"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Nós até percebemos que em tempo de guerra não se limpam espingardas e que o CDS aparece a subir nas sondagens e que todos os votos contam e o voto útil e tal (ganhar a direita para perder o centro? Enfim…), mas está dito está dito, assim como também está dito, por Pedro Passos Coelho, que conta com o partido de Paulo Portas para um eventual Governo, mesmo que o PSD tenha maioria absoluta, e lá voltamos nós à abortadeira de vão de escada – e à economia paralela (pode ser considerado iniciativa privada?) – e à falta de condições de higiene e saúde – who gives a shit? Quem se lixa é a mulher – e às excursões a Esapnha e ao barco do aborto, agora mais facilitado o bloqueio porque já estão aí os submarinos, e às condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Os problemas que nunca se teriam colocado, as guerras e os conflitos que se teriam evitado, os mártires as vidas que se teriam poupado, o(s) rumo(s) que a ciência, as artes e a cultura teriam tomado sem o obstáculo epistemológico. Os males até podiam ser os mesmos mas o mundo seria sem dúvida “a better place”, mais que não fosse pela ausência da moral do “recalcar e carregar a culpa”.
Pode ter uma luva de boxe no lugar do cérebro mas, ainda que não seja essa a intenção, às vezes diz coisas acertadas.
A propósito da chamada “fúria legislativa” tendo em vista a "correcção das injustiças", e partindo do célebre episódio da Bolacha Maria em 30 de Setembro de 74, quando um membro do então Governo resolveu tabelar por decreto o preço da bolacha, escreve hoje no Público Helena Ramos:
“Infelizmente, esta esquizofrenia está longe de se restringir às dinâmicas revolucionárias (…) sendo mesmo estrutural na elaboração das estratégias políticas dos partidos que fazem as democracias. O exemplo mais próximo desta linha de actuação é o actual Governo espanhol que, perante a ameaça duma grave crise económica, se entretém a anunciar como medidas fundamentais para os próximos meses a alteração à legislação sobre o aborto e o suicídio assistido, vulgo eutanásia. Um guião de humor negro não faria melhor, mas até agora esta agenda de fatalismo progressista tem conseguido preencher o vazio ideológico e proporcionar bons resultados eleitorais.”
Talvez extenuada e deslumbrada com o brilhante trabalho de artista exercício de raciocínio que é saltar da Bolacha Maria no Portugal 1974 para o aborto e a eutanásia na Espanha de 2008, Helena Ramos não se apercebe da argolada que comete: a “agenda de fatalismo progressista (…) tem conseguido (…) proporcionar bons resultados eleitorais”.
Porque será que o povo ignaro vota em quem lhes propõe alterações à legislação sobre o aborto e a eutanásia? Talvez por gostar de comprar a bolacha barata; o que é uma chatice…
Aguardemos outro brilhante raciocínio, desta vez em sentido contrário. Da bolacha Cuétara na Espanha de 1975, para o Portugal, talvez no próximo ano de 2009.
“Que semelhança entre os horrores nazis e a situação actual do aborto em Portugal? As diferenças são abissais, mas um ponto é comum. (…). Na Berlim de 1923, como hoje em Lisboa, proclamavam-se os direitos humanos, elaborava-se a filosofia política, defendia-se a liberdade e a democracia. Ao mesmo tempo tolerava-se a gestação de um monstro. Foi assim que a sofisticada Alemanha, a terra de Goethe e Beethoven, caiu na decadência máxima da civilização.
(…)
Como pode alguém comparar a nossa situação com o horror do nazismo? Passa pela cabeça essa semelhança? Se pensa assim, por favor não se esqueça que esse era precisamente o sentimento que tinha a despreocupada Berlim de 1923.”
João César das Neves no Diário de Notícias (link aqui)
Mas eu prefiro esta que vinha nas letras mais miudinhas:
«Representa ainda 96 segundos a menos nos oito minutos do espectáculo pirotécnico de fim-de-ano no Funchal, em que Madeira "queima" 1, 2 milhões de euros.»
Provérbio do dia: "Dinheiro de ladrão não engorda cristão".
Vejo na televisão o ministro da Saúde, Correia de Campos, vir dizer candidamente que vão estar isentas do pagamento de taxas moderadoras todas as mulheres que resolverem interromper voluntariamente a gravidez. O mesmo ministro que há umas semanas atrás disse que estava em estudo a possibilidade de vir a aplicar taxas moderadoras às crianças com menos de 12 anos, e… às grávidas!
Vamos lá a ver se nos entendemos: eu tenho, por exemplo, uma terrível dor de cabeça, uma terrível dor de estômago, ou sou atacado por uma gripe fortíssima; não estou doente porque me apetece ou porque sim. Dirijo-me ao SADU ou ao Hospital, e, zás! levo com a taxa em cima. Uma mulher engravida e decide trazer o filho ao mundo. Ao longo de 9 meses necessita de regular assistência e acompanhamento médico; toma lá com a taxa! Uma mulher que resolve abortar porque sim; não interessa aqui invocar a justeza ou não justeza da decisão, ou os factores por detrás, que a levaram a tomar tal opção; resolve abortar, e está automaticamente isenta. Alguém que me explique isto, s. f. f. Se é que isto é passível de alguma explicação assente no bom senso.
Post-Scriptum: Não sei qual é a ideia que passa pelas cabecinhas dos que fizeram campanha pelo NÃO no referendo ao virem invocar que as recomendações à lei feitas pelo Presidente da República não foram cumpridas. Acaso sabem que no nosso sistema político as recomendações do senhor Presidente não passam mesmo disso; de recomendações que têm tanto valor como a opinião do cidadão comum? Acaso não sabem que o Presidente da República não tem poder para fazer recomendações legislativas ou regulamentares; que esse poder compete ao Governo e à Assembleia da República? O poder que o Presidente tinha – promulgar ou não – foi exercido. Promulgou a Lei. Ponto final parágrafo.
Adenda: Houve uma altura em que me convenci de que as ideias deste Governo e deste ministro, para a saúde em Portugal, fossem acabar de vez com o Serviço Nacional de Saúde. Chego agora à conclusão que a ideia deste Governo e deste ministro, para a saúde em Portugal, é não terem ideia nenhuma.
Há coisa de dois ou três dias fomos confrontados com a notícia de que 80% dos obstetras portugueses recusam realizar interrupções voluntárias da gravidez, invocando objecção de consciência, e, no maior hospital português, Santa Maria, essa percentagem é mesmo ultrapassada. Hoje ocorreu-me uma boa solução para ultrapassar este problema, porque, quer se queira quer não, é de um problema que se trata. Problema para a mulher que quer abortar, problema para os hospitais que não conseguem responder às solicitações, problema para os médicos que não objectaram, perante a contingência de se verem obrigados a trabalhar quase como numa linha de montagem. Senhor ministro da Saúde Correia de Campos: porque não aproveitar o programa Novas Oportunidades e dar o grau de equivalência às abortadeiras de “vão-de-escada”? Requalificavam-se profissionais competentes; beneficiava a saúde pública; e last but not the least, o ministro Teixeira dos Santos ficaria eternamente grato por mais uns euros que entravam nos cofres das Finanças, por este rombo na economia paralela e subterrânea. A bem da Nação!
As ondas de choque provocadas pelo resultado do referendo a Interrupção Voluntária da Gravidez continuam a fazer-se sentir; propiciando alguns comentários no mínimo hilariantes e, sintomáticos da confusão que reina na cabeça dos apoiantes do “Não”.
Isilda Pegado, ex-mandatária do movimento Plataforma Não Obrigado, ontem comentando o acordo estabelecido entre o PS, PCP, BE e Verdes para a nova lei:
“Não respeita as nossas preocupações do Presidente da Republica”
E até admite a hipótese da possível inconstitucionalidade da Lei que vier a ser aprovada!
Honestamente: A princípio fazia-me alguma confusão a evidente passividade e até, algum deslumbramento dos repórteres de serviço à recolha destas e outras declarações; depois passei pela fase da incredulidade e, atingi neste momento o nível da indignação.
Entre tanto microfone apontado, não há um – só um que seja – que se lembre de perguntar:
- Inconstitucional porquê?
- Por ter sido elaborada e negociada numa área usualmente arredada daquela a que se convencionou chamar “partidos de governo”?
- Inconstitucional por eventualmente – sublinho eventualmente – não respeitar as preocupações do Presidente da República?
- Estará Isilda Pegado mandatada por Cavaco Silva para exprimir as preocupações presidenciais?
Post-Scriptum: Anteriormente para demarcara as águas entre os chamados “partidos de governo” e todos os outros com assento parlamentar, a direita usava o termo “partidos democráticos”, o que recorrendo à velha dicotomia Esquerda-Direita, na esquerda significava PS.
Ontem contudo, e devido a esta nova realidade que foi a elaboração da Lei à IVG, surgiu uma nuance que passou despercebida à maioria, se não a toda a comunicação social: Esquerda Parlamentar.
O Presidente da República havia apelado para que a nova Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez fosse o resultado de um consenso; ele aí está: PS, PCP, BE e Verdes unidos numa única proposta.
Marques Guedes, líder parlamentar do PSD considera que o acordo é legítimo, mas classifica-o de estranho por deixar de fora o seu partido.
Miguel Relvas, também do PSD e apoiante do “Sim” no referendo argumenta que este consenso não é mais que uma proposta orgânica de três partidos de esquerda e que se transformou “numa lógica partidária o que não tem lógica partidária”.
“Perderam uma boa oportunidade para alargar o leque. Prestaram um mau serviço”, conclui Miguel Relvas.
A Interrupção Voluntária da Gravidez é um tema transversal à sociedade. A Justiça também.
O Pacto para a Justiça foi negociado entre o PS e o PSD. Vamos fazer um exercício simples e que, consiste em adaptar-lhe – ao Pacto para a Justiça – as declarações de Marques Guedes e Miguel Relvas.
No primeiro dia oficial da campanha ao referendo à IVG, assumo como minha e na íntegra, a posição do blogue Bloguítica, que aqui reproduzo, com a devida menção:
REFERENDO SOBRE A IVG: 11 DE FEVEREIRO
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»
Esta será, muito provavelmente, a única vez em que vou escrever sobre este assunto nos próximos dias. Pela minha parte, nada do que vier a acontecer nas próximas semanas me fará mudar de posição. Vou, de certeza absoluta, votar. E vou votar sim, concordo com a despenalização da IVG, nos termos em que é colocada a questão.
Sou contra a IVG na minha esfera privada. Duvido muito – mas muito mesmo – que alguma vez apoiasse a minha mulher se ela quisesse recorrer à IVG, em virtude de uma hipotética gravidez não planeada. Dito isto, entendo que a minha posição de princípio sobre a IVG não deve condicionar terceiros. Dito por outras palavras, entendo que nesta matéria não tenho o direito nem tenho o dever de limitar as opções de terceiros. A despenalização da IVG não me obriga a nada na minha esfera privada. Porém, a actual penalização da IVG limita, a meu ver abusivamente, o espaço de decisão de terceiros, muitas vezes com as consequências dramáticas que são do conhecimento público.
Esta intromissão do Estado na esfera privada dos cidadãos, neste caso em particular, é a meu ver inaceitável. E isso tem de acabar.
Quando se esperava uma campanha na base dos valores éticos e morais, eis senão que, surge o vector económico na boca do "Não". Neste caso, nas paredes.
Num caso de saúde pública, a carteira fala mais alto...