"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O chamado "argumento do caralho", em português corrente, na base do qual nenhum governo governava em lado nenhum do planeta, à excepção das democracias chinesa, norte-coreana, ou bielorussa, claro.
O programa do presidente da câmara para o ambiente [por exemplo] não foi aprovado pela maioria dos municipes, mas apenas pela maioria dos que votaram. O programa do Presidente da República não foi aprovado pela maioria dos portugueses, mas apenas pelos que votaram. O programa do bastonário da Ordem dos Médicos não foi aprovado pela maioria dos médicos, mas apenas pelos que votaram. O comissário político do PSD na Ordem dos Médicos tirou o mandato para gozar com os portugueses.
Proclamar o direitos dos povos à autodeterminação e independência, exigir liberdade, democracia e sindicalismo forte e participativo, mais "a paz, a paz, a paz", enquanto se chora o fim da União Soviética ignorando o que a História nos ensina acerca da sua construção. Trinta e um anos depois continuam sem perceber o que aconteceu.
A displaced man transports usable belongings salvaged from his flood-hit home across a flooded area in the Shikarpur district of Sindh province, Pakistan, Tuesday, Aug. 30, 2022.
No tempo em que a queda da notação da dívida portuguesa abria todos os dias todos os telejornais e a direita berrava contra o despesismo socialista de viver acima das possibilidades, que o socialismo acabava quando acabava o dinheiro dos outros, sem nunca explicar quem eram "os outros", e Cavaco Silva, Presidente, dizia que não devíamos falar alto nem fazer barulho para não espantar ainda mais os mercados, mais as grandes análises económicas dos Zés Gomes Ferreiras desta vida, desse tempo já ninguém se lembra. Depois o PS roubou a agenda das boas contas à direita, que agora se vê relegada para a política dos casos e casinhos, da educação à saúde, passando pelos incêndios, a falta de água e à falta de vergonha na puta da cara, como se desde a primeira vez em que meteram os chispes no Governo pelas mãos de Mário Soares, era Freitas do Amaral do CDS, não tivessem nada a ver com isso, e com isto. Agora entramos na premier league da notação financeira e já não há abertura de telejornal que o valha, nem Zés Gomes, nem barulhos, que os mercados andam a fringanor mal grado a guerra na Ucrânia.
Diz o take da Lusa que o filho de Baltazar Rebelo de Sousa recusa comentar as eleições em Angola, não por ser um Estado independente e soberano, mas por o processo eleitoral ainda estar a decorrer. Depois tudo o que é jornal, rádio e televisão, repete o take da Lusa, e tornam a repetir o take da Lusa, de microfone estendido à roda de Marcelo, já em território angolano à saída do aeroporto em Luanda. E Marcelo repete o take da Lusa e recusa comentar o processo eleitoral que ainda decorre. E o tabu dura quarenta e oito longas horas até alguém com sentido de Estado se ter lembrado de chamar o Presidente da falta de noção à razão, e jornalista não foi de certeza, tal a vertigem mediática para o espectáculo circense. Estas coisas deviam deixar-nos profundamente envergonhados ou, no mínimo, embaraçados, mas a seguir o artista sai aos beijinhos, de telemóvel em punho para a selfie, e toda a gente encolhe os ombros "tadinho, é assim mas não é má pessoa, o que é que se há-de fazer?".