria José Oliveira. Sim, patrão. Sim, sô tôr. Sim, senhor primeiro-ministro. Com certeza.