Ainda há quem aposte em distorcer e moldar a História (IV)
por josé simões, em 30.08.07
“Esta guerra não é como as do passado. Quem quer que ocupe um território logo lhe impõe o seu próprio sistema social. Todos impõem o seu sistema até onde puderem ir os seus exércitos. Não pode ser de outra maneira.”
In: Conversas com Estaline de Milovan Djilas.
A propósito desta interpretação simplista da história por Correia da Fonseca, para consumo interno no Partido, e, perdoem-me a expressão, mas é mesmo disso que se trata – doutrinar as camadas da sociedade mais ignorantes dos factos e acontecimentos da nossa história recente – vou aqui recuperar alguns excertos de um trabalho de Tony Judt, que pela sua extensão será publicado em vários posts.
Tony Judt, britânico, formado em Cambridge e na École Normale Supérieure, professor de História em Cambridge, Oxford e na Universidade de Berkeley, leccionando actualmente na Universidade de Nova Iorque a cadeira de Estudos Europeus, colunista na New York Review of Books, Times Literary Supplement, The New Republic, entre outros, escreve na sua obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, editada em Portugal pelas edições 70 a propósito da divisão da Alemanha em dois estados (quarto post):
"A partir deste momento, as coisas avançaram rapidamente. Nenhum dos lados fez ou procurou mais concessões: os Americanos e os Britânicos, que recearam durante muito tempo uma paz russo-germânica em separado e deram o seu acordo a adiamentos e compromissos para a evitar, deixaram de tomar em consideração uma eventualidade que agora podiam descartar. Em Agosto, aumentaram unilateralmente a produção da zona dupla (contra o coro de críticas de Soviéticos e Franceses). A directiva JCS 1067 da Junta de Chefes do Estado-Maior (o «plano Morgenthau») foi substituída pela directiva JCS 1779, que aceitava formalmente as novas metas americanas: a unificação económica da zona ocidental da Alemanha e o encorajamento do seu autogoverno. Sobretudo para os Americanos, os Alemães estavam rapidamente a deixar de ser o inimigo.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros Molotov, Bevin, Marshall e Bidault encontraram-se pela última vez em Londres, de 25 de Novembro a 16 de Dezembro de 1947. Foi uma reunião curiosa, uma vez que as suas relações já se tinham praticamente rompido. S Aliados avançavam com planos independentes para a recuperação da Europa Ocidental, ao passo que Estaline, dois meses antes, criara o Comimform, ordenara aos partidos comunistas da França e da Itália que adoptasse uma linha de intransigência nos assuntos internos dos seus respectivos países e incrementara fortemente a pressão sobre os países que estavam sob o controlo comunista, no que constituía agora o bloco soviético. Tal como no passado, os ministros analisaram as perspectivas de um governo alemão unificado sob controlo aliado e outras condições para um eventual tratado de paz. Mas já não houve acordo sobre a administração comum da Alemanha nem sobre os planos respeitantes ao seu futuro, pelo que o encontro foi interrompido sem que se agendasse qualquer outro.
Em vez disso, a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos iniciaram discussões tripartidas sobre o futuro da Alemanha numa cimeira alargada que teve novamente lugar em Londres, com início em 23 de Fevereiro de 1948. Nessa mesma semana, o Partido Comunista da Checoslováquia levou a cabo, com êxito, um golpe no país, que era sinal de que Estaline abandonara definitivamente a sua estratégia anterior e aceitara a inevitabilidade de uma confrontação, e não de um acordo, com o Ocidente. Ainda sob o efeito do golpe de Praga, a França e a Grã-Bretanha transformaram, em 17 de Março, o seu tratado de Dunquerque num pacto de Bruxelas que reunia, numa aliança defensiva mútua, a Grã-Bretanha, a França e os países do Benelux.
Nada impedia agora os líderes ocidentais e a conferência de Londres de concordarem rapidamente em estender o plano Marshall à Alemanha Ocidental e esboçarem um eventual governo para o Estado (um acordo aprovado pela delegação francesa em roca da separação temporária do Sarre em relação à Alemanha e a proposta de uma autoridade independente para fiscalizar a indústria do Rhur). Estes planos constituíram um abandono explícito do espírito dos acordos de Postdam e o general Vassily Sokolovsky, o representante soviético no Conselho de Controlo Aliado (CCA) em Berlim, protestou veementemente (esquecendo-se de reconhecer os frequentes incumprimentos desses mesmos acordos por parte da União Soviética.
Em 10 de Março, Sokolovsky condenou os planos para a Alemanha Ocidental por serem a imposição forçada dos interesses capitalistas a uma população alemã a quem era negada a oportunidade de demonstrar o seu desejo de abraçar o socialismo e repetiu as alegações soviéticas de que as potências ocidentais estavam a abusar da sua presença em Berlim – que afirmava pertencer à zona soviética – para interferirem nos assuntos da Alemanha de Leste. Dez dias depois, num encontro do CCA, em Berlim, a 20 de Março, Sokolovsky denunciou as «acções unilaterais» dos Aliados ocidentais, «enganando a Alemanha Ocidental, e que vão contra os interesses dos países pacíficos e dos Alemães amantes da paz que procuram uma unidade e uma democratização pacíficas do seu país». Abandonou em seguida a sala, seguido da restante delegação soviética. Não foi fixada qualquer data para um encontro posterior. Acabara a ocupação conjunta da Alemanha pelos Aliados: menos de duas semanas depois, no dia 1 de Abril, as autoridades militares soviéticas em Berlim começaram a interferir com a circulação de superfície entre a Alemanha Ocidental e as zonas de Berlim ocupadas pelos Aliados ocidentais. Assim começava efectivamente a Guerra Fria na Europa."