"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
António Costa fez um bom discurso no encerramento do congresso do Partido Socialista. Separou as águas, bateu com a porta na cara da direita, escancarou a porta à esquerda, conseguiu irritar o PSD, na figura de Marco António Costa, que personifica o que de mais abjecto e repugante há na política, não fosse existir Nuno Melo, e conseguiu irritar o CDS, na figura de Nuno Melo, que personifica o que de mais abjecto e repugnante há na política, não fosse existir Marco António Costa. Para começo não está mal.
Sócrates tem amigos que ousam visitar Sócrates na prisão. Sócrates tem uma bataria [*] de jornalistas de piquete à porta da prisão para filmarem e chegarem à fala com os amigos de Sócrates que ousam visitar Sócrates na prisão e para dar a conhecer ao mundo a cara dos amigos de Sócrates que ousam visitar Sócrates na prisão.
Sócrates foi ao congresso de António Costa pela boca duma bataria de jornalistas de piquete nas vias de acesso, nas entradas e no interior da sala, e que abordam os congressistas, todos sem excepção, para dizerem de sua justiça sobre Sócrates e sobre a justiça que lida com Sócrates.
O Sócrates que não foi ao congresso de António Costa acaba sempre no meio da sala do congresso de António Costa pela boca duma bataria de jornalistas que torcem e espremem os congressistas até eles dizerem de sua justiça sobre Sócrates e sobre a justiça que lida com Sócrates e sobre o Sócrates que foi e o Sócrates que não foi ao congresso de António Costa.
De vez em quando e fora de congressos e fora de preventivas e efectivas também se fala muito em Portugal de jornalismo tablóide britânico e do quão pernicioso o jornalismo tablóide britânico é para o cidadão e para o jornalismo.
Malgrado os 4 anos de Nuno Crato, diligentemente investidos na destruição do ensino público e da escola pública mas frustrados por causa maldita da política de empobrecimento, desemprego e miséria, do ir além da troika [que a troika não embarcou em grupos: «and reducing and rationalising transfers to private schools in association»], e quando, contra todas as expectativas e anseios do Governo, se assiste a uma fuga das famílias do ensino privado para o ensino público, agora que a fogueira das vaidades tem uma chama muito ténue e umas brasinhas de carvões a morrer à volta, já não é "o ranking [martelado] da escola do seu filho", passámos ao nest level, o de "o lugar em que ficou a sua escola" [no ranking martelado].
A sua escola. Assim uma espécie de nostalgia para os pais e avós. E até podiam fazer um histórico por anos, com as fotos das turmas de finalistas, american style, que era um deleite.
E que lhes sirva para perceber como é que foi possível a um bando de energúmenos e matarruanos, nascidos, crescidos, criados, educados e formados na escola pública, chegarem ao poder com o objectivo único de destruir quem os educou e lhes deu formação.
Todos diferentes, todos iguais. O comunismo de Eduardo Stock da Cunha num lapidar "Duas pessoas em seis mil [colaboradores] são 0,03%. Acha que me vou preocupar?" [não fosse o "colaboradores"...]. Agora resta aguardar por quando tocar a "limpar para vender" se o comunismo de Stock da Cunha se mantém e o gestor de topo continua nos 0,03% de "dois em seis mil", igual ao ex-trabalhador-agora-colaborador que atende ao balcão, ou se salta para o nível seguinte do "todos os bancários são iguais mas alguns bancários são mais iguais que outros", fazendo juz ao nome mui português "stock da cunha, agência de colocação de emprego para amigos e conhecidos" e recorre à fórmula mágica dos gestores para lá de bons, bombeiros, para endireitar empresas: despedir por baixo, a eito e a torto e a direito.
E também há o Largo da Ribeira Velha que fica na baixa comercial de Setúbal que vá-se lá saber porque é que se chama assim e porque é que há cheias na baixa comercial de Setúbal de cada vez que chove mais que a conta...
E também havia a Ribeira do Livramento que libertava para o rio Sado, onde é agora o Mercado do Livramento [os nomes... os nomes...] o remanescente das águas pluviais, em dias de muita ou pouca chuva, que tomam balanço e velocidade e ganham caudal desde as encostas de Palmela e das encostas dos lados do Convento de S. Paulo, via Rio da Figueira, [vá-se lá saber porque é aquilo foi baptizado de Rio da Figueira...] e que não eram absorvidas pelos solos das pelas quintas ao redor da cidade, onde hoje são os bairros do Montalvão, da Urbisado, da Algodeia, por exemplo, e de onde vinham as famosas laranjas de Setúbal [a água das chuvas, a matéria orgânica das serras, o solo das quintas, não sei se estão a seguir um míni delta do Nilo...] em dias de muita ou pouca chuva.
Depois veio a modernidade e dava muito mais trabalho manter uma ribeira limpa, sem cheiro e sem mosquito, do que dotar todas as casas e habitações de saneamento básico, além do mau aspecto de gente a lavar a roupa e a tomar banho na margem da Ribeira, e os génios das lâmpadas que iluminam Setúbal acharam por bem entubar a ribeira pelo subsolo em manilhas de esgoto, de esgoto que não havia nas habitações, e fazer por cima uma avenida toda modernaça, larga, passeios, duas vias de circulação em cada sentido, com árvores no separador central e tudo e dar-lhe o nome de 22 de Dezembro, “data da creação [sic] do concelho de Setúbal”, como diz na placa toponímica na esquina da avenida para a Estrada da Algodeia, mesmo ao pé do Estádio do Bonfim.
Entretanto ontem choveu e, por um azar do caralho, além de chover como só Noé viu a maré estava cheia e prontes, havia a água no lugar dela e a avenida no lugar da água e as casas todas à volta e a SIC.
E a SIC que, para não estarem sempre a dizer que só reporta em Lisboa em Algés e no Dafundo, mandou equipa a Setúbal, fora das horas de comer peixe assado. Vai daí uma chica-esperta, armada ao pingarelho a ver se tirava um António Costa da cartola setubalense para poder mostrar serviço ao patrão Balsemão, pergunta a um desgraçado na lojeca com água pelas orelhas “acha que foi só cheia ou há mais qualquer coisa?” e o que até então era só um desgraçado com o negócio a ir literalmente por água abaixo responde, já promovido a idiota, com os pés em cima do alcatrão que tapa a ribeira que corre agora por cima do negócio que é seu “há mais qualquer coisa... há as obras inacabadas ali [com gesto largo de braço] e a ribeira lá atrás que não foi limpa”. Qual ribeira c’ um caralho?! E vão os dois, repórter e comerciante, idiotas, à sua vida.
Podia ser pior, podia ter sido culpa da presidente da Câmara Municipal como foi em Lisboa, com a baixa toda impermeabilizada por túneis do metro, parques de estacionamento, condutas de gás, de electricidade e de esgotos, garagens de prédios e hotéis e o diabo a quatro.
[Na imagem do insigne fotógrafo setubalense Américo Ribeiro a Ribeira do Livramento antes de ser Avenida 22 de Dezembro e onde o outro tem o negócio debaixo de água e a da SIC andou a molhar os stilettos]
O que nenhum super-juiz ainda explicou, de viva voz ou através dos gabinetes de comunicação do Tribunal de Instrução Criminal – Correio da Manha e Sol, mas devia, digo eu que não percebo nada disto mas que gosto de tudo muito explicadinho, até por causa dos "alarmes sociais" e tais, é porque é que com José Sócrates foi tiro e queda, da manga do avião para a choça e da choça para as buscas e rebuscas na "casa dos segredos" na Rua Bran Can como dizem na televisão, logo meia dúzia de horas depois e com Ricardo Salgado foi tiro e vá lá V. Exa. , comendador, não é mas podia ser, descansado, que a gente vai fazer uma busca e uma rebusca daqui por 120 dias, se é que aquele hiato entre a detenção para falar com o meritíssimo e as notícias do aluguer de um espaço num hotel da linha para encher de caixotes e papelada diversa não foi suficientes. Se calhar é porque os tostões do Banco Espírito Santo “não são um risco para o contribuinte” e os alegados 20 milhões de Sócrates, esse pulha, vão ser pagos até ao último avo com o dinheiro de todos nós.
[O título do post fanado ao João Pires e a imagem encontrada aqui]
O BES, o maior banco privado nacional? É um problema dos accionistas, do Banco de Portugal e dos bancos. PT, uma das maiores empresas nacionais, centro de excelência e de inovação? É um problema da empresa e dos accionistas. O desemprego? É um problema da economia e das empresas. A emigração? É um problema das pessoas, das empresas e da economia. O Estado que V. Exa. , temporariamente, administra? É um problema, com o qual não sabemos lidar, para a economia, para as empresas, para os patrões, para os accionistas e para os bancos, que causam problemas à economia, às empresas, aos patrões, aos accionistas e aos bancos.
O Governo, por interposta pessoa o primeiro-ministro, já se demitiu de tudo, só não apresentou foi a demissão.
e muito antes da lengalenga neoliberal da mobilidade e do incentivo à mobilidade; e porque as coisas acontecem porque têm de acontecer e não por incentivo superior estatal, do Estado administrado por quem abomina o Estado por decidir superiormente da vida das pessoas; e eu que nasci e sempre vivi em Setúbal e não falo charroco só porque não quero nem me apetece, porque sei o abecedário todo, fui criado a ouvir isto; e porque estas coisas não têm nada a ver com cantar mas com trabalhar e sofrer e lutar e com consciência social e por passar a mensagem contra a lengalenga neoliberal da mobilidade; e porque ainda hoje fico com pele de galinha de cada vez que oiço; viva!