"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Imigrantes em Portugal só "se tiverem contrato de trabalho" deixou cair Carlos Moedas numa entrevista à Rádio Renascença. O mesmo Moedas dos unicórnios, das startup's, dos nómadas digitais, dos vistos gold, e que sabe perfeitamente no que assenta o modelo de crescimento da "cidade que está na moda": turismo alimentado pelos baixos salários e precariedade, dos uber - eats e driver, aos tuk tuk, passando pelos alojamentos locais e quem lhes faz a manutenção, à restauração e hotelaria, e às hordas de apalavrados em trabalhos de construção civil e reparações. Uns sem os outros não funcionam e, ao invés de exigir regulação, fiscalização, legalidade e respeito pelos direitos, humanos e laborais, veste uma pele de xenófobo e de uma penada passa a perna ao ex camarada de partido, Ventas, alçado em Le Pen de trazer por casa, ao líder em funções, o homem sem passado, o passado chama-se Passos, e coloca-se à frente dos dois, a arrebanhar votos a um, a posicionar-se para a sucessão do outro. Moedas não é tolinho, pode parecer mas não é.
Podemos não ter o altar-palco no formato Zeppelinfeld de Nuremberga e o palco-altar em Minecraft, no alto do Parque, e haver na mesma o famoso "retorno", por que tanto anseiam alguns "famosos".
Assim como não é necessário evento nenhum, religioso ou outro qualquer, para investir o mesmo dinheiro e reconverter a zona. Mas há o factor "cagança" que é o que parece pesar mais.
A soberba, a luxúria, a gula, três pecados mortais de que enferma a direita, beata e temente a Deus, por detrás da organização do comício da ICAR.
Um interessante trabalho de jornalismo era recuperar o que Carlos Moedas, Filipe Anacoreta Correia, e restante tropa-fandanga, escreveram e disseram sobre o dinheiro do contribuinte enterrado nos estádios do Euro 2004, à época também eles apresentados como uma "obra para o futuro" e "investimento com retorno", damos-lhe um porco e recebemos de volta um chouriço.
Carlos Moedas, presidente da câmara de Lisboa que se disponibilizou a disponibilizar 3 milhões de euros para apoiar lesados de umas cheias que causaram prejuízo de 49 milhões, é o Carlos Moedas, presidente da câmara de Lisboa, que despeja 4 milhões e meio de euros, por ajuste directo, parcelado por causa do ajuste directo, nas mãos da Mota-Engil, do seu ex-colega de Governo Paulo Portas, aquele que foi abrilhantar a convenção do Partido Popular espanhol com o número circense "socialistas são bons a gastar o dinheiro dos outros", na construção de uma bancada de trabalho para o Papa Bergoglio perorar sobre desigualdade e fome no mundo. É mais que um altar, é um investimento que vai servir para outras coisas, dizem em coro alto, na tribuna elevada com vista privilegiada para o altar, o sonso Moedas e o beato-presidente-beato Marcelo, aquele que anda sempre bué preocupado com os sem-abrigo e com o banco alimentar. "Outras coisas", que estão no topo da lista de prioridades dos portugueses, em geral, e dos lisboetas, em particular, a inflação, a guerra na Ucrânia, a habitação a preços acessíveis, e um palco para eventos futuros, tipo entregar a exploração ao senhor genro de Cavaco e em conjunto com o Pavilhão Atlântico criar o hub da pop/ rock, que lindo, e até dá para expor unicórnios. Assim como assim já estamos habituados a ser tratados como lorpas e a deitar dinheiro no bolso de chico-espertos.
Como diria um tal de Mateus em 26:26-28, "Tomai e comei; isto é o meu corpo. Tomai e bebei; isto é o meu sangue. Tomai e governai-vos; este é o meu dinheiro. É fartar vilanagem".
"É a democracia", chamou Marcelo a RTP a Belém para dizer, com uma embalagem de OMO nas mãos, estavam os portugueses a ver o Benfica em Paris pelo streaming da Inácio TV. "Os partidos são livres de discordar do Presidente", mais coisa menos coisa. "Eu não quis dizer que eram poucos os casos, o caso é que o caso mais antigo é de uma pessoa de 90 anos" e quando toda a gente pensava que Marcelo ia invocar o popular "em pequenino não conta", segue o raciocínio depois de pigarrear, "portanto foi há 70 anos". Mais grave a emenda que a emenda. Um fiel de 90 que foi abusado há 70 tinha 20 anos à época do abuso. "Nem abuso de menores foi, estão a ver?" deixou Marcelo insinuado no ar com recurso à Tabuada Ratinho. "Não quis dizer que 400 fossem poucos, ou muitos, esperava muitos mais". Até porque falo ao telefone tu cá tu lá com os encobridores. "Diga-me Vossa Excelência Reverendíssima como é que estamos de temores; os prognósticos? Vai ser o Dilúvio Universal, são milhares, senhor Presidente". Afinal só 400, alguns já morreram, outros morrem de vergonha só de pensar, fica tudo na Paz do Senhor". E a seguir vai comentar o Orçamento do Estado, vai dizer ao Parlamento que deve rever uma lei qualquer, coisa que não é das suas atribuições nem competências e sem que nenhum partido ou deputado lhe diga "bolinha baixa, meta-se no seu canto", vai medalhar uns patetas a eito, vai passar por um acidente rodoviário e inteirar-se dos dos danos, vai fazer um prognóstico qualquer sobre um jogo qualquer, vai patrocinar a descida da Avenida pela Marcha dos Pobrezinhos e o picnicão dos miseráveis, organizado pela vereadora Laurindinha da câmara do incompetente Moedas, que em pequenina gostava de ser o Leitão de Barros quando fosse grande, para se meter a eventos folclóricos, bater muitas palmas ao Senhor Presidente do Conselho e brincar com as pessoas como brincava com as bonecas quando era pequenina. As pessoas não têm sentimentos nem dignidade, tudo pode ser orquestrado e encenado para satisfação do ego ou de outra merda qualquer, até para encobrir. E quando pensavam que se tinham visto livres de Cavaco chega, com os votos de António Costa, Ferro Rodrigues e mais de metade do PS, Marcelo, O Inimputável, e com ele toda a tralha bafienta da direita beata e acéfala, mais os hábitos e as normas do Portugal da Lição de Salazar.
O Presidente da República do Estado laico, como qualquer português que se preze assim que dá com um buraco na estrada, uma pá ou uma retro escavadora, foi ver o andamento das obras para receber o Papa à beira do Trancão, depois da birra entre a autarquia e o Governo para ver se a empreitada de 6.997.327,95 € era paga pelo contribuinte, via câmara municipal, ou se a empreitada de 6.997.327,95 € era paga pelo contribuinte, via Estado, já que a isenção de imposto de selo, de emolumentos, de taxas de esgotos, de IMI, de IMT e de quaisquer outros impostos e taxas nacionais, regionais e locais, de que a Igreja Católica beneficia, não é compensada pelo que entra pela porta do cavalo em donativos e esmolas, e o dinheirinho não chega para receber com dignidade o secretário de Deus no planeta Terra.
Deus é grande mas o contribuinte ainda é maior, apesar de se escrever em minúsculas [e não há dinheiro para nada].
"Fechar a Praça do Comércio significa despedimentos".
"Fechar a Rua Augusta significa despedimentos".
"Fechar o Bairro Alto significa despedimentos"
"Fechar a Avenida da Liberdade significa despedimentos", avisa Moedas, ou quando se elege um acidente de percurso, incompetente e impreparado, presidente de câmara.
Marcelo, que tem como paixão os sem-abrigo e que arranjou maneira de se encontrar "por acaso" com Carlos Moedas na Feira do Livro em plena campanha autárquica, já comentou que é preferível dormir na rua em pleni inverno que num local sem condições?
No início da pandemia, e durante os confinamentos, volta e meia aparecia alguém "imaginem que isto acontecia durante o governo de Passos/ Portas...", depois Carlos Moedas é eleito presidente da câmara municipal e Lisboa e uma das primeiras medidas que toma é encerrar centros de vacinação para centralizar todo o processo, obrigando uma faixa da população, carenciada e sem meios de mobilidade, a deslocar-se para uma ponta da cidade, mal servida por transportes públicos, e a mega concentrações em filas de espera, após dois dias de suspensão da vacinação num período de corrida contra o tempo; tirar da cartola uma forma de transferir dinheiro do município para negócios privados, através do pagamento das deslocações em táxi. Agora já não é preciso imaginar o que seria o governo Passos/ Portas em situação de pandemia, têm o moço de fretes da troika a todo o gás à frente da maior câmara do país.
As televisões, que construiram o Ventas, que lhes deu o clickbait e as audiências e que, perante o descalabro eleitoral do Chaga nas autárquicas, rapidamente se esqueceram dele lhe retribuíram a conveniente fuga dos holofotes até a poeira do esquecimento assentar, são as mesmas televisões que agora constroem o personagem Moedas e a narrativa da grande vitória eleitoral, e da remontada, que daqui por quatro anos, ou se calhar mais cedo, há-de trazer a velha-nova-velha direita de regresso à ribalta e à governação do país, apesar do moço de recados da troika, coligado com a direita toda - Ilusão Liberal incluída, que teve uma diferença de quase menos 2% de votos úteis da Assembleia Municipal para a Câmara - é de apenas 0,95% para o PS sozinho, e em minoria absoluta, se contabilizarmos os votos dos socialistas aos da CDU e do Bloco. Assim se constrói um personagem e uma narrativa.
Em 1951, era Carmona Presidente da República e Salazar presidente do Conselho de Ministros, Manuel Quintão Meireles retira a sua candidatura à presidência da República por considerar não existirem condições para uma eleição livre e justa e Ruy Luis Gomes vê a sua rejeitada, o que leva à vitória de Craveiro Lopes nas urnas sem qualquer oposição, a Constituição de 1933 foi revista e o Acto Colonial maquilhado com vista à assimilação civilizadora das colónias à metrópole [*], a polícia política prendia, torturava e matava os opositores ao Estado Novo e a censura passava a lápis azul todas as publicações escritas, assim como o cinema, o teatro e a música, metade das raparigas nunca tinha entrado numa sala de aulas que tinham todas, sem excepção uma foto do Presidente e outra do primeiro-ministro a ladear um crucifixo, assim como 30% dos rapazes, quatro em cada dez mulheres eram analfabetas e 26,9% dos homens, mas todos sabiam a Portuguesa que era obrigatório cantar antes do início das aulas, o ensino superior uma miragem só ao alcance das elites, a esperança de vida era de 56 anos para os homens e 61 para as mulheres, a frequência da Mocidade Portuguesa era obrigatória e o poder local era nomeado pelo poder central, e podíamos continuar pelo acesso à saúde, ao saneamento básico e ao cabaz alimentar, "o preço das casas era alto e [um casal podia morar] 16 anos com um filho num quarto de uma casa", em alternativa juntava uma tábuas e umas chapas velhas e metia mãos à obra a construir uma barraca nos muitos milhares de bairros que nasciam como cogumelos de norte a sul do país, ou ia a salto para a emigração e morar num bidonville. Por incrível que possa parecer "hoje vivemos com menos liberdade porque cada vez menos ouvimos histórias felizes onde as pessoas são as personagens principais!". "#EstáNaHorada esperança voltar!", se tudo o que ficou para trás volta com ela não sabemos.